Cuidar de todos, de todas e de todes: O discurso do Alberto Fernández na Argentina
Este artigo faz parte da série “A análise dos discursos sobre a pandemia da Covid-19” produzida pelo Grupo de Pesquisa “Discurso, Redes Sociais e Identidades Sócio-Políticas (DISCURSO)”. Nesta segunda fase nos detemos na análise dos principais porta-vozes nacionais e internacionais dos discursos negacionista e científico. No presente artigo trazemos a análise política de um dos principais porta-vozes internacionais do discurso científico sobre a pandemia: o presidente da Argentina, Alberto Fernández
O objetivo da pesquisa é promover uma análise política das práticas discursivas – negacionista e científica- sobre o acontecimento pandemia Covid-19 partindo do olhar da teoria do discurso desenvolvida por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe[1]. Neste artigo abordamos as práticas discursivas do presidente da Argentina, Alberto Fernández.
Alberto Fernández, o presidente que cuida dos argentinos
Alberto Ángel Fernández é advogado e professor universitário. Nasceu na cidade de Buenos Aires, Argentina, e é o presidente desse país desde dezembro de 2019. Foi o chefe de gabinete do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) e também esteve no cargo nos primeiros sete meses do governo de Cristina Fernández de Kirchner (2007-2015). Alberto Fernández teve uma postura crítica frente ao governo de Cristina Fernández, afastando-se do kirchnerismo por vários anos. Contudo, a aliança com a ex-presidenta foi fundamental para disputar as eleições presidenciais de 2019 e garantir a vitória frente ao presidente Mauricio Macri, que aspirava à reeleição pela coalizão “Juntos por el Cambio”. Assim, a fórmula Fernández-Fernández ganhou as eleições em outubro de 2019, pela coalizão “Frente de Todos”.
Fernández assumiu a presidência em um momento de profunda divisão política da sociedade (a chamada fenda ou grieta) e, portanto, os principais antagonismos inicialmente se colocavam em termos de uma divisão da sociedade entre o projeto neoliberal liderado pelos macristas e a reconstrução da Argentina com o novo governo da Frente de Todos. Fernández assumiu o poder com uma profunda crise econômica, em que os índices de pobreza chegaram a até 40% da população em meio a uma altíssima inflação. Assim, a questão da crise econômica estava presente já antes da pandemia. Na sua fala no domingo, 1º de março de 2020, na abertura da nova legislatura do Congresso da Nação, Fernández fez referência às dificuldades que encontrou ao chegar ao poder, como a inflação de 53,8% em 2019; uma dívida pública recorde; uma taxa de desemprego de 9,7%, a destruição de 240.000 empregos privados entre 2015 e 2019; a queda na atividade industrial; uma recessão econômica profunda; e o aumento na tarifa de serviços públicos, entre outros. Na sua fala, fez referência à solidariedade como viga principal para a reconstrução nacional[2]. Da mesma forma, Fernández mencionou como prioridade do seu governo a renegociação da dívida externa, pois só dessa forma os objetivos de política fiscal e monetária para superar a crise poderiam ser alcançados.
Para Fernández era claro que em momentos de recessão, as políticas de austeridade não podem ser implementadas: Não há alternativa pior do que a austeridade fiscal nas recessões. Além disso, ele expressou a necessidade de fortalecer a pesquisa, entendendo que seu governo seria de cientistas, não de CEOs. Isto é, um governo com a convicção de que o conhecimento é fundamental para as políticas públicas e para o desenvolvimento[3]. Como será visto, os elementos mencionados na sua fala no Congresso relacionados com a solidariedade, a valorização da ciência e a necessidade de evitar políticas de austeridade como medida para sair da crise econômica serão eixos fundamentais para lidar com a crise do coronavírus.
Ninguém se salva sozinho: Estado, ciência e solidariedade para salvar a vida dos argentinos
Poucos meses depois de chegar ao poder, Fernández teve que enfrentar a crise global causada pela pandemia. O primeiro caso de Coronavírus registrado na Argentina foi detectado em 3 de março: um homem de 43 anos, que tinha viajado para a Itália. Numa entrevista concedida no início da pandemia, Fernández mencionou que o coronavírus significou uma mudança em algumas das prioridades do governo, como a renegociação da dívida e a questão fiscal. A prioridade passou a ser a saúde e como levantar um sistema de saúde que tinha sido afetado durante o governo anterior, no qual, entre outras medidas, o Ministério da Saúde foi rebaixado para uma secretaria. Contudo, com a extensão das medidas de lockdown, esses assuntos, que tinham perdido relevância, voltaram à agenda pública.
Fernández começou a adotar medidas progressivas de isolamento social, até decretar o lockdown em todo o país. Essas medidas foram baseadas em dois pilares fundamentais: as recomendações científicas, também apoiadas nas diretrizes da OMS, que buscam diminuir a taxa de disseminação do vírus, e o Estado como ator fundamental para superar a crise e contribuir para o enfrentamento das consequências econômicas. As decisões adotadas com relação à pandemia permitiram que, nos primeiros meses da crise, Fernández construísse um grande consenso em torno das medidas adotadas desde o surgimento do primeiro caso, reconfigurando, inclusive, as forças da oposição e diminuindo a chamada grieta ou polarização na sociedade argentina. Porém, em poucos meses esse consenso mudou, pois ao passo que se prolongavam a medidas de lockdown, a oposição foi se reconfigurando e Fernandez acabou perdendo o grande consenso conseguido no início da crise.
Nesse sentido, a pandemia da Covid-19 significou um campo de disputa ideológica tanto em nível local quanto global. Ainda que alguns presidentes latino-americanos tenham feito referência a narrativas científicas para sustentar a adoção de medidas, a tendência geral foi a de fazer lockdowns curtos ou só restringir algumas atividades. Nesse contexto, o discurso do Alberto Fernández adquire um protagonismo importante em nível regional, ao se posicionar como o principal ator defendendo uma série de medidas restritivas para evitar a propagação do vírus e ganhar tempo para preparar o sistema de saúde para a chegada do pico de contágios. Dessa forma, Fernández pode ser descrito como um dos principais porta-vozes do discurso científico.
O discurso analisado aqui busca mostrar a disputa hegemônica que se deu no contexto da pandemia, mas que no fundo, significou uma disputa maior em nível nacional, reconfigurando as forças políticas argentinas. Para tanto, será utilizada a proposta de Ernesto Laclau e de Chantal Mouffe[4], segundo a qual o discurso se constrói numa oposição entre um nós e um eles, criando cadeias de equivalência entre as demandas dos diferentes atores. O discurso também aciona elementos emocionais que possibilitam sua construção hegemônica. A análise do discurso desenvolvida pelos autores será complementada, metodologicamente, com o marco proposto por Errejón Galván (2012)[5] que faz uso do frame analysis ou enquadramento. Assim, o discurso de Alberto Fernández será analisado a partir de três marcos específicos: 1) marco do diagnóstico, no qual se identifica o problema principal; 2) marco do prognóstico que apresenta a solução do problema, traça a fronteira que delimita os outros (o eles) e estrutura a identidade do nós; 3) e o marco de motivação, que mediante a moralização da fronteira, incluindo elementos do passado, busca construir legitimidade.
