Balanço positivo no primeiro teste
A lei contra a corrupção eleitoral “pegou”. Seus efeitos serão sentidos com mais vigor nas próximas eleições, com eleitores e candidatos mais informados, Justiça Eleitoral mais à vontade e comitês de fiscalização mais experientesChico Whitaker
A Lei 9840/99 se aplica durante o tempo de duração das campanhas eleitorais. A campanha deste ano se iniciou em 5 de julho para terminar em 1º de outubro (1º turno) ou em 29 de outubro, (2º turno). O presente artigo foi escrito antes de se iniciar esse período. Não se podia portanto afirmar nada sobre os efeitos reais da nova lei. Só disporemos de uma avaliação completa — quantitativa e qualitativa — uma vez computados os votos das urnas e esgotadas as possibilidades de aplicação das punições nela previstas. Estas incluem a não-diplomação de candidatos eleitos, e podem chegar à negação da sua posse, se assim o entender o Tribunal Superior Eleitoral, em resposta à consulta que lhe dirigiu o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. O número de candidatos que foram afastados do pleito eleitoral, por força da Lei 9840, só será conhecido, portanto, no início do próximo ano. Neste momento, no entanto, em que vão terminando as campanhas eleitorais, começa a ser possível um primeiro balanço qualitativo das mudanças provocadas pela nova lei nas práticas dos candidatos e dos eleitores.
Corruptos amedrontados
Os dados de que já dispomos permitem dizer, em primeiro lugar, que ela inibiu, de forma geral, e dentro de certos limites, as práticas que veda. Onde a dominação política é mais forte e tradicionalmente impune pode ter havido quem a tenha desrespeitado sem maiores conseqüências. Mas testemunhos recolhidos em diferentes lugares do Brasil indicam que o temor da cassação da candidatura levou a maior parte dos candidatos a reduzir as tentativas de compra de votos e de uso da máquina administrativa. Muitos, que o faziam às escâncaras, continuaram a fazê-lo mas às escondidas, como por exemplo distribuindo cestas básicas à noite ou diretamente na casa de cada eleitor previamente inscrito para recebê-las. Os riscos que corriam não eram devidos somente à fiscalização dos cidadãos, que se deu em todo o país, mas também porque podiam ser denunciados à Justiça Eleitoral pelos seus próprios concorrentes.
Esse efeito inibitório poderia ter sido maior se tivessem ocorrido cassações logo no início do período de aplicação da nova lei, e se tais cassações fossem amplamente noticiadas pelos meios de comunicação de massa. Mas houve uma demora inicial para a apresentação de denúncias, pela falta de prática no modo de conseguir provas e pelo próprio fato dessas provas terem se tornado mais difíceis, face aos cuidados, acima referidos, que os candidatos passaram a ter. A novidade da lei — sobre a qual ainda não se dispunha de nenhuma experiência ou jurisprudência — levou também a Justiça Eleitoral, no mais das vezes, a agir com precaução. Do lado dos denunciantes muitos processos foram iniciados com falhas, ou sem utilizar adequadamente as possibilidades de punição abertas pela nova lei. Os meios de comunicação de massa, por sua vez, não quiseram correr o risco de ser processados por candidatos que se considerassem prejudicados pela notícia de sua condenação antes da sua confirmação pelas instâncias superiores da Justiça Eleitoral. Neste final de período eleitoral tem-se notícia de dezenas de sentenças condenatórias já proferidas em primeira instância, mas os candidatos atingidos já recorreram aos Tribunais Regionais Eleitorais e, se forem condenados em segunda instância, com certeza apresentarão recurso também ao Tribunal Superior Eleitoral. Como resultado da conjugação de todos esses fatores, até mesmo um primeiro número de cassações confirmadas só será conhecido depois das eleições. Sabe-se no entanto de pelo menos um caso de desistência da candidatura após a condenação em primeira instância.
Vender voto também é crime
O efeito inibitório foi também provocado pela simples notícia de denúncias que estavam sendo feitas, ou por matérias divulgadas por meios de comunicação que realizaram investigações por conta própria, ou pela notícia de iniciativas mais ousadas tomadas por determinados juízes e promotores eleitorais, ou ainda por pequenos anúncios de esclarecimento difundidos pela própria Justiça Eleitoral. Tais informações atingiram também os eleitores, que passaram a saber o que antes a maioria desconhecia: trocar seu voto por algum bem ou vantagem é, igualmente, um crime. Nesse sentido foram muitas vezes surpreendidos pelos próprios candidatos a quem solicitaram alguma coisa para lhes dar seu voto: estes os informavam que uma nova lei agora vedava tais doações. Por outro lado, a frase “voto não tem preço, tem conseqüências” foi difundida das mais variadas formas em todo o país, com resultados que conheceremos somente após as apurações.
A Comissão Brasileira Justiça e Paz tem a intenção de realizar uma pesquisa sobre esse conjunto de resultados, junto aos comitês e grupos que se organizaram para fiscalizar o cumprimento da lei. Mas parece possível afirmar, desde já, que a Lei 9840 “pegou”, iniciando de fato um processo de mudança cultural nas práticas eleitorais. Seus efeitos serão sentidos com mais vigor nas próximas elei
Chico Whitaker é Secretário Executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB, e membro do Comitê de Organização do Fórum Social Mundial.