Denúncias sobre a má aplicação de recursos da Lei Aldir Blanc seguem sem respostas
Último artigo da série especial A crise da cultura sobre as denúncias de má aplicação de recursos da Lei Aldir Blanc
A lei Aldir Blanc, assim como todo tipo de aplicação de recursos públicos, pode estar sujeita a erros e irregularidades. Alguns casos de má aplicação de recursos são claros, como corrupção ativa. Outros, são apenas usos indevidos, gastos mal planejados ou descontrole de contas. Mas em outros casos, os vícios administrativos podem ser subjetivos, imorais, chegando até mesmo àquilo que chamam de gestão temerária. Diversas denúncias foram feitas em todo o Brasil, em casos semelhantes. Porém apresentam determinadas diferenças.
O caso melhor estudado dentre os localizados até aqui é o do Paraná, que levantou uma série de contradições, que mais do que expor algum tipo de crime, na verdade revelam imoralidades, atos que evidentemente não deveriam ter ocorrido com recursos públicos assistenciais em plena pandemia, mas, que na interpretação frívola de leis, conforme o interesse, descuido ou omissão, resultaram em usos estranhos aos interesses públicos.
Ocorreram pagamentos de prêmios para conselheiros de cultura, funcionários públicos e membros da comissão de elaboração de edital. Mas apesar da Lei nº 8.666/1993 de licitações inibir este tipo de práticas, as decisões de tribunais são interpretações distintas conforme o juiz ou tribunal de contas, portanto, não sendo consenso. Porém, os pagamentos efetivados confrontados com a postura dos gestores públicos, ao saberem dos fatos, diante desses valores dados para quem participava da elaboração das políticas, ou não precisava dos recursos, causa estranhamento. Pois, ou não se pronunciaram, ou protegeram os envolvidos, negando existir ilegalidade, o que deixa a pergunta da moralidade (artigo 37 da Constituição). Então, diferente dos estudos do Observatório da Cultura do Brasil ou denúncias do Fórum de Cultura do Paraná revelarem algum crime ou ilegalidade, eles expuseram que o sistema de fomento à cultura, que transferiu os recursos da lei Aldir Blanc aos estados e municípios, podem ter falhas estruturais que geram “insegurança jurídica” e falta de clareza na forma de seleção dos repasses aos premiados, dificultando para alguns, enquanto favorecem outros, inclusive, quem nem deveria concorrer, afirmam entrevistados bem como os estudos localizados.
Denúncias encaminhadas ao Ministério Público
Após os resultados dos editais da Lei Aldir Blanc de 2020, o meio cultural do Paraná começou a observar que além dos recursos não terem chegado a muitos que precisavam, também foram constatados indícios de irregularidades.
A classe artística e cidadãos indignados com os indícios de irregularidades, encaminharam ao Fórum de Cultura do Paraná material que foi apurado por uma comissão, e após aprovados em assembleias, enviados aos órgãos de fiscalização e controle. Foram registrados na Controladoria Geral do Estado do Paraná (CGE), no Ministério Público (MP), Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE) e nos órgãos de cultura um enorme conjunto documental, que demonstram vastos indícios de supostas irregularidades envolvendo a aplicação da Lei Aldir Blanc no Paraná.
Nota do Fórum de Cultura do Paraná afirma: “Não somos juízes, portanto, não julgamos individualmente nenhuma das pessoas que possam estar envolvidas em supostas irregularidades. Não temos intenção de calúnia, difamação, ou acusações falsas, e por esse motivo, não colocamos nas peças de denúncias nomes em destaques, deixando para os interessados o cruzamento de documentos e editais. Se a justiça não avaliar, cada cidadão que faça a interpretação que quiser do que foi revelado nos documentos liberados em drive. Mas somos cidadãos, e neste sentido, temos direito de cobrar explicações diante de recursos públicos. Se algum caso for comprovado, se provou algum caso isolado de irregularidade em políticas amplas. Mas se movimentos sociais, sindicatos, conselheiros, poder público, todos seguirem negando os fatos ocorridos, então se comprovou que o sistema de fomento à cultura é que é podre e viciado”.
Segundo informações do Fórum de Cultura do Paraná, apesar da vasta documentação, e de mais de 40 ofícios, contendo mais de 3.000 páginas registradas em protocolos com pedidos de informações, e envio de pedidos de apurações aos órgãos de controle, houve poucas respostas e não foram ofertadas, com base legal, justificativas da legalidade ou ilegalidade dos casos suspeitos de irregularidades. Em nota do Fórum de Cultura do Paraná, esse panorama deixou “instabilidade jurídica na sociedade, para os usuários, cidadãos, detentores de direitos fundamentais e de direitos culturais, bem como para agentes que possam ter recebido recursos de forma irregular, e também para os gestores públicos. O que ocorreu foram ausências de respostas objetivas dos órgãos, sendo que mais de ¾ dos questionamentos não foram respondidos mesmo de uso da Lei de Acesso à Informação, após 8 meses dos primeiros envios”.
