Crise libanesa num contexto regional turbulento
O desaparecimento trágico de Rafic Hariri lança o país do Cedro novamente no campo dos jogos da geopolítica regional, voltando a se encontrar com seus velhos demônios, como suas profundas divisões religiosas e as feridas não cicatrizadas de sua guerra civilGeorges Corm
Desde o assassinato, no dia 14 de fevereiro de 2005, de Rafic Hariri, ex-primeiro Ministro do Líbano de 1992 a 1998, depois de 2000 a 2004, o país do Cedro se tornou bruscamente objeto de declarações quase diárias do presidente George W. Bush e de sua secretária de Estado Condoleezza Rice, mas também de dirigentes europeus, principalmente franceses, suscitando um volta das atenções das mídias internacionais para a região. Enquanto a resolução 1559, adotada pelo Conselho de Segurança no dia 3 de setembro de 2004, passava quase despercebida (exceto no Líbano, onde ela havia desencadeado forte tensão), o assassinato de um dirigente libanês de prestígio regional e internacional “fora das normas” e a agitação franco-americana, pontuada de diversas declarações israelenses, mergulharam este país frágil numa tormenta mais que ameaçadora para seu futuro.
De 1975 a 1990, o Líbano teve como função sangrenta servir de palco miniatura para os grandes conflitos que agitavam a região
A resolução da ONU comportava uma série impressionante de disposições recolocando em questão o estatuto do Líbano tal como reconfigurado pelo acordo de Taef em 19891, depois confiado à gestão síria em recompensa pela cooperação de Damasco com a coalizão militar que havia cassado o Iraque do Kwait em 1991. O texto pedia que o parlamento libanês não fizesse uma emenda à Constituição para permitir a extensão do mandato do presidente da República, o general Emile Lahoud, de seis para nove anos – enquanto seu predecessor, Elias Hraoui, grande aliado de Damasco e de Rafic Hariri, obtivera este privilégio em 1995 sem um só franzimento de sobrancelhas de Paris ou Washington.
Em si mesma esta disposição seria surpreendente, sendo que a própria Carta das Nações Unidas proíbe qualquer ingerência nas questões internas de um Estado membro. Mas a resolução exigia, além disso, a retirada do exército sírio do Líbano, a presença do exército libanês ao longo de toda a fronteira com Israel e o desarmamento das milícias libanesas do Hezbollah e as dos movimentos palestinos nos campos de refugiados. Seria evidentemente abrir a porta para a retomada do questionamento sobre a estabilidade do Líbano e dar-lhe o estatuto de estado-tampão que lhe era atribuído com freqüência ao longo de sua história, quando seu território e seus políticos estavam ao serviço das potências candidatas ao controle da região2.
Palco miniatura
De 1975 a 1990, o Líbano teve como função sangrenta servir de palco miniatura para os grandes conflitos que agitavam a região (guerra fria, conflito árabe-israelense, conflitos entre árabes, conflito Irã-Iraque e suas recaídas regionais e internacionais). Em vez de estourarem em grande escala, estes conflitos se cristalizaram em território libanês, com alguns responsáveis políticos aceitando fazer o papel pouco glorioso de mandatários marionetes, financiados e armados pelas diferentes potências regionais e internacionais. As comunidades religiosas que eles pretensamente representavam serviam de pretexto e de carne de canhão a serviço destas potências, mas também de cortina de fumaça para as mídias árabes e internacionais sobre o suposto “ódio secular” que dilacerava as comunidades.
No último recrudescimento – entre 1988 e 1990 – das guerras do Líbano, o general Michel Aoun, general-comandante do exército, se lança numa « guerra de libertação » contra as tropas sírias. Ele havia sido estimulado pelo comitê da Liga Árabe encarregado de encontrar uma saída para a crise, mas também pelo envio de armas do Iraque e por um apoio político e moral maciço da França (aparentemente acompanhado de certos auxílios militares). Este episódio teve um resultado catastrófico, em particular para as comunidades cristãs tomadas como reféns pelo general e seu poderoso rival Samir Geagea, chefe da milícia cristã. Os combates entre esta milícia e as tropas do general Aoun, sobrepondo-se aos combates contra o exército sírio, acabaram por reduzir a comunidade cristã a um estatuto marginal na nova ordem regional que se anunciava.
