Debate à francesa
Os partidários do “sim” na França poderiam aprender muito com as práticas democráticas de outros países da UniãoBernard Cassen
Os grupos dos partidários do “sim” ao referendo, que saturam sem pudor as colunas dos jornais e estações de rádio e televisão (com um resultado considerado medíocre, de acordo com as pesquisas), chamam para si o monopólio de apoio a uma “Europa” que, por outro lado, eles não definem nunca. Anunciam uma Europa concreta, aquela das boas práticas do debate democrático. Três países, entre outros, podem fornecer algumas idéias: a Irlanda, os Países Baixos e o Reino Unido.
Na Irlanda, após o “não” ao primeiro referendo sobre o tratado de Nice em 2001, o governo criou um fórum nacional sobre a Europa, que serve de cenário para debates abertos e equilibrados sobre as questões européias. Para a preparação do referendo previsto para 2005, uma primeira sessão pública aconteceu em 27 de janeiro último, na qual tomaram parte o eurodeputado irlandês Richard Corbett, partidário do “sim”, e o eurodeputado finlandês Esko Seppanen, favorável ao “não”.
Nos Países Baixos, o governo decidiu atribuir 400 mil euros aos partidos que preconizam o “sim”, e o mesmo montante àqueles, mesmo minoritários no Parlamento, que fazem campanha pelo “não”; bem como 200 mil euros para a organização de debates contraditórios. Reservou, com certeza, uma “caixinha” de 2,5 milhões de euros para a sua própria campanha do “sim”, mas pelo menos fez um gesto em prol do pluralismo?
Imprensa desinformada
A imprensa francesa fez uma cobertura tendenciosa e, por conseguinte, bastante incompleta do tratado constitucional
No Reino Unido, uma iniciativa merece ser saudada, a qual deveriam se inspirar as autoridades de tutela do audiovisual público francês: uma auditoria da cobertura das questões européias pela BBC, lançada no outono de 2004 e tornada pública em janeiro de 20051. Este relatório afirma notadamente que “em toda a cobertura da Constituição que tomamos conhecimento ou vimos, não havia explicações ou muito pouco era explicado sobre o conteúdo desta Constituição”. Mais grave, “o problema da ignorância dos jornalistas da BBC sobre a União Européia deve ser tratado com toda urgência”.
A esta altura, nem a França-Cultural nem a França-Internacional passariam no teste devido à apresentação excessivamente tendenciosa e, por conseguinte, bastante incompleta do tratado constitucional pelos seus editorialistas, e a escolha muito enviesada dos convidados da redação. Na FR3, Christine Ockrent, a “grande expert” em assuntos sobre a Europa, é também severamente criticada. No seu programa France Europe Express da terça-feira, 1o de março, sobre um assunto polêmico – a diretiva Bolkestein -, ela não corrigiu um erro grosseiro enunciado com altivez por François Bayrou: o presidente da UDF pretendia que, de acordo com as disposições da Constituição, o voto do conselho sobre a diretiva far-se-ia por unanimidade, enquanto todos os que leram o texto sabem que é da competência da maioria qualificada.
A diferença é de dimensão: num caso, a França (ou outro Estado) poderia bloquear este projeto; em outro caso, poderia ser adotado rapidamente outro para as objeções de uma minoria de governos. Ou a Sra. Ockrent e o Sr. Bayrou ignoram este “detalhe” – e isto não é muito sério para um e para o outro – ou, na sua paixão comum para o “sim”, escolheram o dissimular, o que é ainda mais grave, sobretudo para a jornalista. Em todo caso, nenhum deles assinalou uma evidência: se for ratificada pelos “Vinte e cinco”, a Constituição entrará em vigor apenas em novembro de 2006, enquanto a diretiva deve ser adotada antes do final de 2005, a partir das bases jurídicas existentes – e que se encontra tal qual o texto submetido a referendo na França.
(Trad.: Marcelo de Valécio)
Bernard Cassen é jornalista, ex-diretor geral de Le Monde Diplomatique e presidente de honra da Atacc França.