As máfias e as crises financeiras
O FMI calcula a massa circulante de dinheiro sujo entre 1 e 5% do PIB mundial. Essa cifra astronômica teria ajudado a deflagrar as crises que abalaram as economias mexicana (1994-95), asiáticas (1997) e russa (1998)Guilhem Fabre
A multiplicação de casos de desvio de créditos internacionais, principalmente na Rússia e na Indonésia, obriga a questionar os vínculos entre as crises financeiras e a lavagem do dinheiro. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima atualmente a massa de dinheiro sujo entre 590 bilhões e 1,5 trilhãos de dólares, ou seja de 1% a 5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. [1] O sistema financeiro internacional, que se globalizou no pós-guerra fria, repousa sobre dois postulados.
O primeiro consiste em supor que a liberação de fluxos de capitais aperfeiçoará a alocação dos recursos a nível mundial. O que é teoricamente discutível — como salientou o economista Jagdish Bhagwati, [2] impecavelmente liberal — e empiricamente inexato, como atestam diversos relatórios oficiais (Banco Mundial, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento etc.). O segundo postulado considerava como existente — ou secundária —, nos países ditos “em transição”, a infraestrutura jurídica e jurisprudencial que havia permitidopor em prática a liberação de fluxos financeiros entre a América do Norte, a Europa e o Japão. A coexistência entre liberdade total de circulação dos capitais e manutenção de sistemas de supervisão nacional e a existência de praças off-shore criariam, desde então, um espaço inédito onde iriam prosperar todas as delinqüências transnacionais. [3]
Os bônus do Tesouro russo
É desta forma que a extra-territorialidade jurídica, da qual se beneficia a maioria destas praças, desempenhou um papel nada desprezível nas crises financeiras dos últimos anos. O caso da Rússia demonstra a que ponto as fugas de capital, os desvios de fundos, os lucros da extorsão, a pilhagem dos ativos do Estado, a corrupção e o crime organizado podem ser reinvestidos no financiamento exterior especulativo de uma dívida pública que eles contribuíram a criar em larga escala. O desvio predatório, cleptocrático, enfim, mafioso, que se traduz por uma importante demanda de lavagem de dinheiro sobre o mercado internacional de títulos — entre eles os dos bônus do Tesouro russo — está diretamente na origem da crise financeira de 1998. [4]
Da mesma forma, a crise mexicana de 1994-1995 e o “efeito tequila” que ela desencadeou nos outros países da América Latina só têm totalmente sentido se forem integrados à dimensão mais informal de um “efeito cocaína”. Captando, desde o início dos anos 90, a metade do montante de negócios da droga colombiana exportada para os Estados Unidos, os traficantes mexicanos repatriam de 3 a 8 bilhões de dólares por ano, quantia superior às exportações petrolíferas. Uma parte destes fundos vai alimentar o consumo ostentatório de bens de luxo norte-americanos. O resto é reciclado no comércio varejista, em imóveis de luxo e no mercado “cinzento” das ações e títulos, que cobra comissões de 10 a 15% por estes serviços de lavagem. As privatizações levadas a cabo por Carlos Salinas (1988-1994) são também o momento de reciclar os narco-lucros, principalmente no setor bancário, onde o Estado liquidou uma série de estabelecimentos por 12 bilhões de dólares. Depois da crise de 1994-1995, estes estabelecimentos se encontrariam com dívidas de mais de 120 bilhões de dólares, é claro que a cargo dos poderes públicos.
A lavagem de dinheiro combina-se com a dinâmica dos fluxos de capital internacional a curto prazo para criar uma super-liquidez da economia e uma “bolha” no mercado imobiliário e na Bolsa. Se erepresentam inicialmente apenas de 1% a 3% do PIB mexicano, os narco-dólares vão desfigurar a concorrência, em benefício das redes mafiosas, tanto no comércio varejista como no banco. A “franquia da lavagem” de que dispõem, permite-lhes, na verdade, serem mais competitivos e, em caso de necessidade, absorver seus concorrentes, privilegiando os investimentos especulativos a curto prazo. O acesso ao crédito permite ao mesmo tempo a reciclagem dos capitais de origem duvidosa e a multiplicação do seu impacto. A injeção dos narco-dólares contribuiu desta forma para deteriorar o comércio exterior e para precipitar as inadimplências, a desvalorização e, finalmente, a crise financeira de 1994-1995.
