As confusões por trás da política de reajuste de preços da Petrobras
Rumos da atual política de preços e o futuro do parque de refino nacional levam a uma tensão contínua dos atores do mercado nacional de derivados
Na última semana, a intervenção do presidente Jair Bolsonaro na política de reajuste de preços da Petrobras ganhou destaque nas manchetes dos grandes jornais brasileiros. A ingerência criou um reboliço do mercado financeiro com os papeis da Petrobras apresentando uma queda de 7% na sexta-feira (12/04).
É impossível dissociar a apreensão do mercado com o prolongado período de contenção de preços da Petrobras, entre 2012 e 2014, quando o refino da companhia deixou de arrecadar entre US$ 40 bilhões e US$ 90 bilhões, a depender das estimativas realizadas pelas diferentes instituições que acompanham o mercado.
Todavia, é importante ressaltar que existem diferencias cruciais entre os dois períodos. Entre 2012 e 2014, a Petrobras estabeleceu uma política de preços que considerava como parâmetros para o reajuste dos preços o crescimento da produção de petróleo, a capacidade de processamento do parque de refino nacional e a convergência no médio prazo dos preços no Brasil com as referências internacionais. Além disso, sobre a periodicidade do ajuste a estatal era explícita em “não repassar a volatilidade dos preços internacionais ao consumidor doméstico”. A equivocada ingerência do governo federal à época se situava numa política de preços que considerava um conjunto importante de variáveis do mercado nacional de combustíveis e, principalmente, o protegia das oscilações abruptas do mercado global de commodities.
Agora, o cenário é completamente oposto a esse. A atual política de preços da Petrobras, estabelecida em outubro de 2016, considera como parâmetros somente o preço internacional do barril de petróleo em dólares, a taxa de câmbio e os custos logísticos de transporte. A periodicidade do reajuste, que chegou a ser diária, agora pode ocorrer num prazo de até quinze dias, ou seja, num período mais curto do que a política anterior.
Junto a essa nova política de reajuste, nesse último período, a gestão da Petrobras reduziu de forma abrupta a taxa de utilização do seu parque de refino, abrindo grande espaço para as importações. No biênio 2017-2018, a taxa de utilização das refinarias foi de 74,2%, enquanto que no biênio 2012-2013 foi de 96%. Com isso, as importações de combustíveis cresceram, entre esses dois períodos, de 458,9 mil barris/dia para 539,9 barris/dia. Esse aumento, cabe lembrar, ocorreu num cenário em que o consumo de derivados na média de 2017/2018 caiu em relação ao período de 2012-2013.
Ou seja, as importações – que obrigatoriamente seguem o preço internacional do petróleo pois adquirem o produto do exterior – têm um peso crescente para abastecer o mercado interno. Assim, os preços nacionais respondem cada vez mais aos importados.
É impossível não associar nesse contexto a discussão sobre as vendas das refinarias da Petrobras, uma vez que a política de subutilização do parque de refino da estatal brasileira gera capacidade ociosa, criando um incentivo adicional à entrada de novos atores no mercado de derivados brasileiro. Ainda não sabem as consequências de uma possível entrada de novos operadores no mercado do refino, mas considerando a experiência recente, a ausência de um player no mercado como a Petrobras reduziria a flexibilidade de gestão dos preços, principalmente em momentos de abrupta oscilação do barril internacional do petróleo.
A combinação entre menor flexibilidade na gestão do preço, a política de reajuste da Petrobras e abertura para as importações num cenário de alta do preço internacional do barril do petróleo provocou, no período que antecedeu a greve dos caminhoneiros, um aumento de mais de 20% do preço do diesel em apenas seis meses. A paralisação foi a materialização de que os preços ficaram reféns da volatilidade do mercado de commodities e que houve uma espécie de “internacionalização dos preços” com a cadeia produtiva nacional de derivados perdendo espaço na gestão dos reajustes.
Ainda que a articulação com a Petrobras seja um elo fundamental da política energética nacional e suas ações também devam ser pensadas sob esse prisma tendo em vista que o governo federal é o seu acionista controlador, intervenções externas às decisões microeconômicas da empresa não são bem-vindas, salvo em momentos mais excepcionais. Além de gerar uma profunda incerteza sobre os parâmetros econômicos do setor no médio prazo, causa uma profunda descoordenação das atividades operacionais da própria empresa.
No entanto, os rumos da atual política de preços e o futuro do parque de refino nacional levam a uma tensão contínua dos atores do mercado nacional de derivados, uma vez que qualquer mudança da cotação internacional do preço do petróleo gera impactos quase que imediatos internamente. E, num país com dimensões geográficas como a brasileira e com um peso imenso do transporte rodoviário, tais impactos afetam os custos de uma gigantesca cadeia de bens e serviços relacionados ao setor logístico.
Para que esse tipo de intervenção inadequada não se torne recorrente, é necessário repensar a atual política de definição do preço e de refino da Petrobras. Primeiro, deve-se buscar uma menor volatilidade e assegurar uma flexibilidade dos reajustes e, segundo, seria adequada a incorporação de outras variáveis à definição dos preços, além da própria cotação internacional do barril do petróleo. Caso contrário, seja pelas ações intempestivas do Executivo, seja pela atual forma de reajuste, a incerteza e volatilidade permanecerão como a principal característica dos preços de combustíveis no Brasil.
*Rodrigo Leão é mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Atualmente, é um dos coordenadores da diretoria técnica do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e pesquisador visitante do NEC-UFBA.