Estes conflitos se cristalizaram em território libanês, com alguns responsáveis políticos aceitando fazer o papel pouco glorioso de mandatários marionetes
Também a pax syriana, realizada em outubro de 1990 com a bênção dos Estados Unidos e o silêncio do governo israelense, foi recebida com um suspiro de alívio geral. Durante catorze anos o Líbano conheceu uma estabilidade pouco comum. Apenas a abalaram dois ataques israelenses massivos no sul do país (em 1993, depois em 1996), lançados para tentar trazer de volta à razão o Hezbollah, que conduzia uma guerrilha muito eficaz contra a ocupação israelense do sul desde 1978. Em maio de 2000, o exército israelense se retirou sob os golpes da resistência que, em cooperação estreita com o exército e os serviços de segurança libaneses, conseguiu impedir Israel de semear uma cizânia mortal entre cristãos e muçulmanos, como havia sido o caso depois da invasão de 1982, na época de sua retirada do Chouf em 1983 e das cercanias da cidade de Saida em 1985.
O culto a Hariri
Em 1991 e 1992, os governos sucessivos de Salim El Hoss e de Omar Karamé conseguiram desarmar as milícias combatentes e integrá-las ao exército, reunificar o país e sua capital, reativar as administrações públicas. Um terceiro governo, o de Rachid El-Solh, organizou as primeiras eleições desde 1972 (infelizmente boicotadas por uma grande parte da população, na maioria cristãos). Os governos compreendiam então representantes de todas as facções (com exceção dos partidários do general Aoun, em exílio forçado em Paris) e tratava-se de pedir à Síria a retirada de suas tropas da planície da Bekaa, conforme o acordo de Taef3.
Rafic Hariri entra então em cena, sustentado por uma imagem de benfeitor suscetível de reconstruir o país, em particular o centro histórico e comercial de Beirute, duramente atingido por 15 anos de combates. Sua designação como Primeiro Ministro provoca uma euforia excepcional : ele se torna o homem-orquestra em torno de quem se desenvolve um culto da personalidade pouco comum, mantido por sua legendária generosidade, por mídias devotadas ou controladas por ele, pela amizade excepcional que ele desenvolveu com o chefe do Estado françês, além do apoio infalível da Arábia Saudita. Ninguém se preocupará mais com a retirada das tropas sírias, nem com sua saída pelo acordo entre os dois governos, libanês e sírio.
Afastado do poder no fim do ano de 1998, Rafic Hariri volta triunfalmente em outubro de 2000, depois de ter ganho as eleições legislativas do verão. Ninguém, na época, afirma que as eleições não tenham sido livres ou que a Síria tenha interferido no jogo eleitoral. Quanto à reconstrução do país, apesar de seu custo exorbitante e de seu resultado mais que mitigado, gerou a admiração de muitos libaneses e estrangeiros que visitavam Beirute.
Que poderia imaginar, há dois anos, que Beirute, tendo assim reencontrado seu lugar no palco político, turístico e cultural da região graças à liberação do sul do Líbano, seria o teatro de fatos tão espetaculares quanto perigosos ? Em junho de 2000 e 2001 aconteceram,, seguidamente, uma reunião dos ministros do Exterior da Liga Árabe, depois uma cúpula da organização – que o Líbano não acolhia há várias décadas. Seguiu-se, em 2002, a Cúpula da Francofonia.