Os textos que serviram de guia para analisar o discurso de Alberto Fernández diante da pandemia do Coronavírus foram os pronunciamentos oficiais, as coletivas de imprensa, a conta do twitter (@alferdez), além de entrevistas em jornais, rádio e programas de televisão.
Ao estudar o marco de diagnóstico, é possível identificar que, para Alberto Fernández, a crise do Coronavírus é o problema de saúde mais grave em toda a vida democrática. Ele afirma que o mundo estaria lutando contra um inimigo invisível[6]. Fernández privilegia a dimensão sanitária do problema, em um cenário em que não se tem nem vacina, nem remédio. Contudo, reconhece e atribui um peso fundamental à dimensão econômica, entendendo-a como uma área que será afetada pela crise sanitária. Nesse sentido, existe o risco de uma recessão econômica, em um país que já vinha experimentando uma profunda crise, gerando, dessa forma, maior pobreza e desigualdade. Também faz referência à sua preocupação com dois aspectos fundamentais: o desabastecimento de alimentos e o aumento de preços tanto dos alimentos como de suprimentos críticos, como álcool gel e máscaras. Sobre este último ponto, no início da pandemia, mencionava: o que estamos buscando é que ninguém especule com isso, né? Máscaras que custavam 10 pesos há 15 dias, hoje custam 100, e a verdade é que isso é uma canalhada, fala da pouca responsabilidade de alguns dos nossos empresários[7]. Nesse sentido, afirmava que a paciência com os especuladores acabou. Com aqueles que aumentam os preços, com aqueles que guardam produtos tentando esperar uma maior demanda para vender mais caro… Acabaram os especuladores[8].
A principal injustiça a ser atacada, tem a ver com a profunda crise que deixou o governo anterior e que pode causar o colapso do sistema de saúde, além de uma crise social sem precedentes. As condições sociais da Argentina fazem com que a única forma de preservar a vida dos argentinos seja mediante a adoção de medidas de restrição de circulação, com o apoio de um governo forte que garanta o menor dano possível para a população. Nesse sentido, controlar e impedir o crescimento exponencial do vírus se tornam elementos fundamentais para ganhar tempo e melhorar a resposta do sistema de saúde. A frase a seguir ajuda ilustrar seu argumento: para mim, o mais importante é tentar preservar a saúde das pessoas, que quem não se contaminou, não se contamine; que quem se contaminou, supere o mais rápido possível, é isso que o que temos que fazer e é para isso que estamos nos preparando[9]. Diante do dilema entre saúde e economia, ele afirma que há momentos em que você, como governante, tem que enfrentar dilemas e tem que fazer escolhas: aqui a opção é cuidar da economia ou cuidar da saúde, da vida. Eu escolhi cuidar da saúde e da vida dos argentinos… Entre a economia e a saúde, eu escolhi a saúde[10].
Alberto Fernández considera que a dimensão da saúde é a que prevalece como principal problema. Nesse sentido, no marco do prognóstico, encontra-se como principal proposta de solução o isolamento social, preventivo e obrigatório, a fim de garantir que o sistema de saúde possa responder à demanda e diminuir a taxa de propagação do vírus. Essa decisão é acompanhada de outras medidas que buscam evitar uma crise econômica e social ainda mais profunda do que aquela que a Argentina já estava vivenciando, ou seja, garantir o menor dano possível à economia, sabendo que, invariavelmente, a crise terá consequências econômicas. Para ele, com as medidas de isolamento social, o que importaria não é o quanto que cada um de nós está perdendo, é o quanto cada um de nós está ganhando, porque com a quarentena o que estamos ganhando é saúde e vidas. Nesse sentido, afirma que prefere que as fábricas estejam vazias porque seus trabalhadores estão em quarentena,e não porque seus trabalhadores foram trabalhar e foram infectados, adoeceram ou morreram[11].
De certa forma, as propostas de Fernández estão enquadradas na ideia de ter um Estado forte e presente, como elemento fundamental para superar a crise. O Estado seria o principal protagonista na gestão da crise: dando as diretrizes e medidas (apoiadas por uma equipe científica), garantindo seu cumprimento (inclusive com apoio da polícia e da gendarmeria), dando ajudas econômicas aos necessitados (incluindo a população e as empresas) e garantindo os direitos trabalhistas em meio à crise. Esse papel de protagonismo do Estado está especificamente representado na figura de Alberto Fernández. Algumas frases demonstram claramente a importância que o presidente argentino está dando a um Estado forte, como quando afirmou que todos receberão os recursos e alimentos necessários enquanto durar a emergência, o Estado estará mais presente do que nunca, ou quando afirmou que o que queremos é que, no dia seguinte, quando todo esse pesadelo termine, as empresas estejam de pé para receber seus trabalhadores… o Estado estará lá para ajudá-las… desta vez, uma das coisas que precisamos entender é que o Estado deve estar mais presente do que nunca. Alberto Fernández afirma que respeita muito o Estado na medida em que por meio dele podem se igualar sociedades que, por sua natureza, tendem a ser injustas[12].
Por otro lado, percebe-se, no discurso do Fernández, um chamado importante para repensar o sistema global com base na experiência da pandemia. Assim, considera que o sistema capitalista exige mudanças, e nesse sentido, é preciso perguntarmos se realmente não temos que mudar um sistema capitalista que se preocupa muito mais com o financeiro do que com o produtivo, motivo pelo qual precisamos buscar de alguma maneira que o capitalismo, no futuro, sirva para produzir e dar emprego, pois é isso o que permite que as sociedades se desenvolvam, em um cenário de maior igualdade. Porque o que se percebe, nos últimos anos, é um sistema capitalista que concentra a renda entre poucos e espalha a pobreza entre milhões[13].
