Airbus, privatização e desastre
Em dificuldades, o maior fabricante de aviões do mundo prepara-se para demitir 10 mil trabalhadores. Na raiz de seus problemas estão a transferência, pelos Estados francês e alemão, do controle sobre a empresa e a emergência de uma lógica de negócios que desprezou o investimento, para se concentrar nos ganhos financeirosFrançois Ruffin
“Não, não, não à concessão.” O vento sopra gelado entre o pátio da fábrica Le Méaulte e a pequena cidade de Albert. Tiram-se os gorros, colocam-se os bonés. As bandeiras da Força Operária (“a eficácia reformista”) e da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) tremulam sobre o cortejo. que segue entre um campo cultivado e um hipermercado Lidl que oferece uma “promoção de costelas de porco”. O dia 3 de abril de 2007 foi a terceira vez desde o lançamento “Power 8” (um programa que prevê o corte de 10 mil postos de trabalho e o fechamento ou venda de várias fábricas), no outono [do hemisfério Norte] passado, que os trabalhadores fazem esse caminho: “Já passamos por períodos difíceis, de baixa demanda. Solucionávamos trabalhando meio período ou diminuindo o ritmo da produção. Mas agora é necessário que alguém nos explique este paradoxo: temos pedidos que justificam produção plena para os próximos cinco anos e estão falando do corte de postos de trabalho?”, disse Jean-Pierre Dannel. Hoje aposentado, ele ingeressou em 1965 na Aerospatiale, o ramo francês do consórcio europeu que fabrica os aviões Airbus. Os compromissos já estão sendo candelados. Os contratos de trabalhadores temporários não foram renovados. Metade desses funcionários, 150 a 300, já deixaram a fábrica. A European Aeronautic Defence and Space (EADS) quer ceder essa unidade de produção, e o diretor ameaça seu fechamento parcial “se nós não aceitarmos o novo parceiro”. Em resposta, o megafone grita: “Queremos permanecer sendo Airbus! Não à fatalidade!” Na praça da prefeitura, diante dos cartazes de Ségolène Royal, Nicolas Sarkozy e Gérard Schivardi, manifestantes seguram uma bandeirola: “Acionistas, parem de roubar a Airbus!”. Líderes sindicais sobem no tablado. Seu discurso denuncia “a ganância dos acionistas privados” e “o perigo de ceder o poder para Lagardère e Daimler-Chrysler”.
Tais “acionistas privados” constituem o ponto cego do debate, o tabu, o proibido (ver nessa edição). Quando José Bové os atacou timidamente na rádio France Inter, em 23 de março, o apresentador do programa da manhã, Nicolas Demorand, contestou na lata: “Mas o senhor não crê que é a excessiva interferência do Estado que atrapalha a boa governança da Airbus? As disputas entre a França, a Alemanha, o ’Vou impor meu candidato. – Não, o meu. – Vamos finalmente partilhar o comando, o poder’. Não seria isso, sobretudo, mais que o liberalismo, que explicaria a origem dos problemas da Airbus? Ou seja, interferência demais do Estado, ao invés de interferência insuficiente?” Aqui, o jornalista não acenou suas convicções – aliás não admitiria nenhuma convicção. E eis o que torna seu posicionamento ainda mais precioso: esse ventríloquo entre tantos outros, que repetem um refrão criado em outro canto.
Onde? Junto aos dirigentes da EADS. O presidente Louis Gallois estima que “os nacionalismos são um veneno para a Airbus”. Seu co-presidente, Thomas Enders, “preferiria uma empresa sem a participação do Estado”, ao passo que seu antecessor, Philippe Camus, aponta que “é necessário despolitizar e desestatizar o conjunto dos negócios”. Os ministros, por sua vez, entoam o refrão: “O governo não tem que interferir na estratégia da empresa” (Gérard Larcher, ministro do Trabalho). “É necessário que a empresa assuma, sozinha, suas responsabilidades, e creio que toda interferência seria contraproducente” (Thierry Breton, ministro da Economia). “Os Estados, no caso, a França e a Alemanha, não são os acionistas industriais mais eficazes” (Nicolas Sarkozy, então ministro do Interior, hoje presidente da República). Todos julgam o plano Power 8 “indispensável”, “urgente”, “necessário” etc.