O consenso sobre as tropas sírias
Em torno de Hariri se desenvolve um culto da personalidade pouco comum, mantido por sua legendária generosidade, por mídias devotadas ou controladas por ele
Nesta ocasião, o chefe do Estado francês foi ao parlamento para fazer um discurso no qual ele confirmava implicitamente o estatuto do Líbano como “protetorado sírio” até a solução do conflito árabe-israelense: “Certamente”, declarava ele, “a paz [no Oriente Médio] só será global, justa e durável se incluir o Líbano e a Síria e se ela trouxer uma solução equitativa para a questão dos refugiados palestinos, uma solução que dê conta dos interesses do Líbano. Esta é a posição constante da França. Ao mesmo tempo, a evolução em direção a esta paz tão desejada permitirá ao Líbano e à Síria harmonizarem suas relações e levar a termo a retirada completa das forças sírias deste país, em conformidade com os acordos de Taef4“. Voltando ao cargo de Primeiro Ministro depois de dois anos de interrupção (dezembro de 1998 a outubro de 2000), Rafic Hariri havia além de tudo confirmado, em sua declaração de política geral, a necessidade da manutenção das tropas sírias no Líbano5.
Tudo isso se passava, é verdade, antes da invasão do Iraque pelos Estados Unidos e de sua iniciativa de um “grande Médio-Oriente” onde reinariam a ordem e a democracia e de onde a violência terrorista seria erradicada. Expondo esta visão, Washington apenas retoma temas e slogans da diplomacia norte-americana do início dos anos 90. Era a época em que Georg Bush pai, sob o signo da primeira guerra do Golfo, prometia uma nova ordem internacional. Alguns meses mais tarde, Shimon Peres publicava um livro que teve grande repercussão (The New Middle East6), no qual ele anunciava uma era de paz, de prosperidade e de cooperação econômica entre todos os povos da região, que por si só perturbaria as forças irracionais encarnadas pelos movimentos violentos de integrismo islâmico. Esta perspectiva se beneficiará da credibilidade que lhe conferem os acordos de Oslo, de 1993, seguidos de várias grandes conferências econômicas regionais (Casablanca, Amman, Le Caire, Doha) reagrupando oficiais e homens de negócios israelenses, norte-americanos, europeus e árabes.
Mas o processo de paz de Oslo foi esvaziado de seu conteúdo pela ação da colonização israelense. Depois do fracasso da cúpula de Camp David (julho de 2000), a visita provocadora de Ariel Sharon à esplanada da grande mesquita de Jerusalém, terceiro local santo do Islã, ateou fogo à pólvora. O desencadeamento da segunda Intifada, seguida de sua militarização diante da violência da repressão israelense não pareceram preocupar George W. Bush, que visivelmente tinha pouca pressa para resolver a questão palestina. A situação do Iraque voltara a ser sua principal preocupação. Além disso, desde 1998, a administração de William Clinton havia concluído que, como os inspetores das Nações Unidas não obtiveram sucesso em sua missão, o regime de Bagdá representava um perigo maior para a paz do mundo.
O dedo acusador
Quando era primeiro ministro Hariri havia confirmado, em sua declaração de política geral, a necessidade da manutenção das tropas sírias no Líbano
Depois dos atentados de 11 de Setembro, o presidente Bush estimaria, contra qualquer evidência, que Saddam Hussein estava implicado nestes crimes e que, além de tudo, ele desenvolvia novamente armas de destruição de massa. Assim se ativou a engrenagem que levou à invasão deste país tão importante para os equilíbrios do Oriente Médio7. Com os argumentos utilizados para legitimar a invasão perdendo toda credibilidade, a administração norte-americana se deu a tarefa de convencer o mundo de que sua intenção, em todo caso, era levar a liberdade e a democracia aos povos da região: sua intervenção para liberar o povo iraquiano da ditadura de Saddam Hussein representaria apenas um primeiro passo em direção às reformas democráticas generalizadas no Oriente Médio.