(trechos da resposta da Fundação Cultural de Curitiba ao ofício respondido via LAI – Lei de Acesso à Informação 00-007179/2021)
Conforme a notícia de Fato 0046.21.082182-5, arquivada sem análise de mérito documental pelo MP, a Fundação Cultural de Curitiba por meio de ofício ao Fórum de Cultura do Paraná, originalmente requerido pela diretoria de políticas culturais da CF-OMB, o órgão de cultura municipal, se recusou em prover acesso aos dados relacionados aos jurados, comissões, conselhos e premiados em editais.
Segundo o Fórum de Cultura do Paraná, “a situação acaba por explicitar que dentre as respostas nos ofícios ofertados pelo poder público, nenhuma promove diálogo com as normas, documentos e fatos apresentados pela sociedade civil, comparadas com as leis e normas em que sejam afirmadas quais as formas corretas de usos dos recursos, diante da efetivação dos editais, comparado com os objetivos iniciais da lei Aldir Blanc. Sobraram ausências de respostas ou, quando muito, respostas evasivas”.
Segundo membros do Fórum de Cultura do Paraná, os movimentos sociais, que fizeram as indagações ao poder público, tanto não foram respondidos, não obtiveram acesso aos dados, como ainda vêm sendo questionados, justamente por agrupamentos que levaram vantagens, que vêm procurando desqualificar em redes sociais a necessidade de se fazer ou não as apurações da Lei Aldir Blanc, sugerindo a falsa ideia de que não houve vítimas e de que os recursos chegaram para todos os artistas e produtores culturais.
As denúncias que foram analisadas e enviadas para apuração, tratavam dos seguintes indícios de irregularidades: conselheiros premiados com verbas da Lei Aldir Blanc, membros de comissão de elaboração de editais premiados nos próprios editais que ajudaram a elaborar, funcionários públicos premiados, conflito de interesses entre SECC e OMB e indícios de má aplicação dos recursos da Lei Aldir Blanc, como a não aplicação dos recursos com grande sobra de caixa e da concentração em Curitiba.
As denúncias da sociedade civil encaminhadas ao TCE, MP, CGE e outros órgãos, segundo o Fórum de Cultura do Paraná, se tratavam de “um cabedal de despropósitos, com descumprimento de princípios da administração pública como razoabilidade, isenção, eficácia, moralidade, além da gestão temerária de recursos com origem no combate à pandemia que as notícias não mentem, estão fazendo muita falta para os trabalhadores da cultura, que estão morrendo às pencas, na miséria, por Covid-19, ou em decorrências de outros efeitos da pandemia. Portanto, indícios de crimes de direitos humanos que precisam ser apurados”.
O que foi identificado pelo Fórum de Cultura do Paraná, segundo eles, indica que as comissões de elaboração de editais, com apoio de gestores e conselheiros, aprovaram dirigismo dos editais voltando-os para segmentos específicos da arte “em causa própria”, enquanto a dimensão da cultura, da economia da cultura, e do entretenimento, todos com direitos na Lei Aldir Blanc, foram excluídos, o que pode se confirmar no comparativo dos documentos e denúncias enviadas aos órgãos de controle com os depoimentos das lideranças dos movimentos sociais da cultura e comunidades tradicionais obtidos para esta reportagem.
Além das exclusões de segmentos inteiros da cultura, as denúncias apontam para premiações que soam irregulares. O Fórum de Cultura do Paraná incumbiu um grupo de trabalho em Assembleia realizada em 15 de fevereiro de 2021, para que fossem feitas as análises das denúncias realizadas pela classe de trabalhadores da cultura e feitos encaminhamentos às autoridades. O resultado foi enviado ao MP-PR, com pedido de apensamento de documentos em Drive ao Ofício n° 0556/2021 – Notícia de Fato n° MPPR-0046.21.042182-5, Notícia de Fato n° MPPR-0046.21.042182-5, em mãos da promotora de patrimônio público, em 13/05/2021, mediante apensamento do drive https://drive.google.com/drive/folders/1DUKvVJC0aKjXvwMPQaibIwO_3MIKv_Ek?usp=sharing, em que constam mais de 500 documentos fruto da apuração civil, em que se solicita aos poderes fiscalizadores a apuração dos casos. Essas e outras comunicações passaram a ser entregues periodicamente aos órgãos de justiça e controle interno e externo, foram mais de 40 ofícios e protocolos registrados pelo Fórum de Cultura do Paraná até o momento.
