Convulsões de um país fictício
Estado emblemático das relações “históricas” entre a África e a França, o Chade vive em crise há 40 anos. No próximo dia 20 de maio, o presidente Idriss Deby deverá ser reeleito, num escrutínio denunciado pela oposição como uma “palhaçada”Pierre Conesa
Destruamos imediatamente certos mitos! O desafio da crise do Chade não tem nada de econômico. Destituído de quaisquer recursos agrícolas, hídricos ou financeiros, o Chade faz parte dos Países Menos Avançados (PMA). A faixa de Aozou não tem urânio, e as jazidas de petróleo do Logone oriental e do Lago Chade são inexploráveis a preço inferior a 20 dólares o barril, portanto sem poder concorrer no mercado. O país — um enclave — tem apenas 250 quilômetros de estradas asfaltadas, concentradas em torno da capital.
A economia da escravidão deixou o sentimento de superioridade dos nômades em relação às pessoas do Sul, e dos “Árabes” em relação aos “negros”… Antes da colonização, sociedades não centralizadas, sem organização estatal — no Norte e no Sul do país — e reinos islamizados que cobriam a zona saheliana, como o reino Ouaddai, coexistiam na região que ainda não era “o Chade”. No Norte, os Toubou, Hadjerai e Guera viviam do comércio trans-saariano (sal, ouro…), comprando escravos — capturados nas comunidades animistas da zona tropical — dos reinados do sul e vendendo-os ao norte do Saara. Já detentores dos atributos oficiais (moeda de cauris, administração territorial…), esses reinos sahelianos — como as tribos nômades — estavam constantemente em guerra entre si, pelo domínio do comércio trans-saariano.
Uma pacificação difícil
Muitos nômades — guerreiros do deserto, praticantes de pilhagens, sem organização proto-estatal — têm que viver ao lado de populações sedentárias
Essa economia da escravidão marcou profundamente as mentalidades: o sentimento de uma superioridade dos nômades em relação às pessoas do Sul, e dos “Árabes” em relação aos “negros” permaneceu… A crise do Chade poderia, portanto, ser vista como uma das conseqüências dos “movimentos tectônicos” entre África negra e África árabe, da mesma forma que o irredentismo tuaregue, ou a revolta do Sul do Sudão. As fronteiras coloniais do Chade incluíram no mesmo espaço a água e o fogo: 200 etnias, falando mais de 100 línguas, cujos grupos dominantes não passam de fortes minorias: Árabes (15% da população), Saras, ao Sul (20%). Muitos nômades guerreiros do deserto, praticantes de pilhagens, sem organização proto-estatal, têm que viver ao lado de populações sedentárias.
A conquista colonial destruiu rapidamente os Estados sahelianos, mas a pacificação, difícil, só foi completada no Chade em 1918, com a zona Norte — Borgou, Ennedi, Tibesti (o “BET”) — ficando sob administração militar francesa até 1964, quatro anos após a independência do país. Nesta região sub-administrada da África equatorial francesa, a autoridade de Forte Lamy era mais teórica que real.
Um conjunto de populações diversas
Como em muitos outros países africanos dominados pela escravidão, os povos vítimas do tráfico se juntaram aos colonizadores pela religião e pelo ensino
Como em muitos outros países africanos dominados pela escravidão, os povos vítimas do tráfico se juntaram aos colonizadores: os do Sul, principalmente Saras (20% da população, ou seja, cerca de 1,5 milhão de pessoas) adotaram pelo menos parcialmente a religião cristã e o ensino ocidental, formando assim os quadros indígenas da colonização, e depois, da independência. Em compensação, as famílias muçulmanas manifestaram sua resistência enviando os jovens à universidade no Egito e no Sudão.
A convenção franco-britânica de 1899 e depois os acordos franco-italianos de 1936 tinham chegado a um traçado totalmente arbitrário das fronteiras do país. Os limites Norte e Leste cortam espaços nos quais se deslocam muitos nômades para os quais as terras de migração constituem direitos adquiridos que nenhum posto de fronteira pode questionar. Portanto, o Chade não existe como nação, mas um conjunto de populações diversas tendo concepções muito diferentes do espaço e do poder.
As grandes rotas trans-saarianas Norte-Sul foram cortadas e as vias comerciais reorientadas em direção ao Sul, onde é cultivado o algodão exportado para a República dos Camarões, que emprega 40% da população agrícola e fornece 30% das receitas públicas. As populações do Norte perderam nisso riqueza e prestígio.
A “reapropriação” do poder público
Quando o presidente François Tombalbaye, primeiro chefe do Estado independente, quis “nacionalizar” a vida política do país, limitou-se a impor aos funcionários originários do Sul (membros do partido único) o rito iniciático, inspirado em sua etnia Sara. Alguns conselheiros da Frente Nacional Islâmica do Sudão, próximos do atual presidente Idriss Deby, pregam a adoção pelo Chade de uma sociedade fundada na charia, o que excluiria 50% da população, cristã ou animista. Nenhuma forma de tomada de poder — contra as forças estrangeiras (Hissène Habré) ou por força de uma ditadura (Idriss Déby) — foi capaz de criar um sentimento nacional unitário durável, de maneira a fazer cessar a guerra civil.
