Crise climática e a sensação de perda do futuro
A insegurança no futuro retrata a sensação de vulnerabilidade que aflige o ser humano em sua sensação de perda de controle sobre os fatos do porvir, como, por exemplo, os efeitos devastadores do aquecimento global
“No novo tempo, apesar dos castigos
Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos
Pra sobreviver, pra sobreviver…”
Ivan Lins
Aldo Leopoldo, engenheiro e filósofo ambiental americano, faleceu em 1948. Lançou as bases para a Ética Ecológica e afirmava: “Uma das penalidades de uma educação ecológica é que se vive sozinho em um mundo de feridas”.
Na virada do milênio, viver em um mundo de feridas ambientais não era mais apenas de domínio de expoentes como Aldo Leopoldo, Eugene Odum, que popularizou o conceito de ecossistema, ou de Rachel Carson, que anteviu o cenário devastador dos agrotóxicos sobre a natureza.
A devastação ambiental ganhou escala na virada do século. A humanidade e suas atividades em ampla escala, inclusive a queima de combustíveis fósseis, impuseram ao planeta uma dinâmica de alterações intensas e acima do aceitável. Paul Crutzen, prêmio Nobel de Química em 1995, durante uma conferência insurgiu-se contra o termo Holoceno e afirmou que estamos no Antropoceno, a Era dos Humanos.
O termo foi acatado pela Sociedade Geográfica Britânica e nomeia formalmente a atual fase civilizatória. Com características inéditas na história da humanidade, o Antropoceno é definido por proporcionar estado de incerteza radical, já que a previsão de cenários futuros, especialmente das mudanças climáticas, não conta com série histórica que permita projetar riscos futuros ou extensão de sua gravidade, que pode ir de sérias dificuldades à extinção das espécies.
Cada vez mais evidentes, os impactos do Antropoceno começaram a apresentar seus efeitos colaterais para além da realidade dos ecossistemas naturais. O termo “Solastalgia” foi criado em 2005 pelo filósofo australiano Glenn Albrecht, e retrata um conjunto de distúrbios psicológicos que ocorrem em uma população nativa após mudanças destrutivas em seu território, sejam decorrentes das atividades humanas ou do clima. Algo assemelhado com nostalgia da paisagem, ou perda de referências geográficas por descaracterização dos atributos naturais. Segundo o geógrafo Aziz Ab’Sáber, a paisagem é sempre uma herança em todos os sentidos, físicos e sociais.
Em parte, a humanidade sofre hoje pressão assemelhada à que a colonização europeia imprimiu sobre tribos indígenas ao redor do mundo: devastação sem precedentes, em escala de apropriação territorial e exploração de commodities que descaracterizam o meio e sacrificam as condições vitais dos ecossistemas.
Em 2007, o Programa Metrópoles Saudáveis, organizado pelo Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), apontou como uma das matrizes de insustentabilidade dos assentamentos humanos a desorientação dos indivíduos diante da perda do patrimônio histórico e cultural nos processos de uso e ocupação do solo, que provocavam a contínua descaracterização do sítio urbano: “Há um processo negativo de cunho cultural, onde marcos referenciais da cidade são continuamente destruídos por processos predadores, contrários ao melhor interesse público”.
O termo ecoansiedade surgiu na virada do século nos Estados Unidos e em 2017 a Associação Americana de Psicologia apresentou seu conceito formal: “O medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas, gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das gerações futuras”.
O escritor espanhol Héctor Garcia Barnés descreveu, em sua obra Futurofobia, lançada em 2022, a atual geração como que presa entre a nostalgia e o apocalipse. A insegurança no futuro retrata a sensação de vulnerabilidade que aflige o ser humano em sua sensação de perda de controle sobre os fatos do porvir, como, por exemplo, os efeitos devastadores do aquecimento global.
Em “Saúde Mental e crise Climática Global” artigo publicado em 2022, o epidemiologista ambiental Carlos Corvalan, da Organização Panamericana de Saúde (Opas) afirma: “Há evidências crescentes dos vários mecanismos pelos quais as mudanças climáticas estão afetando a saúde mental… Portanto, os países precisam acelerar drasticamente suas respostas às mudanças climáticas, incluindo esforços para abordar seus impactos na saúde mental e no bem-estar psicossocial”.
Em 2023 o livro “Solastalgia – Uma Antologia da Emoção em um Mundo em Desaparecimento” foi publicado. Trata-se de uma poderosa antologia que reúne trinta e quatro escritores – educadores, jornalistas, poetas e cientistas – para compartilhar suas emoções diante da crise ambiental.
Todos esses estudos e constatações, especialmente as conclusões do artigo “Saúde Mental e Crise Climática Global”, deveriam estar impulsionando as Nações Unidas e os Estados Nacionais à implementação de soluções reparadoras: a integração dos impactos psicossociais e mentais decorrentes das mudanças climáticas em amplos programas de saúde pública, incluindo seu financiamento, integrando-as aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e ao Acordo de Paris.
Sobretudo, é essencial o chamamento à responsabilidade solidária e colaborativa, visando mudanças comportamentais para eliminar as causas das mudanças climáticas, capacitando a sociedade humana para a resiliência e a proatividade.
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambinetal (Proam)
Achei a matéria ótima, mas faltou menção ao grande ator responsável pelo aquecimento global e depredação do meio ambiente: a agropecuária.