“As mulheres de alívio”
Deportadas com 15, 16 ou 17 anos de idade, estas mulheres coreanas foram violentadas e abusadas, às vezes por trinta soldados japoneses num só dia, depois esterelizadas e em seguida abandonadas até o final da guerraBrigitte Pätzold
Na “Maison de Partage”, em Seul, três mulheres idosas se encolhem sob as cobertas. A habitação é mal aquecida, uma só lâmpada para iluminá-la. A câmera da jovem cineasta sul-coreana Byun Young-Joo capta o despojamento em que vivem aquelas ex-“mulheres de alívio” dos bordéis militares japoneses durante a segunda guerra mundial. Sob o olhar sensível da realizadora, elas testemunham o calvário por que passaram: deportadas com 15, 16 ou 17 anos, violentadas e abusadas, às vezes por trinta soldados num só dia, esterelizadas com injeções, elas foram em seguida abandonadas ali ao final da guerra.
O estigma da “mulher perdida”
Foi para a China que Byun Young-Joo viajou para filmar as três protagonistas de seu documentário. Três mulheres, entre as dezoito sobreviventes — a maioria das outras suicidaram-se ou morreram na miséria. A vergonha e a pobreza as impedia de voltar para a Coréia. Rever seu país natal por uma última vez antes de morrer é, ainda assim, o sonho mais caro. O estigma de ser uma “mulher perdida” e a marginalização numa sociedade fortemente impregnada de tradição patriarcal explica que elas tenham mantido o segredo durante meio século. “Eu não podia nem mesmo contar para minha mãe”, diz uma delas. Por medo da desonra, era até comum que seus parentes pedissem que guardasse seu passado em segredo.
Somente em 1991 este silêncio torturante foi rompido por Kim Hak-Sung, uma pessoa instruída que declarou publicamente ter sido uma “mulher de alívio”. “Nenhum historiador tratou deste problema. Fizeram pesquisas sobre os estudantes e os trabalhadores engajados pelo exército, mas nunca fizeram menção às ’mulheres de alívio’. Acho isso injusto”, diz ela no filme. Este primeiro testemunho foi seguido de milhares de outros, suscitados e sustentados por movimentos feministas sul-coreanos. Da mesma forma, deu início a processos de indenização contra o governo japonês que, até então ainda negava sua responsabilidade no assunto, proibindo qualquer tipo de acesso aos arquivos sobre os bórdeis militares.
Tribunal civil internacional
A urgência de realizar um filme com os últimos depoimentos sobre estes campos de estupro concebidos pelo Estado japonês se impôs para Byun Young-Joo em 1994, quando realizava um filme sobre o turismo sexual na Coréia e encontrou-se com a filha de uma das sobreviventes, que se prostituía para poder pagar o tratamento médico de sua mãe. Posta em contato com três fugitivas dos campos, que viviam juntas e reclusas em Seul, ela as visitou freqüentemente durante um ano até ganhar a confiança delas. As lembranças daquelas senhoras idosas eram tão atrozes que elas se recusavam sistematicamente a relembrar os fatos. A cineasta acabou rompendo a resistência delas e captou seus depoimentos comoventes. Também conseguiu convencer as três senhoras a que a deixassem realizar um segundo, e depois um terceiro, filme sobre elas, [1] o que de início proibiam. A tomada da palavra em frente à câmera, e depois em frente ao público, nas salas de cinema na Coréia, acabou libertando-as da vergonha e mobilizando-as para reivindicar justiça.
Premiado e distribuído no Japão e na Coréia, o documentário ganha uma importância política especial em vista do avanço crescente dos revisionistas japoneses, que consideravam a prostituição forçada como um “mal necessário” em tempo de guerra. Esses mesmos negacionistas queriam também — em nome da moralidade (!) — excluir qualquer menção a essas “mulheres de alívio” dos manuais escolares. Em dezembro de 2000, um tribunal civil internacional de mulheres terá lugar em Tóquio. O Estado japonês é acusado de “crime de guerra” e de “crime contra a humanidade”. Se for condenado, deverá finalmente pagar indenizações às sobreviventes dos bordéis militares. Estas, contudo, correm o risco de morrer antes que a justiça lhes se