Tais reações dizem muito sobre a cegueira das elites (econômicas, políticas, midiáticas) e sobre os interesses – mal disfarçados – que elas defendem ou encobrem. Por trás dos argumentos sobre “vilões nacionalistas” e “Estados intrometidos”, há uma outra história sobre o caso Airbus. É, antes de mais nada, a crônica de atos que, em apenas sete anos, e em meio a falta de habilidade, visão curta e ambição, provocaram a sangria de uma galinha dos ovos de ouro. É, além disso, um projeto industrial sacrificado sob o altar das finanças. Finalmente, é um caso não particular, mas simbólico, de uma Europa que ontem era tomada por uma vontade industrial e cuja política se reduziu, hoje, ao laisser-faire dos mercados.
A origem: um acordo entre Estados inicia o que será a Airbus
A Airbus surgiu, em 1970, por meio de um acordo entre Estados, por meio do qual surgiu o “Agrupamento de Interesse Econômico” (GIE, em francês). Atualmente, a empresa está integrada a uma sociedade anônima (EADS) que procede como uma multinacional gigante. Como explicar essa virada? Na origem do Agrupamento de Interesse Econômico e de seus sucessos “tecnológicos, comerciais e financeiros”, havia, segundo Thierry Gadault e Bruno Lancesseur, “duas empresas públicas: a Aerospatiale, na França, e a MBB na Alemanha [1].” Os presidentes e diretores gerais pretendiam, num primeiro momento, promover a fusão das duas empresas.
No meio dos anos 80, a situação mudou: o chanceler Helmut Kohl privatizou o braço aeronáutico da companhia alemã, cedendo-o à Daimler. A “velha direção da MBB, que tanto fez para desenvolver a cooperação franco-alemã, deu lugar a uma nova geração de líderes mais sensíveis às oscilações da Bolsa de Valores que à doutrina de construção européia”, analisaram Thierry Gadault e Bruno Lancesseur. Da mesma forma, a British Aerospace, outro parceiro do projeto, entrou na Bolsa de Valores. A história se inverteu: daquele momento em diante é a Aerospatiale passou a ser marginalizada: “Os ingleses e os alemães conseguiram impor sua idéia de que só a independência de gestão e a autonomia financeira permitiriam à Airbus prosseguir seu caminho de conquistas [2].” Idéia que a esquerda liberal e a imprensa, que lhe é próxima, aprovaram sem demora. “Trata-se de livrar a Aerospatiale, o mais rápido possível da imagem de empresa estal, freqüentemente usada por seus concorrentes para atacá-la [3].” Ao mesmo tempo em que Dominique Strauss-Kahn, então ministro das Finanças, saúdou a privatização como uma “excelente novidade”, o Le Monde avaliou: “O consórcio europeu, criado no início dos anos 70 sob uma tutela tolerante, mas diretiva dos Estados, poderá se transformar em sociedade privada, obedecendo mais ao mercado que à vontade política [4].”
Seriam necessários 25 anos de negociações, ajudas públicas, incertezas tecnológicas, travessias de desertos, por vezes alianças pouco ortodoxas entre engenheiros, políticos e homens de negócios, alemães, britânicos e franceses. Vinte e cinco anos sem contar a pré-história, o fracasso financeiro do Concorde, o lançamento do “transatlântico dos ares” — o Caravelle — que assegurava a “liderança da França em matéria aeronáutica [5].” Ao fim desses 25 anos de investimentos, a companhia “conquistou 35% de participação no mercado mundial de aviões com mais de 100 lugares [6]”. Além disso, sua lista de encomendas se multiplicou: “a Airbus tornou-se uma mina de ouro [7]”.
