Contagem regressiva
Depois de 50 anos de crescimento exponencial, a atividade humana rivaliza de agora em diante com as forças da natureza. Se interceptarmos toda energia irradiada pelo sol, teremos uma alternativa importante para evitar a crise energética, mas também ela tem seu limiteRoland Lehoucq
A Terra é um sistema finito. Colocada dessa forma, a coisa parece evidente. Habitualmente, entretanto, ela passa desapercebida, tão diversas são as medidas de referência humanas das escalas terrestres. A diferença é mesmo tão grande que nós sempre a exploramos sem nos importar com seus recursos, imaginados senão infinitos pelo menos muito grandes. Se a parte que a humanidade retira do ecossistema terrestre foi durante muito tempo negligenciável em relação aos recursos disponíveis, é preciso reconhecer que, depois de cerca de 50 anos de crescimento exponencial, a atividade humana rivaliza de agora em diante com as forças da natureza. Uma maneira de quantificar esta atividade é considerar a energia que ela consome. Do ponto de vista da física, a energia representa a grandeza que exprime a capacidade de um sistema modificar o estado de outros sistemas com os quais ele está em interação.
Um crescimento exponencial se choca de forma inevitável, e muito mais rapidamente do que achamos, com a finitude dos recursos do seu meio ambiente. Tomemos o exemplo de bactérias cultivadas numa caixa. Elas se reproduzem dividindo-se e seu número dobra ao cabo de um tempo variável, que, para pegar um exemplo, pode não ultrapassar 20 minutos.
Imaginemos que a descendência de uma única bactéria, colocada ao meio-dia no meio da cultura, consiga saturar a caixa à meia-noite: nesse lapso de tempo, o número de bactérias será multiplicado por 68 bilhões. Quando metade da caixa estaria cheia? Às 23h40. Se nós fossemos uma destas bactérias, em que momento estaríamos conscientes que estamos a ponto de ficar sem espaço? Às 22 horas, quando a colônia ainda ocupa apenas 1,5% do volume da caixa, nós não imaginaríamos a catástrofe que se prepara. Suponhamos que às 23h20, uma bactéria particularmente esperta comece a se inquietar. Com um grande esforço próprio, ela lança um programa de investigação de novos espaços. Às 23h40, três novas caixas são descobertas, o que quadruplica o volume disponível! Esse crescimento de recursos, aparentemente considerável, só dará, porém, uma trégua de 40 minutos: a colônia irá sufocar à 0h40.
Sintomas da crise anunciada
Quais são as possibilidades de alongar a contagem regressiva? A primeira providência, bem óbvia, consiste em passar para um modo de desenvolvimento mais lento
Com as taxas de crescimento atual, o tempo de duplicação do consumo mundial de energia está próximo de 50 anos. A crise anunciada, e cujo avanço já dá os primeiros sintomas, é manifestação de um crescimento exponencial dentro de um meio ambiente finito. Podemos estimar as escalas de tempo colocadas em jogo? O cálculo de tempo de duplicação do consumo é uma primeira tentativa. Uma outra maneira de proceder consiste em calcular a relação entre as reservas estimadas de um recurso e o consumo anual atual. O valor obtido é um parâmetro superior ao tempo real de esgotamento do recurso considerado, pois ele cria implicitamente a hipótese – não verificada hoje – de uma estabilidade do consumo. Conforme se considera as reservas comprovadas ou as reservas finais, o tempo de esgotamento do petróleo, do gás natural e do urânio varia entre 40 e 120 anos; para o carvão, a situação é mais favorável: entre 220 e 850 anos1. Do ponto de vista dos recursos fósseis, a meia-noite se aproxima…
Quais são as possibilidades de alongar a contagem regressiva? A primeira providência, bem óbvia, consiste em passar para um modo de desenvolvimento mais lento, para um crescimento nulo, até mesmo negativo. Esse passo é indispensável, mesmo se sua iniciação em escala mundial pareça muito difícil, de tal forma é forte a demanda energética. Cada passo nessa direção, entretanto, tem o mérito de fazer ganhar um pouco de tempo sobre o inevitável desaparecimento dos recursos fósseis. Por outro lado, a captação da energia solar, eólica, geotérmica, hidráulica, de biomassa, da energia das marés, das ondas ou da energia térmica dos mares permitiria igualmente diminuir o esgotamento dos combustíveis fósseis. Entretanto, excluindo a solar, a potência disponível das fontes de energia renovável é superior apenas algumas vezes à consumida hoje. Se o crescimento planetário do consumo continuar no ritmo atual, chegará um tempo em que as extrações saturarão a capacidade de renovação. A potência disponível nas fontes de energia impõe, então, um limite ao crescimento do consumo energético humano, com uma vantagem incontestável sobre as caixas de bactérias e as energias fósseis: o estoque disponível se renovará.