O poder nunca passou de um instrumento de opressão e de submissão, para as populações do norte e do centro, excluídas da participação do poder colonial, como para as do sul, principais vítimas do trabalho forçado que suscitou as revoltas de 1929 e 1930. No Chade independente, este poder é sistematicamente praticado segundo uma concepção autoritária, clientelista e patrimonial, em benefício quase exclusivo do clã ou da linhagem do dirigente, e não como um instrumento de redistribuição coletiva. Ocorreu, como em muitos Estados africanos, a “reapropriação” do poder público. O Chade não existe, portanto, como Estado, nem como nação.
Uma crise de 40 anos
A convenção franco-britânica de 1899, e depois os acordos franco-italianos de 1936, elaboraram um traçado totalmente arbitrário das fronteiras do país
A crise “moderna” começou em 1963, três anos após a independência, e não se interrompeu de maneira duradoura, funcionando há quarenta anos segundo um mecanismo cíclico:
Instala-se um poder ditatorial com base no clã. Por exemplo, o do presidente Tombalbaye, que, desde 1962, proibiu os partidos de oposição, e desde 1963, pelos atos de violência de seus agentes, suscita rebeliões. O mesmo ocorre nos regimes de Habré ou, hoje, de Déby: as vantagens do poder são reservadas aos membros do clã do presidente; os recursos do Estado são sistematicamente pilhados. Desta forma, Hissène Habré, utilizando a força, reservou, para benefício próprio e dos militares gorãs, os raros recursos públicos.
O Estado perde rapidamente seus recursos, pois os funcionários não são pagos e vivem da corrupção e da extorsão. Às vezes, o regime nem tem recursos para pagar seus mercenários, que vivem no país. A repressão atinge as etnias insubmissas (hoje, os Saras do Sul).
Pouco a pouco, a revolta se espalha pelo país, em torno das etnias insubmissas e daquelas que se julgam simplesmente desfavorecidas. Idriss Deby, chefe do Estado-Maior de Hissène Habré, organizou a revolta dos Bideyat e dos Zaghawas, que no entanto tinham sustentado o chefe do Estado quando de sua tomada do poder em 1979.
O Chade não existe como nação, e sim como um conjunto de populações diversas tendo concepções muito diferentes do espaço e do poder
A base social do regime retraiu-se, obrigando-o a utilizar a repressão. As populações civis sofrem as perdas mais numerosas: cerca de 40 mil mortos durante o governo de Hissène Habré.
O movimento de insurreição se amplia e finalmente toma o poder, em geral sem combates significativos, pois as forças do regime estão debilitadas. Assim, Idriss Deby conduz sua marcha sobre a capital com 500 homens no começo e 2.000 combatentes no final. Youssouf Togoïmi, um ex-ministro, que conduz atualmente uma nova rebelião no Norte, controlando o maciço do Tibesti, sonha fazer o mesmo.
O novo poder, que retira sua legitimidade da vitória militar, promete a “reconciliação nacional”. Os chadianos se sacrificam de bom grado a este cerimonial, que já está no décimo ou décimo-primeiro episódio desde a independência. Um governo “de união” é criado e um texto “definitivo” da impossível unidade é adotado (Carta fundamental em 1978, Ato fundamental em 1982, Carta nacional em 1991…).
Progressivamente, a ficção consensual se distancia do autoritarismo crescente do chefe de Estado, que se recusa a renunciar às vantagens que extrai do poder (exemplo: as divergências entre Idriss Deby e seu ministro das Finanças sobre os recursos da empresa Cotontchad…) ou que garantem sua preeminência e a de sua etnia (recusa de Deby que a Guarda Republicana seja incluída na política de redução de combatentes…). O assassinato de opositores torna-se um modo de gestão política.1 Os dois pontos de estrangulamento permanecem os mesmos: a divisão dos recursos públicos e a constituição de uma força pública.
Nenhuma forma de tomada de poder foi capaz de criar um sentimento nacional unitário durável, de maneira a fazer cessar a guerra civil
A internacionalização desta guerra de clãs pode se produzir em qualquer estágio, cada uma das facções indo buscar apoio no estrangeiro, em função de seus laços étnicos tradicionais, de suas necessidades de dinheiro e armas, de solidariedades religiosas ou políticas, de sua capacidade de propaganda ou de seus objetivos fixados…Cada país aliado (entre os quais a França, mas também a Líbia) se vê solicitado a pagar os salários dos funcionários, formar quadros, colocar em prática novas estruturas militares e atualizar os vencimentos…
Oposição e perseguição religiosa
Aliás, o discurso dos beligerantes visa, na maioria das vezes, a seduzir estes apoios internacionais. Em seu programa, o Frolinat prometia “a terra aos que a cultivam”, enquanto suas forças eram compostas de nômades. Os conflitos de pessoas, as querelas étnicas, permanecem mais explicativas que os princípios políticos. O verdadeiro objetivo da guerra não é tanto o Estado, o domínio do território ou das populações, mas o controle dos recursos — aliás bastante limitados — que procura o poder em N’Djaména. Nenhum dos chefes de guerra que se sucederam colocou em prática o início de política pública.