As práticas discursivas do Fernández se apoiam na construção de identidades antagônicas que se articulam em oposição a um nós, que articula elementos positivos. Assim, o eles estaria representado por uma série de atores tanto em nível internacional, como nacional. Em nível internacional, se destacam as lideranças regionais de direita, bem como os países que não fizeram lockdown ou tomaram as medidas de isolamento tardiamente. Em nível nacional, estaria o “núcleo duro” da oposição, principalmente ex-funcionários do governo anterior que se manifestaram contra o lockdown e chamaram a manifestações nas ruas, além dos empresários que demitem os empregados durante a pandemia e os que especulam com os preços de alimentos e de produtos como álcool gel e máscaras. Por outro lado, no nós, em nível internacional, se destacam os países progressistas que apoiam a ideia de um Estado que cuide da população, entendendo que seria o ator fundamental para superar a crise. Nesse grupo encontra-se o Grupo de Puebla, uma aliança de líderes regionais do campo progressista. Por outro lado, destaca-se o Papa Francisco, figura fundamental no contexto argentino, cujas práticas discursivas durante a pandemia tem dado ênfase à solidariedade para superar a crise. Em nível nacional, destacam-se os funcionários públicos que administram a crise (prefeitos e governadores) inclusive do partido opositor, bem como a comunidade científica e o povo argentino, que entendeu a importância da corresponsabilidade, de cuidar se si mesmo para cuidar dos outros.
Como elemento de nomeação que contribui para cristalizar a hegemonia são identificadas três frases que foram usadas repetidamente por Fernández e se tornaram um slogan durante o período da pandemia. A primeira, ninguém se salva sozinho, apela à solidariedade, entendendo a quarentena ou isolamento, não como uma ação individual, mas como uma ação associada à solidariedade, à responsabilidade pela vida do outro. Mas também está relacionada com a dimensão global, considerando necessário criar um fundo global para ajudar aqueles que mais precisam, socializando também a entrega de elementos como respiradores automáticos e roupas de proteção para enfrentar a pandemia. A outra frase usada com frequência, o Estado estará mais presente do que nunca, apela justamente a uma mudança nos termos políticos em relação ao governo anterior, de corte neoliberal. Por fim, quando fala que este é um acordo construido entre os argentinos: cuidar de todos, de todas, de todes, não só chama à responsabilidade de cada um com a vida dos outros, mas também, ao usar a palavra todes, simboliza sua adesão à discussão sobre linguagem inclusiva, que está sendo amplamente debatida na Argentina e no mundo[14].
Com relação ao marco de motivação, uma das estratégias utilizadas por Alberto Fernández para lidar com a crise foi gerar um sentimento de proximidade com a população, por meio de coletivas de imprensa, entrevistas e do twitter. Na sua Carta aos argentinos, em 20 de março, afirmava que: solidariedade, responsabilidade e comunidade são as consignas[15].
A solidariedade se tornou um elemento fundamental do seu discurso. Ela é reforçada com a ideia de corresponsabilidade: temos que estar cientes da responsabilidade social que temos. Nós podemos prejudicar o outro, por isso, o caminho é cuidar de nós mesmos para cuidar do outro, e a melhor forma de agir é tentando ficar em casa, pois, dessa forma, minimizaremos muito os danos. A solidariedade também é acionada como um valor sagrado para o peronismo. Ela não se limita, no discurso de Fernández, às fronteiras argentinas. Assim, ele também mencionou a necessidade de repensar a economia mundial e torná-la mais solidária, pois a crise vai afetar todo mundo, mas também é uma oportunidade de criar um mundo mais justo e legítimo e dessa forma ter uma economia mais solidária. A crise gerada pela pandemia permitiu evidenciar a fraqueza do sistema. Por isso, é necessário rever como o mundo funciona. Temos que pensar se não precisamos criar um sistema mais igualitário, para que todos tenham acesso a bens e serviços básicos para viver, no século XXI. Dessa forma, aponta que recuperar a palavra solidariedade é essencial para a Argentina, porque a pandemia nos mostrou o quão pouco solidários fomos.
No início da quarentena, Fernández apelava muito para a ideia de unidade, fazendo referência ao amplo consenso conseguido na sociedade argentina em torno das medidas de isolamento obrigatório, como escreveu no twitter: teve um dia em que todos concordamos em cuidar dos argentinos. Unidos podemos consegui-lo #UnidosPorArgentina[16]. Porém, a extensão do lockdown, além de outras medidas adotadas pelo governo de Fernández, como a reforma judicial e a renegociação da dívida externa fortaleceram a oposição. A legitimidade e consenso que tinha ganho no início da pandemia, com relação às medidas restritivas, foram perdendo apoio. Assim, a oposição argumentava que se estariam adotando medidas antidemocráticas e contrárias à liberdade das pessoas. Diante desses argumentos, Fernández afirmava que valoriza muito a liberdade, mas a liberdade se perde quando você morre. Também, mencionava que as medidas seriam fortemente democráticas, ao passo que seria uma democracia que apela à medidas excepcionais baseadas em sua própria legislação para esses casos, buscando reduzir os danos para o povo e salvar o maior número de vidas possível[17].
Por fim, nas suas práticas discursivas, Fernández traz elementos que destacam a Argentina diante do mundo, como quando afirma que eles estão sendo a vanguarda, pois é um caso único no mundo, que decretou a quarentena completa assim que conheceu o início da pandemia. Da mesma forma, apela ao sentimento de orgulho nacional quando se refere às disposições da OMS que escolheram a Argentina como um dos países onde poderão ser realizados experimentos com o objetivo de identificar um tratamento viável. Por outro lado, Fernández menciona o orgulho que sente dos avanços das equipes das universidades com relação ao conhecimento sobre o vírus ou a criação de novos testes rápidos para a identificação da Covid-19.
Fernández também faz uso de referências para legitimar histórica, social, política e cientificamente as medidas adotadas em relação à crise do coronavírus. Assim, se apoia, por um lado, na alusões às crises econômicas pelas quais a Argentina já passou e das quais conseguiu sair. Nesse sentido, o passado é acionado como elemento que dá fortaleza ao povo argentino. É um povo que sofreu, lutou e se recuperou de suas crises econômicas. Portanto, as consequências econômicas da crise do Coronavírus poderão ser enfrentadas. Fernández mencionou à crise vivida com o Corralito, em 2001, que afetou profundamente a economia. O governo de Néstor Kirchner, no qual Fernández era um ator fundamental, chegou ao poder em meio à crise econômica e à instabilidade política, após a renúncia de vários presidentes em um curto período de tempo. Dessa forma, afirma que os argentinos passaram por momentos muito difíceis e sempre se levantaram. É hora de se unir para vencer as adversidades mais uma vez pois o povo argentino sabe se levantar, porque já fizeram isso muitas vezes. Fazendo referência ao Néstor Kirchner, afirma que, eles dois tiveram que assumir um país que no ano anterior havia sofrido uma queda no Produto Interno Bruto superior a 11%, e assim, começaram a trabalhar e a levantar a economia. Como aprendizado desse processo, afirma que uma economia que cai sempre se levanta, mas uma vida que termina, não a levantamos mais[18].