Em 1999, o ramo francês também passa para mãos privadas
A hora de colher os resultados se aproximava. Na primavera de 1999, o então primeiro-ministro francês, Lionel Jospin, confiou o controle da Aerospatiale ao setor privado. E voltou sua atenção para a Matra, que até então nunca havia atuado em aviação civil. A Europe 1, rádio do Grupo Lagardère, exultou: “O governo finalmente leva à pia batismal um gigante da aeronáutica capaz de alçar vôos em amplos céus. A equipe de Jospin privatiza empresas duas vezes mais rápido que a direita. Para a Aerospatiale, já era hora. Agora a número dois da Europa e a quinta empresa mundial em aviação está aqui, em território francês, e não em outro país [8]. ”
Por que tanto entusiasmo? Porque Jospin ofereceu um desconto avaliado em quatro bilhões de francos (sobre 13 bilhões) para Jean-Luc Lagardère [9]? Ou por causa desse outro presente: ainda que a Matra tenha participação minoritária na Aerospatiale (33%, contra 48% do Estado), ainda que Lagardère não possua mais que 6% das ações da Matra [10] (ou 2% da nova entidade), são para ele que vão todas as alavancas de direção. Cheque mate: no ano seguinte, uma nova fusão aconteceu quando a Aerospatiale-Matra se aliou à Daimler-Chrysler dando origem à “European Aeronautic Defence and Space Company” (EADS). A rádio Europe 1 não perdeu nada de sua exultação: “Um só grupo, um só centro de decisão, uma oferta global: é a famosa integração que todo o mundo esperava [11].”
“Um só centro de decisão”, de fato: apesar de sua participação de 15%, o Estado francês outra vez se vê “proibido de interferir na gestão”. Seus interesses são representados por Jean-Luc Lagardère (0,9% do capital), cujos assessores (Philippe Camus, Noël Forgeard, Jean-Louis Gergorin, Philippe Delmas, Jean-Paul Gut) ocupam os cargos-chave: o setor privado detém plenos poderes. E em breve se revelarão os resultados disto?
Ascensão meteórica minada por lógica financeira e disputas internas
A Airbus viveu, em seguida, uma ascensão meteórica. Logo em seguida ao seu lançamento, a empresa alcançou a Boeing, ultrapassando-a quando as mídias celebraram a decolagem do projeto do A380, o maior avião do mundo. Nesse período de esplendor, o projeto industrial foi negligenciado em benefício dos lucros ou, em outras palavras, da “lógica financeira”. Mas a direção da corporação estava igualmente contaminada por uma guerra de líderes que não opõe alemães e franceses, e, tampouco, os responsáveis do setor público e do setor privado, mas os próprios “garotos Lagardère” entre si. “Sob os flashes dos fotógrafos, os novos dirigentes da EADS estão agrupados em torno de uma maquete incrível de um avião gigante. Por trás dos sorrisos de circunstância, uma formidável luta pelo poder está se iniciando [12].”
A rivalidade antiga, notadamente entre os executivos Camus e Forgeard, exacerbou-se com o falecimento de Jean-Luc Lagardère, na primavera de 2003. Os dois homens passaram a perseguir um só objetivo – o de tornar-se o novo califa. “Durante esse primeiro semestre de 2005, desenvolvem-se, num setor da hierarquia da Airbus, um fechamento sobre si próprio e uma cultura do não dito [13]. “Pode-se supor que, com seus líderes devorados por tais ambições, fomentando golpes, a supervisão do A380 rapidamente passa a parecer facultativa, secundária. A tal ponto que, quando, em junho de 2006, é anunciado ’um novo atraso devido a uma dificuldade técnica na instalação elétrica da aeronave’, qual será o argumento da direção da empresa? O ’nós não sabíamos’. Dezenas de engenheiros sabiam, centenas de trabalhadores sabiam, a dona do bar de Blagnac sabia, mas para Gergorin e para a direção geral da EADS, esse acidente técnico constituiu uma surpresa absoluta”.
Mas, então, foi uma feliz coincidência que levou Forgeard, em março de 2006, três meses antes dessa “surpresa total”, a negociar suas ações. Uma atitude que julgou “legítima para um homem que se aproxima dos 60 anos”. Ele embolsou 2,5 milhões de euros para si, mais 400 mil euros para cada um de seus filhos. Profecia ou dom da vidência? Algumas semanas mais tarde, no dia 14 de junho de 2006, quando foi feito o “anúncio”, o título chegou a desvalorizar 26% em um só dia.
