As gestantes em meio à pandemia de Covid-19
A pesquisa ouviu 250 mulheres gestantes e puérperas de todo o Brasil durante o mês de abril de 2020 por meio de questionário on-line, e foi realizada pelo Grupo de Estudos Feministas em Política e Educação (GIRA), vinculado a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Quando perguntadas se a pandemia alterou seus planejamentos de parto, 52,7% disseram que sim e 90,8% disseram que percebem mudanças na forma como se sentem em relação à gestação
É consenso internacional o reconhecimento dos impactos da Covid-19 na vida das pessoas e no modo como é organizada a nossa sociedade. Entre aqueles que opõem vida e economia ou os que defendem que não há economia sem vida, quase todos estão pensando e experienciando as consequências e os impactos desta pandemia. Quando o tema é gestação e parto não é diferente, o mundo político e acadêmico tem se preocupado em discutir o tema em muitos países. Para as mulheres gestantes o novo coronavírus vem atravessando seus planos e rotinas de cuidado. Por isso perguntamos diretamente para elas: o que mudou?
A pesquisa ouviu 250 mulheres gestantes e puérperas de todo o Brasil durante o mês de abril de 2020 por meio de questionário on-line, e foi realizada pelo Grupo de Estudos Feministas em Política e Educação (GIRA), vinculado a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Quando perguntadas se a pandemia alterou seus planejamentos de parto, 52,7% disseram que sim e 90,8% disseram que percebem mudanças na forma como se sentem em relação à gestação. Medo, tensão, ansiedade, insegurança, frustração, tristeza e solidão são algumas das palavras que passaram a fazer parte do repertório das mulheres entrevistadas para descrever como se sentem em relação às alterações ocorridas no atual cenário.
Até agora, pouca atenção foi direcionada as consequências da Covid-19 na gestação e no parto, seja para mulher ou para o bebê. As informações são insuficientes e, por vezes, desencontradas, o que perturba gestantes e profissionais de saúde. Os protocolos de cuidado ainda estão sendo criados e consolidados ao passo que os primeiros resultados científicos começam a ser divulgados, entretanto com baixa penetração no público interessado, como mostrou a nossa pesquisa. Em que pese certo otimismo nas séries e relatórios médicos, afirmando que não há maiores riscos de morbimortalidade materna e neonatal associadas a esta infecção, o Brasil já registra casos de mortes maternas e neonatais relacionadas ao coronavírus: Rafaela de Jesus, nordestina, jovem e negra, foi a primeira vítima seguida de uma dezena de novos casos.
As últimas publicações também apresentavam certo clima de dúvida sobre a inclusão das gestantes e puérperas no chamado grupo de risco, além de protocolos pouco estáveis quanto aos cuidados próprios a este grupo. Apenas no dia 6 de abril, gestantes de alto risco e puérperas foram incluídas no grupo de risco para a Covid-19. No dia 9 de abril, todas as gestantes passam a fazer parte do grupo de risco, e logo em seguida mulheres em situação de pós-aborto ou perda fetal. Categoricamente: “não dá mais para falar em letalidade zero quando se trata de morte materna e Covid-19”, afirmou a médica obstetra Melania Amorim em recente apresentação nas redes sociais.
Pré-natal
Sobre o pré-natal, a pesquisa demonstrou que 53,2% das mulheres relataram alterações no acompanhamento realizado até então, se por um lado mudanças podem trazer medos, inseguranças e a necessidade de rápida adaptação, por outro é importante considerar que em uma conjuntura como esta a mudança do pré-natal é incontornável, sugerindo a necessidade de criar políticas e protocolos de atenção para evitar a falta de assistência durante o período de gestação. Diferentes modalidades podem ser aplicadas, desde a utilização da telemedicina, espaçamento de consultas, realização apenas de exames necessários, apoio em Unidades Básicas de Saúde e espaços clínicos reservados para pré-natal separado daqueles que atendem pessoas com suspeita e diagnóstico de Covid-19.