Com relação ao argumento científico, Fernández valoriza muito a produção científica e possui um grupo que o assessora permanentemente na tomada de decisões. Nesse sentido, a adoção de medidas de isolamento obrigatório foi uma recomendação dada pelos cientistas: O único remédio que todos os infectologistas e epidemiologistas sustentam que faz sentido é se abrigar cada um na sua casa. Por meio do twitter também enviou mensagens de reconhecimento à comunidade científica, como no dia 10 de abril, dia do pesquisador científico, onde destacou o trabalho daqueles que fazem com que a ciência argentina seja reconhecida no mundo[19].
Com base nas recomendações e explicações desses especialistas, e também considerando a dimensão econômica da crise, Fernández tomou medidas para lidar com a pandemia[20]. As primeiras providências tomadas se focaram no controle da propagação do vírus, principalmente no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, bem como em medidas de prevenção para pessoas que viajaram de países que na época eram afetados pelo coronavírus, como Itália e Espanha. Mais tarde, foram fechadas as fronteiras e cancelados os voos internacionais. Da mesma forma, houve o fechamento de espaços culturais, a suspensão de eventos e de aulas em escolas e universidades.
Cada vez mais, as medidas tenderam a aumentar as restrições de mobilidade. Assim, em 19 de março, foi decretado o isolamento social, preventivo e obrigatório para toda a população. Essas determinações começaram a ser flexibilizadas com base no monitoramento epidemiológico nas diferentes províncias. O isolamento foi estendido nas áreas em que há transmissão do vírus pela comunidade e foi estabelecido um marco regulatório de distanciamento social, preventivo e obrigatório para áreas que não apresentam transmissão do vírus.
O lockdown foi acompanhado por um pacote de ajudas para a população e para as empresas, com o objetivo de evitar o impacto econômico causado pela pandemia. Assim, foram incluídas medidas para proteger a produção e o trabalho, a oferta de alimentos e de suprimentos críticos, como máscaras e álcool gel, além do controle de preços desses produtos. Por outro lado, foi adotada uma renda familiar de emergência, e foi decretada a suspensão temporária de cortes de serviços por falta de pagamento, bem como medidas de alívio da dívida com bancos, além de linhas de crédito, congelamento de aluguéis e suspensão de despejos. Também foram implementadas medidas de alívio para micro, pequenas e médias empresas, incentivos para compras on-line e medidas para a preservação dos empregos. Os serviços TICs foram declarados serviços públicos, o que possibilita o controle dos preços por parte do governo.
As medidas médico-sanitárias e de apoio científico incluem a criação da Unidade para tarefas de diagnóstico e pesquisa, além da construção de hospitais de emergência. O governo apoiou a produção em larga escala de testes rápidos bem como o fortalecimento das equipes de saúde comunitária. Da mesma forma, um pagamento extraordinário foi aprovado para o pessoal da saúde. Também foram promovidas consultas médicas remotas e um plano para cuidar do pessoal da saúde.
Entre o mercado e o Estado: Os antagonismos acionados durante a pandemia
No discurso de Fernández, a construção do antagonismo se relaciona com um eles carregado de elementos negativos, frente a um nós que resgata os elementos positivos acionados pelo presidente no seu discurso.
O eles se refere a um amplo grupo que inclui atores do nível internacional e nacional. Alberto Fernández construiu seu discurso e defendeu as medidas adotadas para o isolamento social a partir da referência a países que adotaram medidas contrárias e tiveram que enfrentar um grande número de mortes. Um dos casos mais comentados é justamente o caso brasileiro, com mais de 200 milhões de habitantes, com fronteiras com quase todos os países da América do sul. Afirma que todos devemos estar muito preocupados porque, da forma como o Bolsonaro deixou avançar o problema, ninguém sabe como vai terminar, nem como detê-lo, nem até onde vai chegar[21]. Assim, na região alguns presidentes tomaram medidas de isolamento um pouco antes ou depois, mas todos levaram o tema a sério, a exceção do Brasil: não vi ninguém fazendo chacota, ou abraçando e indo às ruas para tirar selfies cercado de pessoas. Por outro lado Fernández criticou a forma como a Suécia lidou com a pandemia, pois não fez lockdown, e por isso, é um país com uma taxa elevada de mortos por milhão de habitantes: quando eu discuto com aqueles que me dizem, abra a economia, porque como vai fazer com a economia fechada, eu digo, aqueles que abriram a economia não se saíram bem, não apenas porque não fizeram lockdown e muitas pessoas morreram, mas também porque também não se saíram bem economicamente[22]. A referência aos casos da Itália e da Espanha, por sua vez, serviram para mostrar como, no caso argentino, foi possível evitar o colapso do sistema de saúde, o que não aconteceu nesses países: o que aconteceu na Europa é que teve um momento em que as sociedades tiveram que decidir quem eles iam salvar, porque não tinha suficientes respiradores. Nós nos preparamos para que isso não aconteça.
Fernández também criticou à oposição que faz política pelo twitter[23], e a responsabilizou pelo desastre econômico e social em que deixou a Argentina, com altos índices de pobreza e um sistema de saúde enfraquecido. Essa oposição, que critica a quarentena, argumentando que Fernández se apaixonou pela quarentena[24], é justamente a responsável pela dificuldade de levantar as medidas restritivas, pois foi a que causou uma profunda crise no sistema de saúde. Nos últimos meses, a oposição tem chamado a manifestações contra o governo no meio da pandemia e para o governo, essas marchas são um convite ao contágio, pois estão acontecendo em momentos muito difíceis sem que ainda se tenha o controle do vírus.
Fernández argumenta que com a quarentena, o governo conseguiu construir infraestrutura para responder à crise. Além disso, com a visão neoliberal do governo anterior se exaltou o individualismo, a ideia de salve-se quem puder e da meritocracia, que no fundo, para Fernández, é falsa, pois a questão não tem a ver com o mérito das pessoas senão com as oportunidades e possibilidades que as pessoas tem; assim, considera necessário cuidar daqueles que a meritocracia deixou de lado[25]. Fernández se referiu ao ex presidente Macri, que criticou fortemente a quarentena, ainda que no início se mostrou de acordo: se você, Macri, não sabe para que serviu a quarentena, eu te conto, serviu para ordenar a Argentina depois do desastre em que você a deixou[26].
Por fim, Fernández se referiu em suas falas também àqueles empresários miseráveis que esquecem os trabalhadores que trabalham para eles e na crise os demitem[27]. Da mesma forma, criticou aqueles empresários que aumentam os preços de produtos de primeira necessidade e especulam com os preços.