Segundo os movimentos sociais, diante de um conjunto de denúncias amplas, e da incapacidade da sociedade civil de apurar tal enorme conjunto de reclamações dos trabalhadores da cultura, não foram possíveis as apurações de todos os indícios, por este motivo foram enviados para o Ministério Público e demais órgãos de controle interno e externo, para que fossem minimamente apurados. O relatório final das apurações de indícios foi aprovado pelo Fórum de Cultura do Paraná em 24 de maio de 2021. Portanto, naqueles temas em que foram localizados indícios, ainda assim, tratando apenas de alguns dos casos noticiados, foram enviados estudos completos aos órgãos de controle com 3.064 páginas de documentos públicos e análises técnicas e legais.
A denúncias centram em casos como: dos funcionários públicos premiados nos editais da Superintendência Estadual de Cultura do Paraná (Pode ser conferido no e-protocolo do governo do Paraná, Processo: 17.537.573-2); de membros de comissão de elaboração de editais premiados nos mesmos editais da Fundação Cultural de Curitiba (Pode ser conferido no sistema de acesso à lei informação da prefeitura de Curitiba, Processo: 17.674.241-0 e Ticket #00-007177/2021); de conselheiros premiados com verbas da Lei Aldir Blanc (e-protocolo do governo do Paraná, Processo: 17.537.573-2 e 17.598.757-6); conflito de interesses entre SECC e OMB no caso do funcionário que acumulou cargo de presidente da entidade da música sendo funcionário da Superintendência Estadual de Cultura do Paraná (e-protocolo do governo do Paraná, Processo: 17.129.953-5, 17.409.513-2 e 17.571.644-0); além dessas questões, foram constatados indícios de má aplicação dos recursos da Lei Aldir Blanc, em números averiguados na comparação entre a origem dos recursos e a aplicação imperfeita, excludente, centralizada em Curitiba, em prejuízo de milhares de trabalhadores da cultura do Paraná, com fonte em dados da própria Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo (e-protocolo do governo do Paraná, Processo: 17.519.479-7).
Essas questões foram enviadas através de mais de 40 protocolos para diversos órgãos públicos, e nada foi respondido concretamente até o momento, segundo o Fórum de Cultura do Paraná, que alega que as comunicações de retorno destes órgãos do poder público, feitas por ofícios e-mails e até telefonemas, traziam informações como “muitos documentos”, “não temos funcionários para responder”, “não responderemos e será arquivado” e argumentos similares, mas no geral não se manifestam, segundo o Fórum de Cultura do Paraná “causando perplexidade na sociedade, diante da dor, miséria e morte que a pandemia causam, enquanto existiam recursos sobrando (55 milhões em caixa sem uso) para assistência social da cultura, recursos que não foram aplicados, sobraram, ou gastos de forma irresponsável e incorreta”.
Os membros do Fórum alegam que órgãos públicos dificultam as informações para quem investiga “Até agora não deram nenhuma uma única informação de júris, comissões, premiados, editais, Conselho de Cultura, nem confirmaram ou negaram a veracidade das atas ocultas que foram vazadas, e que indicam as possíveis irregularidades. O jogo da FCC (Fundação Cultural de Curitiba) tem sido nada responder, apesar das garantias da lei de acesso à informação, tentando ganhar no cansaço”, afirma. “Os dados levantados pelo Observatório da Cultura do Brasil tiveram por base informações oriundas de conselheiros de cultura e dados governamentais e do ministério do Turismo, posto que FCC e Superintendência da Cultura do Paraná, não emitiram relatórios, e se recusam em responder informações por meses seguidos”, completa.
Manoel J de Souza Neto, do Observatório da Cultura do Brasil, registra aspectos legais pendentes, que podem gerar insegurança jurídica dos resultados da aplicação da Lei Aldir Blanc, e das repetições dos mesmos erros, segundo ele “Desrespeito da Lei de Acesso à Informação 12.527/2011, Lei nº 9.784/1999 do processo administrativo, Lei de Licitações (8.666/1993), princípios de Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (Art. 37, da CF 1988) e desrespeito à própria Lei Aldir Blanc, posto que a finalidade da lei é claramente assistencial com origem nos recursos na PEC 10/2020 do orçamento de guerra, e tratam de gerar proteção social diante da pandemia, o que evidentemente não foi efetivado, não ao menos para os que mais precisavam dos recursos”.