A desvalorização do baht
A Tailândia, onde teve início a crise asiática de 1997, conheceu um cenário do mesmo tipo. Segundo um estudo publicado por três pesquisadores da Universidade Chulalongkorn, [5] o equivalente de 8% a 11% do PIB tailandês era controlado, às vésperas da catástrofe, por redes do crime organizado que tiravam essencialmente lucro dos jogos ilícitos e da prostituição. O tráfico de drogas exportadas da Birmânia era uma renda acessória. E, como no México, os fluxos de capital estrangeiro a curto prazo aceleraram a dinâmica especulativa local, limitando o horizonte dos investimentos em detrimento dos setores produtivos e exportadores. A deterioração das contas externas que se seguiu, agravada pela alta do dólar e a redução do mercado de exportação em 1996, precipitou a desvalorização do baht.
Mas o sistema político e financeiro local desempenhou também seu papel, favorecendo maciçamente a lavagem dos lucros ilícitos e mafiosos. Em fins de 1999, embora o PIB tailandês tivesse sofrido uma queda de 10% em 1998, e a disponibilidade de bens imobiliários fosse avaliada em mais de 300 mil unidades na região de Bangkok, os preços de venda não tinham baixado. [6] Esta estabilidade, incompreensível em termos de leis do mercado, torna-se totalmente compreensível se vemos nisso a influência dos circuitos de lavagem de dinheiro e dos atrasos que ela provoca no saneamento do setor financeiro.
“Yakuzas” e a bolha especulativa
Este atraso é também observável no Japão, segunda economia do mundo. Conhece-se agora de maneira precisa o papel das yakuzas na formação da bolha especulativa dos anos 80. [7] Controlando o tráfico de drogas, a prostituição, a contratação no setor da construção civil e dos trabalhos públicos, bem como uma parte da indústria muito lucrativa dos pachinkos [8] — esses caça-níqueis eletrônicos cuja cifra de negócios representa uma vez e meia a da indústria automobilística nipônica, ou seja mais de 6% do PIB —, as yakuzas investiram nas cooperativas imobiliárias (jusen), nas grandes casas de títulos e assembléias de acionistas de certas empresas. O acesso ao crédito permite-lhes lavar seus lucros nos setores especulativos, onde privilegiam as operações de alto risco.
O estouro da bolha especulativa, no início dos anos 90, traduz-se por uma queda dos mercados de bolsas e dos preços dos imóveis e por uma alta dos créditos duvidosos dos bancos e dos organismos de crédito. Ex-diretor da Agência Nacional de Polícia, Raisuke Miyawaki estima que 10% destes créditos são imputáveis às yakuzas e que 30% suplementares têm prováveis vínculos com o crime organizado. Isto situa o montante das dívidas não recobertas dos gangsters entre 75 e 300 bilhões de dólares, ou seja 6,5 % do PIB de 1996.
Socializar perdas, privatizar lucros
Após terem especulado com a alta, as yakuzas especulam na baixa, tentando readquirir os bens imobiliários a preço vil, e bloqueando, com ocupações dirigidas, a liquidação do passivo de certas empresas. É o que explica que a queda real dos preços imobiliários — de 30 a 70% desde o início dos anos 90 — não seja acompanhada por uma alta correspondente das transações. A duração excepcional da crise japonesa — apesar dos múltiplos planos de retomada econômica do governo envolverem cada vez mais pontos do PIB — só se compreende integrando a dimensão da lavagem de dinheiro e a atividade das redes criminosas que socializam as perdas de seus empréstimos não reembolsados e privatizam os benefícios mafiosos. De 1985 a 1995, o PIB japonês cresceu 52%, enquanto o conjunto dos ativos da economia progredia 85%. A diferença entre estas duas cifras mostra a persistência de uma bolha especulativa [9] claramente situada no setor imobiliário, já que a correção dos mercados dos anos 80 foi muito bem estabelecida. Ora, é precisamente esse o terreno preferido das yakuzas e suas manobras invisíveis que atrasam o ajuste do mercado.
Por mais importantes que sejam, os exemplos do México, da Rússia, da Tailândia e do Japão não significam, entretanto, que exista uma relação mecânica entre crises financeiras e lavagem de dinheiro. E mesmo que outros casos — tais como os da Venezuela, da Turquia ou da Nigéria — merecessem ser analisados a partir da mesma perspectiva, ocorre que os lucros do crime não estão no mesmo nível da potência da economia formal. Por enquanto, ainda não. Para evitar chegar a esse ponto, seria necessário que existisse vontade e meios políticos para ultrapassar um