Em termos gerais, o ponto nodal concentra-se em torno da defesa do livre mercado acima da vida e da saúde das pessoas. Essa premissa consegue criar uma cadeia de equivalências, em nível internacional, entre os países que optaram por manter a economia funcionando apesar do alto custo de vida. Em nível nacional, articula aqueles que criticam a duração da quarentena, chamam a manifestações no momento em que vírus está circulando, são a favor da abertura da economia, bem como aqueles que no governo anterior defenderam o individualismo, o salve-se quem puder, a falsa meritocracia e deixaram o país em uma profunda crise social e econômica. Fazem parte da cadeia de equivalência, também, os empresários que se aproveitam da quarentena para demitir funcionários ou para aumentar e especular com preços de produtos de primeira necessidade.
Assim, ainda que Fernández tente superar velhos antagonismos que marcaram o país, os porta-vozes do eles, seus seguidores nas mídias e nos panelaços, e os que participam das manifestações estão tentando resignificar os antagonismos, apontando que o governo seria um governo corrupto, que interfere nos processos judiciais e na livre empresa, com sua visão estatista, que baseia seu apoio nos seguidores planeros (beneficiários de planos assistencialistas) que estão levando a economia ao caos. A oposição se articulou nos últimos meses em torno à oposição à reforma judicial proposta por Fernández, e que, segundo eles, estaria buscando a impunidade de Cristina Fernández. Eles, pelo contrário, estariam representando o setor da sociedade que defende a justiça e a moralização da política, o livre mercado, a meritocracia, a abertura ao mundo global, a volta ao trabalho e à normalidade, bem como o equilíbrio de poderes e a democracia.
Por outro lado, o nós é formado por atores dos níveis internacional e nacional. Em nível internacional, destacam-se os líderes do campo progressista, especialmente o Grupo de Puebla, bem como o Papa Francisco. O Grupo de Puebla foi criado em julho de 2019 e reúne lideranças regionais do campo progressista. Fernández está se posicionando como uma das principais lideranças desse espaço. Durante a pandemia, o Grupo promoveu a solidariedade, a unidade, a integração latino-americana para sair da crise, e reivindicou a necessidade de contar com uma renda básica universal bem como a necessidade de fortalecer os sistemas de saúde pública. No seu twitter se referiu aos encontros com o Grupo de Puebla: trocamos ideias com meus amigos do Grupo de Puebla, com quem coincidimos na necessidade de trabalhar para impedir que a tragédia da pandemia se aprofunde, e compartilhamos, também, visões sobre o mundo que devemos construir quando tudo isto acabar[28].
Nesse sentido, no nós estaria, também, o Papa Francisco cujas práticas discursivas durante a pandemia foram resgatadas em diversas oportunidades por Fernández e serviram para dotar suas próprias performances de uma carga moral significativa. O apelo à solidariedade e à cooperação, para evitar demissões de trabalhadores, e a frase de que ninguém se salva sozinho, são elementos das falas do Papa acionados por Fernández, que considera que os argentinos têm uma enorme dívida com Francisco[29].
No plano nacional, destacam-se os governadores e prefeitos que estão encarando a crise nos territórios de forma articulada e coordenada com o governo, incluindo àqueles da oposição, que não fazem política pelo twitter, mas que se enfrentam dia a dia ao desafio da crise gerada pelo coronavírus. Dessa forma, Fernández evidencia a ruptura que está ocorrendo no campo da oposição entre aqueles que, por um lado, são da oposição mas estão governando, como prefeitos ou governadores, e por outro lado, aqueles ex-funcionários do governo anterior. Dentro do grupo de opositores que se encontram governando, destaca-se o papel de Horacio Rodríguez Larreta, importante liderança da oposição que, como prefeito da cidade de Buenos Aires, tem trabalhado de forma articulada com Fernández. Esta articulação parece necessária para superar a crise do coronavírus, que teve um impacto grande na capital. Porém, os acordos com Fernández parecem restritos ao que tange à crise da pandemia, pois em outros temas se mantém a tensão e as diferenças políticas. Rodríguez Larreta parece estar tentando se diferenciar do núcleo duro da oposição, tentando construir uma alternativa de oposição diferente à representada por Macri e por Patricia Bullrich. Faz parte do nós, também, o povo argentino, que apoiou o lockdown e compreendeu a importância de cuidar de si e de cuidar dos outros. Por outro lado, a comunidade científica tem sido amplamente valorizada por Fernández, que conta com o apoio de autoridades da área epidemiológica para a tomada de decisões.
O ponto nodal concentra-se, fundamentalmente, no fortalecimento do Estado para preservar a vida dos argentinos e ao mesmo tempo, recuperar a economia. Isso articula a ideia de um Estado presente que ajude os mais necessitados, apoie o desenvolvimento da indústria nacional, fortaleça o sistema de saúde, promova a coordenação de políticas entre os diferentes níveis de governo, repense o modelo econômico para superar a crise, adopte decisões a partir do conhecimento dos especialistas, promova a solidariedade e a cooperação do povo argentino.
No que tange ao tom do discurso do Alberto Fernández, ele combina uma série de elementos de cunho científico, emocional e metafórico. Fazendo uso da sua experiência como professor universitário, tenta explicar de forma bem detalhada, com apoio de imagens e gráficos, informações importantes relacionadas com o comportamento do vírus, como velocidade de transmissão, número de casos, número de mortes. Além disso, compara os resultados da Argentina com o desempenho de outros países da Europa, ou da América Latina, para sustentar suas decisões. Também, valoriza o papel dos médicos e especialistas que o assessoram na tomada de decisões, mostrando como as decisões são adotadas com responsabilidade. Explica de forma didática e clara os avanços científicos para combater o coronavírus, como os novos testes desenvolvidos pela comunidade científica argentina. Da mesma forma, Fernández criou uma relação de proximidade com a população por meio do twitter. Pessoas de diversos lugares do país escrevem, mandam vídeos e fotos, e Fernández responde agradecendo e chamando a continuar em casa cuidando da vida de todos os argentinos.
Por outro lado, Fernández também tem um discurso duro frente àqueles que se opuseram à quarentena, ou frente àqueles que demitiram pessoas ou especulam com os preços. Em uma coletiva de imprensa, onde um jornalista fez perguntas sobre a quarentena, afirmou que a mídia transmitia muito a angústia do isolamento social, mas que o que era realmente angustiante era adoecer, não se salvar, não preservar a saúde. Angustiante é que o Estado te abandone, que o Estado te diga que aqui não está acontecendo nada, porque de fato, estão acontecendo coisas muito sérias[30]. Por outro lado, com a extensão da quarentena, a oposição começou a adotar cada vez mais um discurso duro, ao qual Fernández também tem respondido.
Alberto Fernández e a mídia: uma relação difícil
Alberto Fernández tem explorado diversos meios de comunicação para reforçar as medidas adotadas pela quarentena e também para criar um consenso em torno dessas medidas. Nesse sentido, a forma de comunicação oficial tem sido por meio das coletivas de imprensa, principalmente, mas também através de Cartas aos Argentinos, da concessão de entrevistas para a mídia tradicional e do twitter. Esta rede social, além de ser um mecanismo usado para se aproximar à população, é também o principal cenário para debater com a oposição.