Diante da ascensão da resistência armada no Iraque, os Estados Unidos apontam agora um dedo acusador para a Síria, outro regime que data de uma época que o mundo todo deseja que permaneça no passado. Apesar das promessas de reforma drástica feitas pelo jovem presidente sírio, Bachar El-Assad, que sucedeu seu pai Hafez El-Assad, falecido em junho de 2000, o regime sírio tem dificuldades para encontrar um novo fôlego e para entrar numa transição rápida rumo ao liberalismo político e econômico, no modelo dos países da Europa Central. Em Damasco, a liberalização política foi totalmente relativa, talvez efêmera, embora a liberalização econômica tenha permitido a emergência de um setor privado bancário no qual os bancos libaneses têm um papel central – ela também permitiu que o setor privado sírio aumentasse seu papel na economia, sem no entanto conseguir o desmantelamento do controle de câmbio e do setor público, como se fez em outros lugares.
Certamente, neste início do século XXI, o regime sírio não é mais esta máquina repressiva que esmaga no sangue toda e qualquer dissidência. Mas a invasão norte-americana do Iraque e as acusações de Washington colocam o regime na defensiva, o que não ajuda na evolução da liberalização. Em dezembro de 2003, os Estados Unidos adotam sanções (leves) no âmbito da lei chamada Syrian Accountability Act, adotada pelo Congresso norte-americano. É uma potente ferramente para fazer pressão sobre Damasco, em particular sobre seu flanco libanês – sendo que a lei ordena também que a Síria restaure a independência plena e integral do Líbano8.
O encurralamento de Damasco
Diante da ascensão da resistência armada no Iraque, os Estados Unidos apontam agora um dedo acusador para a Síria
No dia 11 de maio de 2004, na aplicação da mesma legislação, instruções presidenciais norte-americanas reforçam o dispositivo de encurralamento econômico, até ali relativamente suave. O general Aoun em Paris como, em Washington, um grupo de pressão libanês (que prega a secessão dos cristãos ou a transformação do país em federação) se felicitam com as sanções norte-americanas, depois da adoção da resolução 1559; e eles afirmam ter contribuído para reanimar a chama apagada dos Estados Unidos para a restauração da soberania libanesa9.
Desde a campanha eleitoral do verão de 2000, Walid Joumblatt, até ali aliado mais que fiel do regime sírio, havia aberto as « hostilidades » denunciando o embargo sírio. Alguns não viram nisso mais que uma manobra eleitoral destinada a obter os votos cristãos – tanto que, ao fim das eleições, o chefe druso baixou o tom. Em setembro deste mesmo ano, um comunicado virulento dos bispos da comunidade maronita, reunidos sob a presidência do patriarca, denunciou Damasco como responsável por todos os males do Líbano (corrupção generalizada, endividamente e crise social, marginalização de certas forças políticas).
Fato novo na história da comunidade cristã, um bispo foi designado para participar das reuniões de um grupo de personalidades muito diversas (chamado de Kornet Chahouan), reunindo representantes da milícia dissoluta das Forças libanesas, representantes do general Aoun, alguns deputados maronitas e o ex-presidente falangista da República, Amine Gemayel. Este grupo se definiu como uma oposição determinada, não ao governo dirigido por Rafic Hariri, mas ao presidente da República e à Síria. Seu programa preconizava o envio do exército ao sul do Líbano para tomar o lugar do Hezbollah, a libertação Samir Geagea, ex-chefe da milícia cristã das Forças Libanesas, preso em 1993 e condenado por diversos atentados e, enfim, a retirada do exército sírio, em conformidade com o acordo de Taef.
