Como pensar equidade de gênero, acesso e oportunidades em tecnologia no G20 Brasil?
É preciso garantir inteligências artificiais éticas e que possuam uma perspectiva de gênero, o que reforça a necessidade de fomentar a participação das mulheres no processo de desenvolvimento, bem como garantir que vieses de gênero não sejam reproduzidos por essas tecnologias
As discussões sobre Economia Digital no âmbito do G20 ainda são recentes. O tema foi pautado pela primeira vez durante a presidência da Turquia (2015), sendo mencionado em apenas um parágrafo da declaração daquela cúpula, que destacava a importância da segurança no uso das tecnologias da informação, bem como da proteção da propriedade intelectual. Apesar desses desafios não terem sido superados, nove anos após a Declaração da Cúpula de Antália outros temas se somaram à agenda de Economia Digital do G20, de modo que a presidência brasileira assumiu o desafio de discutir as pautas de conectividade, governo digital, integridade da informação e inteligência artificial (IA) na edição de 2024.
Mas, como a questão da equidade de gênero é tratada nas discussões do G20 Brasil sobre Economia Digital? Esse foi o debate proposto pela Power Of Women (organização da sociedade civil que busca promover a liderança de mulheres e meninas) e TechMOV (Frente de tecnologia do Movimento Internacional de Juventudes) – ambas parte do C20 Brasil (Civil 20, grupo de engajamento da sociedade civil no G20). A iniciativa faz parte da Digital Power Of Women Conference 2024 (Conferência sobre o Poder Digital das Mulheres), organizada pela Power Of Women, que busca promover um espaço para que mulheres e meninas ao redor do mundo possam se engajar nas discussões sobre políticas públicas realizadas pelo G20, amplificando suas vozes e fomentando a participação feminina em processos de tomada de decisão.
Para as organizadoras do evento, era importante promover uma discussão sobre o tema que trouxesse as perspectivas de distintos grupos envolvidos no G20 Brasil – como o C20, o T20 (Think 20, grupo de engajamento das Think Tanks) e o W20 (Women 20, grupo de engajamento das mulheres), além das iniciativas desenvolvidas pelo próprio governo brasileiro. O objetivo da iniciativa é trazer à tona os temas transversais e reforçar a importância de atuação conjunta para construir consensos – um dos principais desafios enfrentados pelo G20, tendo em vista que todas as decisões do fórum precisam ser acordadas entre todos os membros.
Para Camila Achutti, Chair do Grupo de Trabalho do W20 sobre Mulheres em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), uma das maiores conquistas do grupo foi conseguir inserir no centro das discussões internacionais sobre gênero duas questões que eram pouco exploradas até então no G20: a interseccionalidade e a economia do cuidado, ambas essenciais para as discussões sobre equidade de gênero em nosso país. Além disso, destacou a importância do trabalho conjunto realizado entre os grupos de engajamento T20, C20 e W20 durante a presidência brasileira, com o objetivo de fortalecer agendas compartilhadas pelos grupos. De acordo com ela, as discussões do W20 sobre Mulheres em STEM priorizaram a redução da desigualdade de gênero no espaço digital – tanto no acesso, quanto no desenvolvimento – tendo em vista que essas barreiras perpetuam a sub-representação das mulheres nessas áreas do conhecimento e impossibilitam o acesso a direitos fundamentais, como o acesso à informação. Além disso, para Camila, é preciso garantir inteligências artificiais éticas e que possuam uma perspectiva de gênero, o que reforça a necessidade de fomentar a participação das mulheres no processo de desenvolvimento, bem como garantir que vieses de gênero não sejam reproduzidos por essas tecnologias.
Em sua fala, Louise Karczeski, representante do T20 Brasil, abordou o trabalho da força-tarefa do T20 sobre “Transformação Digital Inclusiva”, cujas cinco recomendações buscaram incidir diretamente nos trabalhos do Grupo de Trabalho sobre Economia Digital da Trilha de Sherpas do G20, a partir de uma perspectiva centrada na interseccionalidade e na justiça de dados. Para eles, é necessário: 1) investir em infraestrutura digital e apoiar o acesso e a alfabetização digital para populações vulneráveis; 2) criar princípios comuns para infraestruturas digitais públicas, apoiado por um fundo permanente de pesquisa para incentivar a implementação das recomendações políticas do G20; 3) criar um grupo misto no âmbito do G20 – denominado Data20 – que englobe sociedade civil e governos para estabelecer uma abordagem comum de governança de dados entre os países do G20; 4) estabelecer um quadro global de responsabilidade para inteligência artificial – ancorado em princípios éticos e de inclusão; e, por fim, 5) promover a integridade da informação.