Ainda segundo membros do Fórum de Cultura do Paraná, “estas denúncias de vícios em editais, se repetem ano após ano, no entanto a falta de transparência dos órgãos de cultura, e a recusa de fornecer informações, permitiu que tudo ficasse recalcado por todos estes anos. Mas agora durante a pandemia, as contradições deste modelo de fomento excludente e que gera favorecimentos e vantagens para poucos, em detrimento da maioria, ficaram mais nítidos, conforme pode ser lido no e-protocolo do Estado do Paraná (Processo_17.085.751-8). O que os documentos revelam, é que um grupo organizado de pessoas, participou de comissões formais do conselho de cultura, ajudando a decidir os modelos de editais, para depois, esses mesmos agentes culturais, terem participado dos editais, aos quais foram premiados. Acontecimentos, que levantam suspeitas sobre os editais, que podem ser considerados processos licitatórios viciados. Pois a Lei nº 8.666/1993, proíbe a participação de pessoas que tenham participado como autores do projeto básico ou executivo licitatório (em tese, técnicos jurídicos e administrativos envolvidos, jurados, conselheiros, membros de comissões e grupos de trabalho). Decisões de TCEs pelo Brasil julgam impedimento a mera participação de quem tenha capacidade de influir sobre os processos e editais. O que fica claro nesses documentos, é de que essas pessoas concorreram a receberam os recursos”. Os órgãos de cultura emitiram nota, sem análise jurídica, alegando que a comissão, na realidade não era uma comissão e “não fez o projeto base”, e que nada de errado ocorreu, firmando discurso de que “Não há como alegar que ouve qualquer favorecimento a grupos”, sem no entanto ter aberto sindicância para verificar os fatos ocorridos.
(Partes do ofício da Fundação Cultural de Curitiba, em resposta ao Fórum de Cultura do Paraná, através da Lei de Acesso à Informação – Resposta LAI 00-007177 e LAI 00-007835 2021).
A Fundação Cultural de Curitiba se limitou em responder nos documentos que tudo foi feito dentro da legalidade, apontando juris, comissões e notas, tratando da seriedade do julgamento, quando as críticas do Fórum de Cultura do Paraná se relacionam ao conflito de interesses diante da lei de licitações Lei nº 8.666/1993, tratado por processo viciado e informação privilegiada. Ainda que nas mais de 100 páginas de atas vazadas, seis meses antes deles disponibilizarem o link no ofício, revelarem, que um pequeno agrupamento, influiu e recebeu informações privilegiadas sobre o processo licitatório, e depois foram premiadas nos mesmos editais, ocorrem negativas. Os dados obtidos podem ser conferidos na documentação do caso (e-protocolo do governo do Paraná, Processo: 17.537.573-2 e 17.598.757-6).
Pedido de propina
O meio artístico e a sociedade civil revelaram outra prática, que pode ser considerada imoral, ou até ilegal, com pedido de comissão, ou propina. Isso foi registrado por diversos depoimentos e provas, encaminhadas por pessoas da classe e movimentos sociais, de que conselheiros e produtores cobravam propina de 20% para registrar inscrição de projeto cultural ou de benefícios como a renda emergencial da Lei Aldir Blanc e editais no sistema de governo, tanto no estadual como em sistemas municipais.
(Há diversas provas documentais com denúncias vindas de conselheiros e da classe artística, expondo pedidos de propina)
Não está claro se foram atos isolados, aos quais não se podem associar a alguma rede ou grupo de forma clara, ainda que existam indícios de correlação. Estes atos exemplificam a necessidade de apuração de irregularidades na Lei Aldir Blanc. Fato conhecido, tão conhecido, que casos semelhantes foram denunciados pelos próprios conselheiros do CONSEC em reunião extraordinária transmitida pela internet.
“Essas supostas irregularidades, levantadas pela classe e enviadas ao Fórum de Cultura do Paraná, remetem aos casos já conhecidos do patrimonialismo no Brasil, estudado pelo sociólogo, jurista e cientista político Raymundo Faoro, e já não se trata de exceção, mas de regra, praticamente um hábito cultural, um verdadeiro hobby, esporte para os brasileiros. Tão natural, que conselheiros, funcionários públicos e membros de comissões, que foram também premiados nesses editais, de forma irregular, ficaram ofendidos quando o caso foi exposto, de tão natural que se é no Brasil, procurar ‘levar vantagem tudo’, frase do ‘filósofo’ jogador de futebol Gérson, em um comercial icônico do cigarro Vila Rica nos anos 70, que de tão famoso, virou dito popular, chamado de ‘Lei de Gérson’ “, aponta Manoel J de Souza Neto.