Desaparecimento trágico
Certamente, neste início do século XXI, o regime sírio não é mais esta máquina repressiva que esmaga no sangue toda e qualquer dissidência
Depois da libertação do sul do Líbano em 2000, os Estados Unidos e a maior parte dos países europeus haviam de fato exigido com instistência que o exército libanês se estendesse ao longo da fronteira com Israel e que o Hezbollah seja levado de volta para o interior do país, quiçá desarmado. Mas a ajuda prometida pelo Ocidente para reconstruir esta zona ocupada durante 22 anos não foi concedida. E a invasão do Iraque eclipsou em seguida esta questão sensível. Além de tudo, as ameaças norte-americanas contra a Síria e o Hezbollah haviam levantado no Líbano uma onda de protestos à qual até mesmo o patriarca maronita se associou, o que contribuiu para distender a atmosfera.
O desaparecimento trágico de Rafic Hariri desencadeia uma crise maior, num momento em que os dois regimes, sírio e libanês, parecem chagar a um beco sem saída. Lançado novamente à condição de pasto para os jogos da geopolítica regional, o país do Cedro volta a encontrar seus velhos reflexos e seus velhos demônios. Acontecendo alguns meses depois do atentado contra o deputado Maruan Hamadé, próximo ao mesmo tempo de Joumblatt e de Rafic Hariri, este novo drama reabre as feridas mal cicatrizadas. Para muitos libaneses, um símbolo maior da estabilidade e da prosperidade foi despedaçado. Apesar das críticas das quais poderia ser objeto, o ex-Primeiro Ministro mantinha, entre seus numerosos admiradores, a esperança de um país normalizado, saído do conflito árabe-israelense com o qual tinha sofrido tanto.
É por isso que os apelos repetidos de Bush e Chirac pela retirada síria e pela aplicação total e rápida da resolução 1559 encontraram muitos ouvidos complacentes. Eles reuniram em torno de Joumblatt, que se tornou chefe incontestado da oposição, e da família do Primeiro Ministro assassinado, os deputados partidários de Rafic Hariri e eleitos em suas listas, um certo número de grupos políticos e de ONG?s, assim como um número imenso de estudantes oriundos principalmente – mas não somente – das classes médias cristãs.
Laboratório da “democratização”
O presidente norte-americano e alguns dirigentes europeus procuram fazer do Líbano um laboratório da “democratização”, ignorando sua complexidade
O presidente norte-americano e alguns dirigentes europeus procuram fazer do Líbano um laboratório da “democratização”: depois das eleições iraquianas e palestinas, feitas sob a ocupação, o escrutínio municipal na Arábia Saudita e antes da eleição presidencial com vários candidatos anunciada no Egito, o recurso às urnas no país do Cedro tornaria irresistível, pensam eles, o “vento da liberdade” no Oriente Médio.
Trata-se evidentemente de ignorar a complexidade do Líbano, mas também o que representa ainda Damasco para a opinião árabe, apesar da antipatia ou das críticas agressivas que seu regime pode suscitar: um dos últimos obstáculos à dominação norte-americana do Oriente Médio e a uma “solução” do conflito árabe-israelense que se realizaria em detrimento dos palestinos – e da Síria, cujo Golam continua ocupado desde 1967 por Israel, que chegou mesmo a anexá-lo em 1981. Se a « oposição » pode se gabar por ser representativa no Líbano central, em compensação, no sul, no norte e na planície da Bekaa, manifestam-se outras sensibilidades políticas, divididas entre maximalistas desejando o colapso do regime coxo instalado depois do acordo de Taef e personalidades mais moderadas.
Estas últimas parecem no entanto prisioneiras da lógica « revolucionária » dos maximalistas, entre os quais antigos militantes radicais de outrora – comunistas e nacionalistas árabes pró-palestinos – ocupam a dianteira da cena. Diante do sit-in permanente da « oposição » na Praça dos Mártires, em Beirute, em torno do túmulo do ex-Primeiro Ministro assassinado, o Hezbollah organizou contra-manifestações de massa, no dia 8 de março em Beirute e no dia 13 de março em Nabatieh. Foralecido com o prestígio que lhe valeu, no Líbano e no mundo árabe, a libertação do sul do Líbano, este partido constitui o elemento simbólico e unificador de uma outra sensibilidade libanesa, anti-imperialista e nacionalista, que não deixa de encontrar um eco na região.
