As duas globalizações
Como hoje, também na Inglaterra do século XIX a “liberdade” dos mercados foi assegurada pela intervenção estatal e pela concentração do poder nas mãos de uma grande potênciaNoëlle Burgi, Philip S. Golub
A analogia entre as duas globalizações, a atual e a britânica do final do século XIX, joga luz na relação entre Estados e mercado, atores públicos e privados. Nestes dois momentos-chave do desenvolvimento capitalista, vimos se afirmar a soberania e se consolidar a hegemonia dos dois Estados que foram seus principais protagonistas.
A instauração em 1834, pela Inglaterra, de um mercado concorrencial do trabalho e sua política de livre comércio respondiam às exigências econômicas da nova casta industrial e aos imperativos políticos de um Estado imperial em expansão. Tratava-se de reforçar e ampliar, face às outras nações européias, a imensa vantagem adquirida graças à revolução industrial. Mas como bem mostrou Karl Polanyi, a introdução de mercados livres na Grã-Bretanha não teve nada de natural. O laissez-faire foi imposto pelo Estado que, multiplicando as leis que aboliam regulamentos restritivos, conheceu entre 1830 e 1850 um crescimento enorme de suas funções administrativas. Prova disso foi a importância dos controles burocráticos tornados necessários pela gestão centralizada de novas leis sobre os pobres, e ainda a complexidade das inumeráveis leis que desmantelaram o sistema agrícola para favorecer o sucesso do capitalismo industrial. Isso não suprimiu a necessidade de regulação e de intervenção estatais. Pelo contrário, ampliou-as consideravelmente. “A via do livre comércio foi aberta, e mantida aberta, por um crescimento enorme do intervencionismo incessante, organizado e comandado a partir do centro. [1]
O centro do império financeiro
Este fortalecimento do intervencionismo estatal, paradoxalmente destinado a garantir o livre funcionamento do sistema econômico, foi acompanhado por uma forte concentração do poder. Ao longo do século, Londres tornou-se “o centro de um império financeiro mais internacional e mais extenso ainda que o próprio império político”. Se as relações entre indústria, finança, comércio exterior e Estado eram mais discretas e informais na Inglaterra do que na França, elas não eram menos eficazes. O poder não era difuso e era difícil, se não impossível, distinguir entre poder político e poder econômico, entre os interesses dos grandes capitalistas e o interesse do Estado imperial. Como escreveu o historiador Herbert Feis, “o poder financeiro era unido ao poder político”. O Banco da Inglaterra servia de interface entre as duas esferas, enquanto que a produção e a reprodução das elites engendrava entre elas um sistema fluido de comunicação e de interpenetração.
Formalmente autônomo em relação à esfera política, o capital adotava claramente uma lógica nacional em matéria de investimentos internacionais. Os fluxos se dirigiam geralmente para onde a espada do Império podia garantí-los. O Estado, por seu lado, aproveitava os benefícios políticos desta expansão invisível. O “curso dos investimentos externos britânicos estava incontestavelmente de acordo com os objetivos nacionais”, definidos pelo Estado. Assim, o ministro das Relações Exteriores de Sua Majestade, Sir Edward Grey, podia afirmar aos representantes da Câmara dos Comuns, em 10 de julho de 1914: “É nosso dever sustentar na medida de nossos meios o autêntico capital inglês por toda a parte onde ele busca concessões e se desenvolve no mundo”. O governo britânico, acrescentava, faria todo o possível para “convencer os governos estrangeiros envolvidos” do interesse destes negócios. E é ao som dos canhões da marinha de guerra inglesa que na China (1839-1842), na Venezuela (1895) e em outras partes do mundo foi executada esta obra de persuasão ao longo do século. Feis mostra bem que, quando havia um litígio entre o Estado britânico e as estratégias comerciais internacionais do setor privado, o segundo se curvava quase sempre à razão do primeiro. [2]
Riqueza e poder sustentavam a hegemonia britânica
Em resumo, riqueza e poder andavam de mãos dadas: o livre comércio e o livre movimento de capitais sustentavam a hegemonia política britânica. As modalidades de agir dos poderes político e econômico diferiam, mas havia uma relação funcional entre eles no sentido em que a força de um alimentava a potência do outro e vice-versa. É por isso que, mesmo que tenha havido menos Estado (um aparelho político-administrativo relativamente menos desenvolvido) na Inglaterra do que na França, devemos admitir, desde que não confundamos a forma com o conteúdo do poder político, que o Estado não era “fraco”. [3]
Mutatis mutandis, uma dinâmica análoga está presente na globalização do final do século XX, impulsionada desta vez pelos Estados Unidos. Também neste país, o caráter fluido das fronteiras entre elites econômicas e políticas favorece a coordenação entre elas e um exercício flexível e informal do poder. Em sua própria busca de riqueza e poder, o Estado norte-americano não foi nem ultrapassado nem banalizado pelas forças do mercado livre mundial. Ao contrário, no sistema inter-estatal em vigor desde o fim da guerra fria, ele encontra um meio de afirmar sua soberania, de reforçar sua autonomia e de estabilizar sua hegemonia.
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