O governo argentino enfrenta a oposição da mídia tradicional, representada, principalmente pelo grupo Clarín e La Nación, que fazem um bombardeio de notícias sobre as medidas adotadas por Fernández, não só relacionadas à pandemia mas, também, com relação às medidas econômicas e a reforma judicial. A disputa também se percebe nos jornais de televisão, por exemplo com TN ou Canal 13, de propriedade do Grupo Clarín. Por outro lado, Fernández conta com apoio de algumas mídias, como por exemplo, o canal de notícias C5N, um dos que tem maior audiência.
Com relação às fake news, da mesma forma como acontece em outros países, elas também estão presentes no contexto da pandemia na Argentina. Com essas notícias não só circula conteúdo falso sobre a doença e possíveis remédios. Algumas delas tem afetado a imagem do presidente Fernández e do kirchnerismo. Por exemplo, circulou uma notícia falsa sobre a suposta festa na qual teria participado a liderança indígena Milagro Sala. O vídeo, publicado pelo diário El Clarín e o canal de televisão A24, informava que Sala não teria respeitado a quarentena, porém, o vídeo era de dezembro de 2019[31]. Outro vídeo que circulou nas redes sociais era um com notas sendo impressas sem a respectiva numeração, sugerindo que com essa ação se estaria voltando à hiperinflação de 1989. O Banco Central teve que explicar que o vídeo era falso. Outras notícias, como os supostos protestos em Villa Azul, entre os municípios de Quilmes e Avellaneda, publicados por Todo Noticias, do Grupo Clarín, eram na verdade de protestos no Chile. Outras notícias falsas apontariam à volta do Corralito, fazendo referência ao momento da crise de 2001 onde os argentinos foram impossibilitados de sacar seu dinheiro dos bancos; ou os altos subsídios que estariam recebendo os beneficiários dos planos de assistência social[32].
A disputa pela hegemonia: apoiadores e opositores
Ao olharmos para a pandemia na Argentina, percebem-se mudanças importantes em um periodo de tempo muito curto no que tange à adesão às medidas do presidente. O apoio às decisões adotadas por Fernández para administrar a pandemia receberam inicialmente apoio não só das lideranças do Frente de Todos, que incluem as principais lideranças dessa coalizão. Também incluiu aqueles prefeitos e governadores que estão administrando a crise, e que consideravam apropriadas as medidas adotadas.
Com relação ao apoio recebido por parte da população, como foi mencionado, a estratégia usada para lidar com a crise do coronavírus teve inicialmente o apoio da maioria dos argentinos. De acordo com a pesquisa realizada pela Universidad de la Matanza na cidade de Buenos Aires e o Grande Buenos Aires, no dia 16 de abril, oito de cada dez pessoas concordavam com a continuidade da quarentena, apesar de que três de cada quatro pessoas consideravam que o lockdown afetaria a economia[33]. De acordo com os resultados da pesquisa, inclusive nos setores com mais necessidades econômicas, o apoio às medidas adotadas era muito alto. Fernández teve um acelerado crescimento da sua imagem favorável no início da quarentena quando decretou o lockdown, passando de 37% de imagem favorável, a 67%.
Porém, aos poucos, essa imagem favorável foi caindo, como resultado do desgaste e cansaço da quarentena, que teve uma duração superior às decretadas em outros países. A imagem favorável de Fernández, de acordo com a pesquisa de Rouvier & Associados, realizada em julho de 2020, estava, para esse momento, em torno de 62-65%. Fernández chegou a ter quase 80% de imagem favorável no início da pandemia. Contudo, seis meses depois do início da crise epidemiológica na Argentina, Fernández perdeu esse apoio que tinha conseguido, e para setembro, a imagem favorável era de 36%[34].
Além do cansaço da quarentena, a decisão de Fernández de realizar uma intervenção estatal na empresa agroexportadora Vicentin, em junho de 2020, foi um fator decisivo que afetou negativamente a sua imagem e, ao mesmo tempo, deu um novo impulso à oposição. O ex-presidente Mauricio Macri, que no início da pandemia havia dado algum apoio às medidas adotadas por Fernández, após a intervenção desta empresa começou a fazer duras críticas, mencionando sua preocupação com os abusos institucionais durante a pandemia e a necessidade de Consolidar Juntos por el Cambio[35]. Outra grande opositora é Patricia Bullrich, que, após a intervenção de Vicentín, twittou que o presidente oculta a expropriação de Vicentin como um capitalismo mais ético. Ele sobrecarrega aqueles que construíram o país trabalhando e os substitui por funcionários de compromisso duvidoso. Não tem nada de ético nem de capitalismo[36]. Nas redes sociais, termos como Argenzuela (Argentina + Venezuela) começaram a ser amplamente difundidos e os grupos empresariais também se manifestaram contra as medidas adotadas na empresa agroexportadora.
A direita também critica a extensão da quarentena. Patricia Bullrich afirmou que Fernández se apaixonou pela quarentena. Essa última crítica provocou a reação do Fernández, que afirmou que ele nunca se apaixonou pela quarentena, mas que é um remédio para a pandemia e é o único que conhecemos. Afirmou, também, que está apaixonado é pela vida[37]. Mais recentemente, a direita também tem se mostrado contra a reforma ao judiciário proposta por Fernández.
Assim, a oposição, desde junho de 2020, vem se manifestando por meio de panelaços, bandeiraços e manifestações nas principais cidades do país. A última manifestação, realizada no dia 12 de outubro, teve como pauta a oposição à quarentena, à reforma judicial, às medidas adotadas com relação ao controle do dólar e a defesa da República.
Considerações finais
Em maio de 2019, quando a ex presidenta Cristina Fernández apresentava seu livro autobiográfico intitulado Sinceramente, existia a expectativa que ela se lançasse como candidata presidencial. Nesse evento, Cristina fez uma saudação ao Alberto Fernández e, dias depois, anunciou que seria a candidata a vice-presidenta e Alberto Fernández seria o candidato a presidente. Assim, Alberto Fernández assumiu o poder com a sombra da Cristina. Seis meses depois, Alberto conseguiu criar sua própria força, e surgiu como uma grande liderança em nível nacional e regional. Desde que assumiu o poder teve um discurso articulado em torno ao fortalecimento do Estado, à solidariedade e ao fortalecimento do campo científico e acadêmico. Nesse sentido, os elementos presentes no início do seu mandato para lidar com a crise econômica e social foram os elementos acionados, também, para superar a crise da pandemia. A pandemia ganhou a relevância de problema nacional de primeira ordem e, no início, contribuiu para aumentar a imagem favorável do Fernández, que alcançou quase 80%.