Por outro lado, as causas dos conflitos ultrapassam de longe os motivos de reconciliação. Se, tradicionalmente, opunham-se povos do Norte e do Sul (épocas de Tombalbaye e Malloum), as guerras logo depois opuseram os nômades do Norte entre si — Goukouni Oueddei (Toubou) contra Habré (Gorane), e em seguida Habré contra Deby (Zaghawa)… As oposições religiosas assumiram diferentes formas: perseguições contra os muçulmanos na época de Tombalbaye, massacres de cristãos ou de animistas do Sul pelas guardas republicanas de Idriss Deby.
Sem saída para a crise
A crise “moderna” começou em 1963, três anos após a independência, e prossegue há quarenta anos, obedecendo a um mecanismo cíclico
Mas o critério religioso — muçulmanos/cristãos — não basta para explicar as lutas entre Goukouni, Habré e Deby, todos muçulmanos. A forma mais… pacífica desta fragmentação social segue sendo provavelmente a multiplicidade dos partidos políticos que existem no Chade (sem contar os de oposição, no exterior).
Desde o início, a ingerência dos países fronteiriços foi manifesta, seja por ambição imperial (Líbia ou Sudão), seja pelo medo de eventuais efeitos-bumerangue em seu território (Sudão, Nigéria, Líbia, Camarões). Mas nenhum vizinho conseguiu encontrar uma saída para a crise. A Nigéria, os Camarões, o Níger e a Líbia tentaram as conferências de reconciliação de Kano I e II, em março de 1979. A Nigéria, a Líbia, o Sudão, o Senegal, o Benin, o Congo, a Libéria, a Guiné e a OUA tentaram, em Lagos, em agosto de 1979, uma outra mediação. Operação que foi novamente tentada em Douguia, em novembro de 1979, com o mesmo fracasso. Ameaças e pressões não vingaram.
Os efeitos-retorno da crise
O discurso dos beligerantes visa a ganhar apoio internacional, mas os conflitos pessoais ou étnicos são mais explicativos que os princípios políticos
Nenhuma potência conseguiu tirar vantagens duráveis de uma intervenção na crise. A Líbia, desta forma, sustentou alternativamente, e com as mesmas desilusões, Hissène Habré, Goukouni Oueddei e Idriss Deby. Nenhum dos responsáveis chadianos aceitou reconhecer a legitimidade da reivindicação de Trípoli sobre a faixa de Aouzou, e a “reconciliação definitiva” de 1998 ficou apenas no nome. Aliás, quando um dos Estados fronteiriços consegue uma vantagem significativa, faz-se uma união sagrada contra ele. Foi o que ocorreu quando da decisão da união do Chade e da Líbia, proclamada em 1981, que suscitou a oposição de todos os países africanos e das facções chadianas contra Trípoli. Assim também seria se o Sudão conseguisse vantagens palpáveis de N’Djamena, por sua política de militância islâmica — que não deixaria de fazer reagir a Nigéria, preocupada com a tendência separatista da região Norte. A aliança de uma facção chadiana com um país fronteiriço se revela, portanto, frágil e circunstancial por natureza.
Cada um dos países africanos envolvidos teme os efeitos-retorno desta crise: a Nigéria, com relação aos Estados do Norte, a Líbia com seus próprios nômades, o Sudão com a rebelião no Sul. É verdade que as fronteiras representam mais uma veleidade administrativa que uma realidade política, para populações cujas concepções de espaço não são “fixas”. O Tibesti abre sobre o mesmo deserto ao Norte e ao Sul, o Leste se situa na continuidade do Darfour sudanês, habitado por Zaghawas, e os próprios Peuls migram sobre todo o espaço saheliano…
Uma “política chadiana”?
A França investiu no Chade para defender um regime que fundara após a independência. Pouco a pouco, penetrou na lógica da crise, adotando as mesmas opções e os mesmos métodos que os outros (escolha de um clã vencedor, lógica de potência…); mas, assim como os outros, não soube tirar uma vantagem duradoura. Pelo contrário, contribuiu amplamente para desresponsabilizar os chadianos, enchendo os cofres públicos cada vez que um novo chefe de Estado, graças a uma ação militar, prometia a “reconciliação nacional” e a “democracia”.
Aos solavancos, Paris deixa-se envolver pelas autoridades de N’Djamena — em março de 2000, seu embaixador foi expulso do país, um ano após a expulsão do adido militar e de agentes do serviço secreto. Cabe perguntar: a
Pierre Conesa é antigo alto-funcionário da Otan. Autor, entre outros, de Mécaniques du chaos: bushisme, prolifération et terrorisme, editora L’aube, La Tour d’Aigues, 2007.