Empresa em dificuldades, executivos com ganhos milionários
Contudo, essa árvore do escâncalo escondeu uma floresta de boa fortuna: em abril, Lagardère e Daimler-Chrysler vendem a metade de suas participações acionárias e lucram 890 milhões cada uma. As ações, que haviam chegado a um pico de 32 euros, despencam para 24 euros. Supõe-se que Arnaud Lagardère, ciente das dificuldades, preferiu revender seus papéis antes da virada da bolsa. E defendeu-se de maneira estranha: “Tenho a opção de passar por alguém desonesto ou por uma pessoa incompetente que não sabe o que se passa em suas fábricas. Assumo a segunda versão [14].” Para amenizar tal confissão, seus amigos – que não lhe faltaram nesse momento – explicaram que “Arnaud quer concentrar novamente suas atividades no pólo das comunicações”. Como uma criança que, depois de ter tentado aulas de violoncelo, preferiu finalmente praticar judô.
Eis um gigante aeronáutico entregue aos caprichos de um herdeiro que se declara “incompetente”; uma incompetência generosamente remunerada, enquanto seus colaboradores próximos se rasgam para subir ao trono, enchendo seus colchões de títulos da empresa. Todos eles ignorando “o que se passa nas fábricas”. Dessa vez, a boa governança privada foi comprovada.
Mal findo o processo de privatização da Aerospatiale, qual era o desafio de Philippe Camus, “futuro diretor geral” de uma empresa que ainda não existia? Construir aviões do futuro, menos poluentes que os que existiam até então? Não, era “fazer com que a margem de lucro crescesse de 4% para 8% em cinco anos.” As mudanças no estatuto modificaram as prioridades.
O personagem cumpriu suas promessas: o grupo viveu cinco anos de crescimento. Os lucros duplicaram, assim como o valor das ações. A cotação da EADS subiu 70% – uma performance ainda mais notável porque o CAC 40, principal índice da bolsa de Paris, caiu 30% no mesmo período. O último (mas não menos importante) indício: desde 2004, o grupo colocou em prática um programa de recompra de ações que poderia atingir 7,8 bilhões de euros até novembro de 2007. Essa escolha atesta a financeirização da EADS. Ao invés de investir seu “fluxo de capital” nas cadeias de produção, ou em pesquisa e desenvolvimento, a empresa não empreende mais. Ela prefere proceder uma destruição de capital a fim de “evitar um efeito dilutivo” [15].
Deslocalizações: para recuperar a empresa, atacar direitos sociais
Apesar disso, como Louis Gallois justifica a cessão das fábricas de Méaulte, Filton (Reino Unido) e Nordenham (Alemanha)? “Os investimentos totais necessários para a passagem do material composto representam de 500 a 600 milhões de euros e nós não podemos fazê-los sozinhos [16].” Apenas centenas de milhões? Para esses acionistas, conta-se capital em bilhões.
“Nós não podemos” não resulta de nenhuma dificuldade repentina, mas de uma orientação decidida na base. Para comprovar, basta consultar o “Relatório Anual de 2005” intitulado “Traçando o futuro”. Ali se diz que tudo vai muito bem: “A rentabilidade da EADS atingiu novos tetos; um aumento de dividendos ocorreu pelo terceiro ano consecutivo; foi um ano recorde em termos de entregas, encomendas e rentabilidade.” Isso não foi o suficiente. A fim de “atingir a melhor rentabilidade em sua categoria”, “aprimorar a performance operacional da EADS em termos de custos”, “otimizar a rentabilidade de nossa carteira de pedidos”, o grupo opta por uma “estratégia clara”: “internacionalização”.
O que esconde esse simples vocábulo? Vamos a maiores detalhes: uma vez que “95% dos assalariados estão na Europa”, assim como “75% dos trabalhadores temporários”, a “EADS planeja se tornar um sólido ator industrial em certos países-chave como os Estados Unidos, China, Rússia, Coréia do Sul e Índia. A Rede Internacional de Compra articula-se em torno dos escritórios de compras por país (’CSO’, Country Sources Offices), sendo que os primeiros CSOs foram implantados na China, na Rússia e na Índia.” Estendendo-se por páginas inteiras, a nova língua financeira pode ser traduzida por um verbo: deslocalizar. A perspectiva foi fixada ao longo de um ano de “resultado excepcional”.