Uma medida como o lockdown pode ser uma saída muito impopular e difícil de aceitar por parte da população. Assim, a princípio, Fernández teve grande sucesso, conseguindo criar consenso e apoio por parte da maioria da população, apelando à solidariedade, por um lado, e à corresponsabilidade de cuidar de nós para cuidar dos outros. Foi fundamental para a adesão por parte da população, a ideia de um Estado forte que cuida das pessoas.
Porém, essa rápida mudança inicial, relacionada com um apoio extraordinário conseguido em pouquíssimo tempo, mudou de novo rapidamente, devido à extensão da quarentena e ao desgaste dessa medida. A oposição, que no início da pandemia parecia dividida, tem se fortalecido nos últimos meses com pautas associadas à extensão da quarentena, mas também com sua oposição a outras medidas econômicas e políticas adotadas, como foi mencionado.
Por outro lado, se nos primeiros meses da pandemia, a Argentina era considerado um dos países que melhor tinha administrado a pandemia, pois tinha conseguido garantir a baixa circulação do vírus, e por conseguinte, tinha baixos números em termos de contágios e de mortes, hoje em dia está muito próximo dos outros países da região. Tendo em vista que o vírus foi controlado na região metropolitana de Buenos Aires, mas se espalhou pelo restante do país. Ainda assim, Fernández argumenta que as medidas de lockdown serviram para ganhar tempo e ter a capacidade de resistir ao pico da pandemia sem o colapso do sistema de saúde.
Sem dúvida, a Argentina constitui um caso interessante, que mostra uma tendência diferente da seguida na América Latina e em outros países do mundo com relação à administração da pandemia. Foi uma aposta baseada na ciência, porém, arriscada, que no início pareceu consolidar o Fernández como a grande liderança em nível nacional, mas agora, está causando um forte desgaste.
Juanita Cuéllar Benavides, Jorge O. Romano, Thais Ponciano Bittencourt, Liza Uema, Paulo Augusto André Balthazar, Annagesse de Carvalho Feitosa, Eduardo Britto Santos, Daniel Macedo Lopes Vasques Monteiro, Daniel S.S. Borges, Renan Alfenas de Mattos, Ricardo Dias, Ana Carolina Aguiar Simões Castilho, Caroline Boletta de Oliveira Aguiar, Érika Toth Souza, Juana dos Santos Pereira, Larissa Rodrigues Ferreira, Myriam Martinez dos Santos, Pamella Silvestre de Assumpção e Vanessa Barroso Barreto são pesquisadoras e pesquisadores do grupo de pesquisa “Discurso, Redes Sociais e Identidades Sócio-Políticas (DISCURSO)” vinculado ao Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade e ao Curso de Relações Internacionais do DDAS/ICHS da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, registrado no CNPq e com apoio de ActionAid Brasil
[1] LACLAU, E.; MOUFFE, C. Hegemonía y estrategia socialista: hacia una radicalización de la democracia. Madrid: Siglo XXI, 1987. LACLAU, E. A Razão Populista Ed. Três Estrelas, São Paulo, 2013.
[2] Metodologicamente, ao longo do texto, pusemos em itálico palavras ou significados tanto expressos nas práticas discursivas dos atores como aquelas que achamos adequadas, em termos de significado, pelo trabalho analítico e que gostaríamos de destacar.
[3] Discurso del presidente de la Nación, Alberto Fernández, en la apertura del 138° período de sesiones ordinarias del Congreso de la Nación. Disponível em: https://www.casarosada.gob.ar/informacion/discursos/46746-discurso-del-presidente-alberto-fernandez-al-encabezar-la-apertura-del-periodo-138-de-sesiones-ordinarias-del-congreso-de-la-nacion
[4] Ibid., nota 1.
[5] GALVÁN, I. E.: La lucha por la hegemonía durante el primer gobierno del MAS en Bolivia (2006-2009): un análisis discursivo. Madrid: Universidad Complutense, tesis de doctorado, 2012. Para outro exemplo dessa articulação que propomos aqui, entre a análise política do discurso e a proposta metodológica de marcos interpretativos, ver também Paixão e razão: Os discursos políticos na disputa eleitoral de 2018. Jorge O. Romano (Org.) – São Paulo: Veneta, 2018. Disponível em: https://diplomatique.org.br/wp-content/uploads/2019/03/livropaixaoerazao.pdf.
[6] PÁGINA 12. El discurso completo de Alberto Fernández para anunciar la cuarentena. 19 de março de 2020. Disponível em: https://www.pagina12.com.ar/254113-el-discurso-completo-de-alberto-fernandez-para-anunciar-la-c
[7] Entrevista al presidente de la Nación, Alberto Fernández, en Cada Mañana, Radio Mitre. 12 de março de 2020. Disponível em: https://www.casarosada.gob.ar/informacion/conferencias/46765-entrevista-al-presidente-de-la-nacion-alberto-fernandez-en-cada-manana-radio-mitre
[8] Entrevista al Presidente de la Nación, Alberto Fernández, conducida por Rosario Lufrano, en la Televisión Pública. 26 de março de 2020. Disponível em: https://www.casarosada.gob.ar/informacion/conferencias/46796-entrevista-al-presidente-de-la-nacion-alberto-fernandez-conducida-por-rosario-lufrano-en-la-television-publica
[9] Ibid., nota 8.
[10] EL ECONOMISTA. Fernández: “Entre la economía y la salud, yo elegí la salud”. 25 de março de 2020. Disponível em: https://eleconomista.com.ar/2020-03-fernandez-entre-la-economia-y-la-salud-yo-elegi-la-salud/
[11] Carta de Buenos Aires: Alberto Fernández: ¿Si Brasil va a hacer lo que quiere, para qué sirve el Mercosur? Carta Maior. 28 de abril de 2020. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cartas-do-Mundo/Carta-de-Buenos-Aires-Alberto-Fernandez-%BFSi-Brasil-va-a-hacer-lo-que-quiere-para-que-sirve-el-Mercosur-/45/47338
[12] Entrevista al Presidente de la Nación, Alberto Fernández, en Juntos Podemos Lograrlo, Telefe. 12 de abril de 2020. Disponível em: https://www.casarosada.gob.ar/informacion/conferencias/46827-entrevista-al-presidente-de-la-nacion-alberto-fernandez-en-juntos-podemos-lograrlo-telefe
[13] Ibid., nota 8.