Torre solar
Excluindo a solar, a potência disponível das fontes de energia renovável é superior apenas algumas vezes à consumida hoje
Em contrapartida, a Terra recebe do sol uma potência 13 mil vezes superior à consumida pela humanidade. O sol brilha porque ele está quente – sua temperatura de superfície é da ordem de 6.000oC – e, em um pouco mais de um milionésimo de segundo, ele irradia tanta energia quanto a humanidade produz em um ano2.
Assim, na escala humana, este astro constitui uma fonte aparentemente inesgotável: ele brilha há 4,5 bilhões de anos, e continuará a fazê-lo por um tempo mais ou menos semelhante. Se ele brilha intensamente há tanto tempo, é porque ele tira sua energia do coração do núcleo dos átomos: mais quentes nas regiões centrais, as reações de fusão termonuclear liberam da energia transformada quatro núcleos de hidrogênio em um núcleo de hélio. Captar uma fração apreciável dessa energia modificaria radicalmente as escalas de tempo colocadas em jogo. Como fazer? Além de métodos tradicionais (captadores solares do tipo fotovoltaico ou térmico), dois projetos ambiciosos tentam balizar a pista a seguir. O primeiro, a construção de uma gigantesca torre solar, está em via de experimentação; o segundo, a colocação em órbita de uma estação solar, ainda está em estudo.
A estrutura mais alta jamais construída pelo homem poderia surgir no outback3 australiano até 2008. A companhia australiana EnviroMission projeta construir ali uma torre solar de mais de um quilômetro de altura, capaz de gerar uma potência de 200 megawatts4. Ela terá um trecho de superfície próximo de um campo de futebol, e se situará no centro de um canteiro de vidro de mais de 7 quilômetros de raio. Seu funcionamento é simples: a luz solar esquenta o ar sob o teto de vidro, inclinado de modo que o ar quente se eleve na direção da torre. Ele ali é canalizado para acionar as turbinas cuja rotação produzirá eletricidade de 24 em 24 horas. Apesar de a energia solar ser, por essência, intermitente, o calor estocado no solo situado sob o coletor de vidro fornecerá uma fonte de contribuição durante a noite. Essa torre é uma versão gigante do protótipo da “chaminé solar”, inventada e construída pelo engenheiro alemão Schlaich Bergerman em 1982, perto de Manzanares, na Espanha.
Data limite
Quase toda a energia irradiada pela nossa estrela se perde no infinito, sendo que a Terra não intercepta nem meio bilionésimo dela. Por que, então, não captar esta irradiação do espaço?
Quase toda a energia irradiada pela nossa estrela se perde no infinito, sendo que a Terra não intercepta nem meio bilionésimo dela. Por que, então, não captar esta irradiação do espaço? A ausência de alternância dia/noite permite se alimentar do sol permanentemente, e a ausência de filtro atmosférico multiplica por oito a potência recebida. Durante os anos 1995 – 2000, a Nasa lançou o programa de pesquisa e de desenvolvimento de tecnologias Space Solar Power5 para conduzir os estudos prévios para a realização de grandes estações solares orbitais, capazes de produzir centenas de megawatts, alguns gigawatts. Grandes painéis fotovoltaicos captam a irradiação solar, cuja energia será em seguida transmitida sob forma de ondas centimétricas. Uma experiência nesse mesmo sentido foi realizada na ilha Reunião, em que a utilização de microondas permitiu alimentar com energia os habitantes que viviam num vale de difícil acesso6. Outros países estão interessados pelo projeto. O Japão anunciou, no fim de 2001, sua intenção de realizar uma central solar orbital até 2040. O satélite será equipado com dois painéis gigantes de 1 quilômetro sobre 3, e ele pesará cerca de 20.000 toneladas.
Se o consumo energético da humanidade prosseguisse no crescimento atual, a longo prazo o sol seria capaz de fazer frente a ele sozinho. Entretanto, com uma data teórica de limite: aquela em que o crescimento do consumo obrigaria a captar toda a potência que ele irradia. Esta data pode não ser tão distante quanto imaginamos: 3.200 anos de um crescimento anual de 1%, suficientemente para alcançar. O sol é, também ele, finito.
(Trad.: Marcelo de Valécio)
1 – Fonte: http://www.industrie.gouv.fr
2 – O sol irradia a impressionante potência de 3,9 1026 watts, da qual a Terra só intercepta a metade de um bilionésimo, ou seja, 1,7 1017 watts. A cifra é comparada à produção humana, cerca de 1,3 1013 watts – ou um milésimo do que o sol fornece à Terra.
3 – O outback é o nome dado a 80% do território australiano, a parte essencialmente árida do país.
4 – Fonte: http://www.wentworth.nsw.gov.au/solartower/. Um megawatt corresponde ao consumo elétrico de 1000 pessoas por segundo.