O C20 concentrou seus trabalhos nos temas prioritários do grupo de trabalho sobre Economia Digital da Trilha de Sherpas. Para Pedro Peres, representante do C20 no evento, a discussão sobre integridade da informação – que se refere à precisão, consistência e confiabilidade da informação – é essencial para pensar o impacto das tecnologias em grupos vulneráveis, como mulheres e pessoas negras. Essa discussão foi trabalhada tanto nos grupos de Digitalização e Tecnologia, quanto de Governança Democrática, Espaço Cívico, Anticorrupção e Acesso à Justiça do C20, demonstrando seu impacto no cenário político global, tendo em vista a disseminação de notícias falsas nas redes tem influenciado diversos processos democráticos ao redor do mundo. Um dos impactos desproporcionais desse fenômeno para as mulheres abordados por Pedro é a violência política de gênero, que, apesar de não se restringir ao espaço digital, tem se expandido nesse meio. A pesquisa de 2020 “A Violência Política Contra Mulheres Negras”, realizada pelo Instituto Marielle Franco com a participação de 142 candidatas negras nas eleições municipais de 2020, revelou que 78% dos casos de violência política de gênero sofridos por elas durante o pleito ocorreram no ambiente virtual.
Um ponto de convergência entre as falas de Camila, Louise e Pedro foi a importância de promover a conectividade significativa para as mulheres, isto é, uma conexão de internet de qualidade que permita aos usuários acessar de forma confiável e eficiente serviços digitais, participar ativamente online e aproveitar plenamente as oportunidades digitais, avançando na relevante discussão sobre conectividade universal (que se refere a conexão de internet disponível para todos). De acordo com um estudo realizado pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), os homens apresentam índices melhores de conectividade significativa no país quando comparados às mulheres.
Já Enrica Duncan, Diretora do Mapa do Acolhimento (organização criada para oferecer apoio a mulheres vítimas de violência), abordou como sua instituição tem utilizado as tecnologias no combate à violência de gênero, tanto para alcançar outros territórios e expandir seu espaço de atuação – oferecendo apoio a mulheres ao redor do país – quanto para treinar suas voluntárias para o trabalho de acolhimento.
Em sua fala, Tatiana Berringer – Coordenadora do G20 Social na Trilha de Finanças – destacou que os grupos de engajamento do G20 exercem um papel fundamental para que as discussões do G20, ligados a pauta financeira, não sejam tratados apenas como pautas técnicas, trazendo seus impactos para a sociedade como um todo, além de aumentar os canais de participação da sociedade no fórum. Além disso, a coordenadora do G20 Social também ressaltou a importância do engajamento da juventude no fórum – a partir da atuação de movimentos como a própria Frente de tecnologia do Movimento Internacional de Juventudes (TechMOV). Por fim, Tatiana destacou como o acesso à tecnologia se relaciona com diversos temas pautados pela Trilha Financeira do G20 Brasil, a exemplo da inclusão financeira das mulheres, que se encontra conectada ao acesso às tecnologias digitais.
Sobre os desafios para a construção de consensos relacionados à equidade de gênero e tecnologia no âmbito do G20, Louise Karczeski destacou a importância de fortalecer a participação da sociedade civil nas discussões do fórum. Para Camila Achutti, esses desafios refletem a diversidade cultural do G20, tendo em vista que cada país possui uma realidade social diferente, o que irá refletir as prioridades estabelecidas para sua atuação.
Outra discussão urgente trazida pelo evento foi a necessidade de aumentar a participação das mulheres nos espaços de tomada de decisão para impulsionar os investimentos em programas que busquem diminuir o gap digital. Tatiana Berringer destacou a influência que as mulheres em posições de lideranças nas instituições de governança global exercem na forma como os programas são delineados e implementados. Camila Achutti também abordou sua atuação como CEO da Mastertech, ressaltando o papel central da interseccionalidade e de projetos com uma perspectiva transformadora de gênero em sua empresa.
O evento “Como pensar equidade de gênero, acesso e oportunidades em tecnologia no G20 Brasil?” será transmitido durante a segunda edição da Digital Power Of Women Conference 2024, nos dias 17 e 18 de novembro, às vésperas da cúpula do G20 Brasil.
Ana Beatriz Aquino é Estudante dos bacharelados em Ciências e Humanidades e Relações Internacionais da UFABC. Pesquisadora no Legislativas e OPEB. Membro do Grupo de Trabalho sobre Direitos das Mulheres e Igualdade de Gênero e do Grupo de Trabalho sobre Governança Democrática, Espaço Cívico, Anticorrupção e Acesso à Justiça do C20 Brasil.