Após o “Cap 2001” (lançado com a privatização, em 1999) e após o “Route 06” (iniciado em 2003), que já reduzia os custos, as grandes linhas do plano Power 8 já estavam traçadas há muito tempo. Só faltava o pretexto. As decepções com o A380 chegaram em boa hora: “Para restaurar a competitividade e compensar a degradação financeira dos atrasos, a Airbus lançou o Programa Power 8, destinado a gerar economias a partir de 2010 [17]. A essência deste “remédio tradicional”: “uma redução de 30% nos custos de funcionamento, a reorganização de 16 fábricas, cerca de 10 mil postos de trabalho a menos, dos quais 4,3 mil na França; 3,2 mil na Alemanha; 1,5 mil no Reino Unido e 400 na Espanha”.
O ministro da Economia, amigo pessoal de Arnaud Lagardère e freqüente entrevistado da rádio Europe 1, qualificou a ação como um plano equilibrado [18] e necessário “para que o grupo europeu possa resistir à baixa do dólar frente ao euro”. O “equilíbrio” parece consistir em fazer os assalariados pagarem pelos erros de uma gestão voraz. A “necessidade” parece contestada. A cada vez que o euro se valoriza 10 centavos em relação ao dólar, a Airbus perderia 1 bilhão? Deve-se reagir como se o construtor se encontrasse repentinamente à beira do abismo apesar de uma tesouraria de 4 bilhões de euros, uma experiência sólida no mercado e de se situar em um setor em franco crescimento?
Da cooperação entre Estados à obediência total aos mercados
Por trás das cortinas de fumaça, ocorre, na realidade, uma deslocalização ordinária. Elie Cohen, cujo emprego não se encontra ameaçado, analisou: “No modelo A350, o valor desenvolvido e produzido na Europa cairá cerca de 50%. Equipara-se ao Dreamliner, da Boing, que é projetado, desenvolvido e produzido na proporção de 50% nos EUA. E tudo isso por que? Por vontade da empresa? Ou para que “a rentabilidade não corra o risco de uma queda sensível em relação aos padrões da indústria e às expectativas legítimas [19] dos acionistas?”
O domínio dessa lógica financeira sobre a EADS tende a se intensificar ainda mais. Para quem a Daimler-Chrysler cedeu seus 7,5%? Para “um grupo de bancos de investimento”. E Lagardère? Para a Ixis Corporate and Investment Bank, o qual revendeu a medade das ações para um grupo de investidores institucionais franceses [20]. “Como se as indústrias tivessem servido, nesse caso, apenas como intermediários para transformar um ator público em cofre de figuras do mercado financeiro. Enfim, quem vai representar o Estado francês no Conselho do EADS? Um ex-engenheiro da Aerospatiale? Não, Michel Pébereau, banqueiro amigo do grupo Lagardère, autor de um relatório sobre a dívida pública da França.
A Airbus aparece, portanto, como um “símbolo da construção européia”, com seu relexo esclarecedor: ela transitou da “cooperação franco-alemã” dos primeiros tempos, da “tutela benévola mas diretiva dos Estados”, para uma “obediência ao mercado”, que proíbe a “intervenção pública” [21], os subsídios, o protecionismo etc. Outro sinal desta “EuropaCoorp”: a EADS transferiu sua sede a Amsterdam, para escapar da tributação dos lucros.
Último espanto: em 8 de março de 2007, depois de o Banco Central Europeu (BCE) haver elevado as taxas de juros seis vezes, em 2006, depois de o presidente da empresa, Louis Gallois estimar o “impacto negativo do câmbio em cerca de 12 bilhões de euros” e em meio a manifestações dos trabalhadores contra o plano Power 8, o presidente do BCE e seus colegas aumentaram novamente suas próprias remunerações. Assim caminha uma certa Europa: os assalariados protestam sem ânimo, os financistas governam com tranqüilidade e o poder público reduziu-se à impotência.
Tradução: Sílvia Pedrosa
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François Ruffin é jornalista.