Partida arriscada
A seqüência ininterrupta de manifestações apoiadas pelo Ocidente e de contra-manifestações hostis à intervenção ocidental faré o país cair numa lógica de explosão ?
Joga-se então uma partida bem arriscada, primeiramente para os próprios libaneses, mas também para o futuro das relações desta região do mundo com os Estados Unidos e a União Européia. Bush e Chirac fizeram as exigências subirem ao extremo. É preciso esperar que a sabedoria predomine e que a situação no local se mantenha sob controle. Mas quanto tempo se pode impor uma tal crise ao Líbano sem que sua frágil economia imploda ou que agitadores profissionais venham atear fogo à pólvora? A comunidade cristã, que, estimulada pela Igreja maronita, aventurou-se perigosamente neste campo minado, não causará ela mesma a desestabilização, como foi o caso durante as crises repetidas que o Líbano conheceu desde 1840 ? 10 A seqüência ininterrupta de manifestações apoiadas pelo Ocidente e de contra-manifestações hostis à intervenção ocidental fará o país cair numa lógica de explosão?
Agrupada em torno do muito respeitável ex-Primeiro Ministro Sélim Hoss, uma terceira força tenta acalmar o jogo. Mas, não há certeza de que o Estado possa resister à prova que lhe impõem novamente a geopolítica regional, assim como um pessoal político versátil e sob influências estrangeiras diversas. E como esquecer que certos membros desta « elite » se tornaram responsáveis por massacres e deslocamentos forçados de populações durante o período de 1975 a 1990, sem ter jamais prestado contas diante de um tribunal, como em Ruanda ou na ex-Iugoslávia, ou ter participado de um ato de contrição coletiva e nacional, como na África do Sul ?
(Trad.: Fabio de Castro)
1 – Acordo ao qual chegaram os deputados libaneses reunidos na cidade de Taef, na Arábia Saudita, encorajados pela Arábia Saudita, pelos Estados Unidos e outros países árabes. Ele previa uma redistribuição interna do poder entre os chefes civis das grandes comunidades religiosas, assim como uma retirada das tropas sírias da planície de Bekaa num prazo de dois anos.
2 – Cf. O Líbano contemporâneo. História e Sociedade, La Découverte, Paris, 2003.
3 – Sobre as causas da não-retirada das tropas sírias e sobre a não-aplicação das disposições constitucionais do acrodo de Taef, o leitor pode se reportar à obra do ex-ministro da Defesa, depois da Informação dos dois governos que presidiram a reunificação do país e o fim da guerra entre 1989 e 1992: Albert Mansourwa, O Golpe de Estado contra o acordo de Taef (em árabe), Dar el Jadid, Beirute, 1993. Esta obra destaca a responsabilidade esmagadora do ex-presidente Elias Hraoui e de suas manobras, incluindo a que consistia em favorecer a chegada de Rafic Hariri ao governo no outono de 1992, depois de uma onda artificial de especulação contra a libra libanesa que havia feito cair o governo de Omar Karamé, mas também a do contexto regional onde nenhum contrapeso se manifesta mais a favor da Síria.
4 – L?Orient Le Jour, 18 de outubro de 2002.
5 – A um deputado da oposição que protestava contra esta declaração, Rafic Hariri respondia com vivacidade que “culpar a Síria pelos problemas do Líbano não corresponde à realidade” e que ele afirma isto “unicamente para fazer justiça à verdade… pois sem [a Síria] teria sido impossível chegar à estabilidade” (ver texto integral no jornal An-Nahar de 3 de novembro de 2000). Trata-se de uma posição constante tomada por Rafic Hariri desde o primeiro governo constituído por ele em 1992, e até seu assassinato.
6 – Em francês Le Temps de la paix (O tempo da paz), Odile Jacob, Paris, 19