[14] Cuidar lo conseguido. Maio 10 de 2020. Disponível em: https://alferdez.com.ar/cuidar-lo-conseguido/
[15] Carta del presidente Alberto Fernández a los argentinos. 20 de março de 2020. Disponível em: https://www.casarosada.gob.ar/slider-principal/46782-carta-del-presidente-alberto-fernandez-a-los-argentinos
[16] FERNÁNDEZ, Alberto. “Hubo un día en el que todos estuvimos de acuerdo para cuidar a los argentinos. Unidos podemos lograrlo. Este es el tiempo de empezar a hacerlo. Ahora viralicemos la responsabilidad. #SomosResponsables” 19 mar. 2020. Twitter: @alferdez. Disponível em: https://twitter.com/alferdez/status/1240674042786570242
[17] El discurso completo de Alberto Fernández para anunciar la cuarentena. 20 de março de 2020. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/El-discurso-completo-de-Alberto-Fernandez-para-anunciar-la-cuarentena/6/46855
[18] Palabras del Presidente de la Nación, Alberto Fernández, acerca de la pandemia del coronavirus COVID-19, desde Olivos. 30 de março de 2020. Disponível em: https://www.casarosada.gob.ar/informacion/discursos/46803-palabras-del-presidente-de-la-nacion-alberto-fernandez-acerca-de-la-pandemia-del-coronavirus-covid-19-desde-olivos
[19] FERNÁNDEZ, Alberto. “En el Día del Investigador Científico quiero destacar el trabajo de quienes hacen que la ciencia argentina sea reconocida en el mundo. Hoy son los investigadores e investigadoras del @ANLIS_Malbran, que han conseguido un avance significativo en la lucha contra el coronavirus.” 10 abr. 2020. Twitter: @alferdez. Disponível em: https://twitter.com/alferdez/status/1248595183891034113
[20] Argentina Unida. Qué medidas está tomando el gobierno? Disponível em: https://www.argentina.gob.ar/coronavirus/medidas-gobierno
[21] EL AGORA DIGITAL. Coronavirus: Alberto Fernández preocupado porque Jair Bolsonaro evita la cuarentena en Brasil. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7DRrvABI1PQ
[22] ÁMBITO. La comparación de Alberto con Suecia para hablar del éxito argentino. Maio 8, 2020.
Disponível em: https://www.ambito.com/politica/cuarentena/la-comparacion-alberto-suecia-hablar-del-exito-argentino-n5101271
[23] Palabras del Presidente de la Nación, Alberto Fernández, durante su visita a la provincia de Tucumán. Maio 21 de 2020. Disponível em: https://www.casarosada.gob.ar/informacion/discursos/46881-palabras-del-presidente-de-la-nacion-alberto-fernandez-durante-su-visita-a-la-provincia-de-tucuman
[24] LA NACIÓN. Patricia Bullrich: Alberto Fernández se enamoró de la cuarentena”. Maio 4, 2020. Disponível em: https://www.lanacion.com.ar/politica/patricia-bullrich-alberto-fernandez-se-enamoro-cuarentena-nid2361189
[25] INFOBAE. Alberto Fernández: “La pandemia es una oportunidad, hay que ocuparse de los argentinos que la meritocracia dejó de lado”. Maio 29 de 2020. Disponível em: https://www.infobae.com/politica/2020/05/29/alberto-fernandez-ha-llegado-la-hora-de-ocuparnos-de-esos-argentinos-a-los-que-la-meritocracia-dejo-de-lado/
[26] https://twitter.com/alferdezprensa/status/1316200472647172096
[27] PERFIL. El Presidente fue duro con empresarios por despidos y apeló a un video del Papa. 29 de março de 2020. Disponível em:
[28] FERNÁNDEZ, Alberto. “Este mediodía intercambiamos ideas con mis amigos del Grupo de Puebla, con quienes coincidimos en la necesidad de trabajar para impedir que la tragedia de la pandemia se profundice y compartimos, además, visiones sobre el mundo que debemos construir cuando todo esto pase.” 10 abr. 2020. Twitter: @alferdez. Disponível em: https://twitter.com/alferdez/status/1248807568262287360
[29] FERNÁNDEZ, Alberto. “’Los argentinos estamos en deuda con Francisco, porque su ayuda llega de un modo muy silencioso. Es un líder moral, que propone cosas como terminar con la cultura del descarte o volver a revalorizar la solidaridad’. @alferdez con @Fontevecchia en @CanalNetAr.” 12 abr. 2020. Twitter: @alferdez. Disponível em: https://twitter.com/alferdezprensa/status/1249442321390804992?lang=es
[30] DATA NEWS. Angustiante es enfermarse, no salvarse: Alberto Fernández. 23 de maio de 2020. Disponível em: https://datanews.com.ar/angustiante-es-enfermarse-no-salvarse-alberto-fernandez/
[31] Página 12. Milagro Sala salió al cruce de outra operación mediática. 29 de maio de 2020. Disponível em: https://www.pagina12.com.ar/269010-milagro-sala-salio-al-cruce-de-otra-operacion-mediatica
[32] ENTRE LÍNEAS. Las fake news en tiempos de pandemia: cuatro noticias falsas sobre la actualidad en Argentina. Junho 8 de 2020. Disponível em: https://www.entrelineas.info/articulo/1079/26903/las-fake-news-en-tiempos-de-pandemia-cuatro-noticias-falsas-sobre-la-actualidad-en-argentina
[33] PÁGINA 12. Coronavirus: fuerte aprobación a la cuarentena que dispuso Alberto Fernández. 16 de abril de 2020. Disponível em: https://www.pagina12.com.ar/259818-coronavirus-fuerte-aprobacion-a-la-cuarentena-que-dispuso-al
[34] CNN RADIO ARGENTINA. La evolución de la imagen Alberto Fernández durante la pandemia
Disponível em: https://cnnespanol.cnn.com/radio/2020/09/23/como-evoluciono-la-imagen-del-presidente-alberto-fernandez-durante-la-cuarentena/
[35] MACRI, Mauricio. “También coincidimos en la importancia de consolidar Juntos por el Cambio y ampliarlo a todos aquellos que comparten nuestros valores de libertad y trabajo para todos los argentinos.” 13 jun. 2020. Twitter: @mauriciomacri. Disponível em: https://twitter.com/mauriciomacri/status/1271911768781094912?lang=es
[36]BULLRICH, Patricia. “Nos roban 90 años de sacrificio, dijo el intendente. El Presidente encubre la expropiación de Vicentin como un capitalismo más ético. Avasalla a quienes construyeron el país trabajando y los reemplaza por funcionarios de dudoso compromiso. No tiene nada de ético ni de capitalismo” 10 jun. 2020. Twitter: @PatoBullrich. Disponível em: https://twitter.com/patobullrich/status/1270745877360115712
[37] NORTE BONAERENSE. Alberto: “Nunca me enamoré de la cuarentena, estamos enamorados de la vida”. 26 de junho de 2020. Disponível em: