As razões de um vazio
A derrota provável do berlusconismo vai virar uma página na vida política italiana. O problema é a falta de ânimo da oposição para buscar alternativas reais ao neoliberalismoDominique Vidal
“Amanhã é outro dia”, assegura o slogan dos Democratas de Esquerda, reflexo do vazio sideral de uma campanha eleitoral estranha, na qual não aflora nenhum debate de fundo e nenhum confrontamento programático sério.
Cuidado, no entanto, aos que pretendem julgá-la através de uma comparação de base excessivamente francesa. Não é de hoje que a vida política é diversa em Roma e em Paris. Duas histórias diferentes demandam evitar as comparações, freqüentemente superficiais. Sem contar que o “jogo de gigantes” anunciado entre Segolène Royal e Nicolas Sarkozy não pressagia em nada uma disputa intelectual empolgante.
Senhor das mídias, Silvio Berlusconi dá o tom. É ele quem dirige a campanha, e ele não tem o menor interesse em abrir os verdadeiros arquivos. Seu balanço é desastroso. Sua maioria se desfaz em espiral.
Mais dois de seus ministros foram recentemente demitidos (cinco outros deixaram o governo, nos últimos anos): o primeiro, por ter ostentado uma camiseta com a imagem das caricaturas dinamarquesas de Maomé, provocando motins na Líbia; o segundo, por ter espionado Alessandra Mussolini, a neta do Duce, e um dirigente da extrema direita. E, como desgraça pouca é bobagem, o procurador de Milão sonha em submeter “Il Cavaliere [1]” a julgamento, por ter pagado 600 mil euros ao advogado David Mills, marido da ministra britânica da cultura, em troca de um falso testemunho.
Resta, como um tique, o recurso ao anticomunismo mais obsoleto. Na falta de adversários de seu tamanho, Berlusconi escolhe os menores.
Em 10 de março, ele debateu, na emissão “Matrix”, no canal cinco, com o secretário do pequeno Partido dos Comunistas da Itália [2]. A quem fez, sem surpresa, a leitura do Livro negro do comunismo, antes de concluir, quase heróico: “Nós não lhes deixaremos a Itália [3]!”
Para dançar o tango, é preciso mais de um. Hora, nenhum dos dois adversários sérios do primeiro-ministro em fim de mandato tem o menor desejo de entrar realmente na arena pela porta dos fundos. Essa atitude tem evidentemente duas dimensões: uma tática, outra estratégica.
Uma frente muito ampla…e indefinida
Em algumas semanas, as eleições legislativas adquiriram todo seu sentido: virar definitivamente a página do berlusconismo. E o front dos conjurados não pára de aumentar, como provou, no início de março, a entrada oficial em campanha contra Berlusconi, primeiro de Luca Cordero di Montezemolo, presidente do que seria a Fiesp italiana [4], depois do Corriere della Sera, tradicionalmente jornal do poder. A fração moderna e esclarecida da burguesia italiana encontrou seu campo.
Embora prudente, a atitude dos dois herdeiros do Partido Comunista levanta dúvidas sobre sua capacidade de pensar, eles mesmos, em propostas alternativas
Gabriele Polo, diretor do jornal Il Manifesto, não se enganou. Comentando o apelo do diretor do Corriere, ele destacou: “Para Prodi, é um apoio importante (…) mas também um condicionamento considerável (…) da política externa e da política social, no contexto de um liberalismo moderado e razoável, que não inclui a ala esquerda da União [5], mas a implica na gestão da crise no terreno dos valores do mercado, indiscutível ’estado de natureza’”. Polo conclui: “O resultado político será (…) uma bipolarização entre duas correntes que se parecem em matéria de programas e de métodos e que concorrem sobre a capacidade de concretizar esses programas, ou seja, de administrar o existente [6].”
Eis o que permite decifrar melhor a dupla preocupação tática dos opositores a Sua Emittenza. Trata-se em primeiro lugar de não arriscar nada que possa comprometer a grande aliança forjada para acabar com Il Cavaliere. Guardadas as proporções, qualquer um que reforçasse, mesmo indiretamente, as chances de Berlusconi salvar seu poder, se arriscaria a pagar um alto preço – como os grupos que se colocaram em 1978 e 1981, na França, como obstáculo à marcha triunfal de François Mitterrand e do Partido Socialista [7]. A segunda preocupação diz respeito ao pós-9 e 10 de abril. Isso porque a operação conjunta não cessará com as eleições legislativas. Para a direita da União, o desaparecimento do berlusconismo deve resultar no fim de uma “anomalia histórica”, com uma reorganização profunda da vida política italiana em torno de seu centro, as duas alas ditas “extremas” estando excluídas disso – um sistema melhor até para impor as políticas neoliberais.
Pode parecer sinal de bom senso o fato de os dois principais herdeiros do Partido Comunista Italiano (Democratas de Esquerda e Refundação Comunista) evitarem iniciativas que possam torná-los responsáveis por um fracasso da União ou, em mais longo prazo, facilitem sua própria marginalização. Sua atitude coloca, no entanto, uma questão mais fundamental, quanto à sua capacidade de pensar, eles mesmos, em propostas alternativas.
Para se ter uma idéia, bastaria assistir, em 8 de março, em Bologna, na soberba Sala Farnese do Palazzo d’Accursio, à apresentação da tradução italiana do último livro de Lionel Jospin [8]. Por pouco, o antigo primeiro-ministro francês teria – que paradoxo! – passado por esquerdista. Dois dos três universitários que o submeteram a uma espécie de “prova oral” acusaram-no sucessivamente de pregar o antiamericanismo, de defender um modelo social ultrapassado, de recusar o neoliberalismo, em suma de um atraso de alguns decênios em relação à corajosa social-democracia alemã que, ela sim, soube, em Bad Godesberg [9], romper com o marxismo…
Professor de história estimado, próximo em seu tempo de socialista Bettino Craxi e ligado à nebulosa de centro-esquerda, Paolo Pombeni concluiu com essa frase memorável: “Nós não podemos mais defender uma tradição social-dem
Dominique Vidal é especialista em Oriente Médio e membro sênior da equipe editorial de Le Monde Diplomatique (França).