Debates em curso
A constatação de que não existe mais um consenso mundial sobre a política de drogas foi essencial para que diversas iniciativas pouco conhecidas ganhassem espaço no debate. Paralelamente à agenda oficial, a política proibicionista de guerra às drogas já era criticada duramente no Brasil por diversos setores e movimentos
O debate sobre uma reforma nas políticas e leis de drogas não está sendo pautado, na mídia e no governo, por acaso. Após reunião das Nações Unidas, realizada em março deste ano em Viena, que avaliou a última década de políticas internacionais sobre drogas, diversas ações começaram a ganhar notoriedade e publicidade no país.
A constatação de que não existe mais um consenso mundial sobre a política de drogas foi essencial para que diversas iniciativas pouco conhecidas ganhassem espaço no debate. Paralelamente à agenda oficial, a política proibicionista de guerra às drogas já era criticada duramente no Brasil por diversos setores e movimentos.
O conceito de “redução de danos”, que agora faz parte do vocabulário de todos que trabalham com o assunto, cresceu e tem sido amplamente citado como alternativa aos fracos resultados das políticas de abstinência. No sistema de saúde, esta abordagem tem tido resultados surpreendentes em comparação com seus investimentos ainda escassos. Com uma estratégia muito mais próxima do usuário de drogas, a redução de danos tem conseguido trazer de volta aqueles cidadãos abandonados pelas políticas públicas em geral. Além disso, entre os dependentes, o tratamento sustentado é muito mais eficaz e tem tido resultados sensivelmente melhores. Neste campo, a Aborda (Associação Brasileira de Redutoras e Redutores de Danos) tem sido responsável por articular nacionalmente os redutores de danos engajados em uma mudança no paradigma do tratamento dos usuários de drogas.
As universidades e a produção acadêmica em geral têm papel fundamental na construção da crítica ao proibicionismo. São diversos os pesquisadores que nos últimos anos se dedicaram a demonstrar cientificamente que a guerra às drogas é uma batalha perdida, que um mundo livre de drogas nunca existiu e que são muitas as esferas responsáveis pelo debate desta questão, não somente a do direito penal. Entre os principais atores deste processo está o Neip (Núcleo de Estudos Interdisciplinar sobre Psicoativos) e o IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais). Estes grupos respondem pela produção de conhecimentos que propiciam uma crítica fundamentada na pesquisa científica, com reconhecimento internacional.
A sociedade civil tem sido também essencial na construção da crítica ao modelo proibicionista e na proposição de novas plataformas para a política de drogas. A organização não governamental Viva Rio tem ações voltadas, especificamente, para essa questão, e atuação constante nos debates nacionais e internacionais. A ONG Psicotropicus também tem tido participação forte no debate, incluindo temas como violência urbana e criminalização da pobreza, relacionando-os com o tráfico de drogas.
Em outras regiões do país, movimentos começam a debater a política de drogas de maneira descentralizada. Em Salvador, a Ananda desempenha papel fundamental na articulação dos redutores de danos locais, pesquisadores acadêmicos e ativistas pró- legalização. Em São Paulo, o Coletivo D.A.R (Desentorpecendo a Razão) recentemente iniciou debates sobre política de drogas e tem avançado na articulação local a partir de uma concepção que responsabiliza o proibicionismo pela violência do crime e do Estado.
Realizada desde 2007, a Marcha da Maconha foi às ruas pedir a legalização e encontrou forte resistência sob a acusação de apologia ao crime e ao tráfico de drogas. Com a argumentação de que a proibição da Marcha fere o direito de liberdade de expressão, a Procuradoria Geral da República levou ao Supremo Tribunal Federal a questão, que deve ser analisada nos próximos meses. Segundo notícias e declarações de integrantes do Governo, do Parlamento e do Judiciário, podemos vislumbrar uma tentativa, ainda neste ano, de mudança em alguns pontos da Lei de Drogas, ou na política de drogas em geral.
É somente a partir do enraizamento sem preconceitos deste debate na sociedade que se poderá vislumbrar um contexto no qual os problemas decorrentes do abuso no uso de drogas sejam resolvidos longe da esfera da militarização e do direito penal. Abandonar o paradigma da proibição significa construir uma regulação que respeite o princípio constitucional da autonomia do individuo, defenda e promova os direitos humanos dos usuários de drogas e que não atue como causa ou justificativa de violência por parte do crime e do Estado.
*Marco Magri é cientista social, membro dos Coletivos Marcha da Maconha e D.A.R (Desentorpecendo a Razão).