Quando perguntadas sobre local de parto, 54% dizem que se sentiriam mais seguras se pudessem parir em maternidades focadas aos cuidados apenas de gestantes sem sintomas ou diagnóstico da infecção. O que aponta a importância de considerar a designação de maternidades distintas para atendimento de gestantes com Covid-19. Neste sentido, outra medida a ser considerada é a testagem da gestante durante o pré-natal e no momento de admissão na maternidade, o que neste caso implicaria na disponibilidade de testes rápidos, uma tecnologia ainda sem previsão para uso em larga escala no Brasil. Também foi apontado na pesquisa o interesse de 4,8% das gestantes de realizar o parto em casas de parto normal da rede pública de saúde.
Parto domiciliar
No atual contexto há um número considerável de gestantes e famílias que vêm optando pelo parto domiciliar como estratégia de fuga dos hospitais e maternidades, vistos agora como ambientes contaminantes e saturados. Esta aparece como opção de interesse para as entrevistadas, embora, devido aos custos implicados, é pouco viável para grande parcela da população, além do mais o parto domiciliar requer planejamento e cuidados específicos devendo ser analisado caso a caso. Desse modo, 28,2% das entrevistadas afirmam que se sentiriam mais seguras para parir em seus domicílios, embora muitas revelem não possuir condições financeiras para arcar com os custos deste tipo de parto. Por isso sugerem que o Sistema Único de Saúde disponibilize equipe médica para parto domiciliar, ou ainda a criação de um auxílio financeiro para esta modalidade.
Sabe-se que a gestação e o parto relocalizam as mulheres, trazendo uma significativa sobrecarga emocional. Adicionalmente, neste contexto pandêmico, novas camadas de sobrecarga emocional são sobrepostas. A resposta que ouvimos para este problema é emblemática: “além das preocupações normais, ainda tem a preocupação com a pandemia e a economia”.
A esta altura as mulheres têm vivido muitos dilemas. Questionam-se sobre as condições dos locais de parto, o risco de exposição ao vírus nos hospitais e maternidades, o direito a acompanhante e doula, o apoio para os cuidados pós-parto uma vez que suas redes mais próximas são constituídas por familiares, os quais, seja pelo isolamento social ou por serem idosos e integrarem grupo de risco, não estão mais disponíveis para auxiliá-las; outras têm questões mais urgentes a exemplo da redução de renda e a insegurança alimentar.
Amparo
A garantia de serviços de amparo psicológico e assistência social a estas mulheres parece fundamental neste momento. Os resultados da pesquisa mostram que informação confiável e acessível pode gerar mais segurança, apontando para a importância de um canal de comunicação, seja por via digital, por telefone ou através de cartilha, que ofereça informações de saúde baseadas em evidências científicas, sobre direitos, serviços, procedimentos e políticas públicas disponíveis e como acessá-las.
As conclusões científicas ainda frágeis sobre a melhor via de parto no contexto do Covid-19 e sobre transmissão vertical não podem dar lugar a sugestões conservadoras e que possam oferecer ainda mais risco às mulheres e seus bebês, ou que não estejam em consonância com suas trajetórias e escolhas, a exemplo da cirurgia cesariana sem real indicação, da interrupção da gravidez em mulheres saudáveis antes do trabalho de parto, do não contato entre mãe e bebê após o nascimento e na chamada “golden hour”, do não incentivo e garantia da amamentação.
Não há dúvida que estes pontos não encerram a discussão deste tema tão caro. Em verdade, é preciso dar cada vez mais corpo ao debate científico, político e coletivo sobre gestação, parto e Covid-19. Todos os esforços devem ser feitos para garantia da vida e dos direitos de mulheres e bebês em um contexto excepcional de crise na saúde e em várias dimensões da vida social. Portanto, é urgente a nossa tarefa para compreender e agir sobre os impactos da Covid-19 na vida das mulheres gestantes e para elaboração de protocolos e políticas que deem conta de garantir todas as vidas e com dignidade.
Naiara Maria Santana é doutoranda em Antropologia – Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Bahia, Grupo de Estudos Feministas em Política e Educação – GIRA.