Denunciante sofre ameaças e perseguições
Em uma cidade do interior do Paraná, uma conselheira de manifestações populares (que não quis se identificar) denunciou membros de um conselho de cultura de sua cidade à Polícia Federal, por irregularidades praticadas na Lei Aldir Blanc. “É uma denúncia que tem provas. Basta ver os resultados dos editais, conferir quem foi premiado e quem não foi, porque a Lei diz que é pra chegar na ponta, com transparência, mas não foi isso que aconteceu”, afirma. “Dentro da regulamentação da lei, está bem claro que os conselheiros estaduais não podem participar, mas na minha cidade teve um conselheiro estadual que participou e ganhou, além de gestores e funcionários públicos que não poderiam receber”, completa. Desde então, passou a receber ameaças, alegando inclusive que corria risco de vida. “Eu tive que sair da minha cidade. Eu perdi a vida que eu tinha lá, tive que deixar tudo por perseguição”.
Apesar dos alertas, Paraná terá novamente maus resultados, aponta pesquisador
No Paraná, dos 399 municípios do estado, apenas 206 pediram acesso aos recursos da Lei Aldir Blanc em 2020. No entanto, vários não lançaram editais e devolveram os recursos.
Durante os últimos meses, foram apresentadas até propostas de lei de uma bolsa para cultura na Assembleia Legislativa do Paraná (PL 168/2021), mas o projeto segue sem análise na casa, enquanto as propostas da Superintendência de Cultura do Paraná são, segundo os movimentos sociais, palatáveis para os centrais e reconhecidos, mas promovem exclusões aos demais.
Uma nova etapa da Lei Aldir Blanc tem início em agosto deste ano. Segundo matéria divulgada no portal do Governo do Estado do Paraná, destas 206 cidades, apenas 37 fizeram a solicitação (até a manhã de 30/07, a três dias do encerramento do prazo) para acesso aos mesmos recursos que não foram distribuídos nos editais do ano passado. Ainda de acordo com a matéria, para a Superintendência da Cultura isso representa menos de 20% das cidades paranaenses com direito a verba, do total que teria direito ao recurso.
É um número muito baixo, que aponta um desempenho ruim, mas o dado oculta algo pior: que isso representa aproximadamente 9,2% dos municípios do Paraná. O que demonstra o fracasso da política cultural, num período de crise, em que a eficiência significa salvar vidas.
Existem contradições entre o informado pelo órgão Federal e o Estadual. Enquanto o Estado informa que 206 cidades têm direito a reversão de recursos, o governo federal (por meio do Ministério do Turismo) afirma que o Paraná somente 50 municípios têm esse direito. Outro relatório do governo federal aponta para 158 municípios do Paraná que estavam inscritos em 2020, mas não receberam repasses das verbas. “O que os dados revelam é que, na realidade, somente 48 municípios tiveram a execução de recursos da Lei Aldir Blanc no Paraná, se os dados fornecidos pelo Ministério do Turismo estiverem corretos”, conclui Manoel J de Souza Neto.
“Os recursos não utilizados pelos municípios retornam à Superintendência Estadual de Cultura, que lançaram editais próprios. Vale a pena lembrar que os editais de 2020, pelo Estado, tiveram resultados sociais péssimos, além de ser o terceiro pior dentre estados brasileiros, o Paraná gerou burocracia, que promoveu exclusões, tanto de classe, posto que somente aqueles com boas condições de trabalho, renda, mérito, currículo e certidões negativas em dia puderam concorrer em verbas, que deveriam ter sido assistenciais, como também, exclusão territorial, posto que os premiados eram quase 80% de Curitiba, moradores de bairros nobres, em detrimento de todos paranaenses. Não existe mudança significativa de postura do órgão estadual, e os resultados ainda piores são esperados na continuidade da aplicação do programa”, finaliza.
O caso segue inconcluso, sem sindicâncias ou inquéritos, apesar das mais de 3.000 páginas entregues. O Fórum de Cultura do Paraná solicitou ao TCE-PR solicitações de esclarecimentos das normas, com as seguintes questões:
SOLICITAÇÕES DE ESCLARECIMENTOS DE NORMAS, POR PARTE DO FÓRUM DE CULTURA DO PARANÁ AO TCE-PR – CASO LEI ALDIR BLANC:
Quais as regras de participação da sociedade na elaboração de editais, programas e políticas, bem como eleições de conselhos, de júris e de comissões de editais? Pode o Estado excluir setores sociais na fase do diálogo e elaboração de políticas e editais?
Quem pode participar e quem não pode participar (vedações) de concorrência em editais diante da lei 8.666/1993, 9.784/1999 na aplicação da 14.017/2020, considerando sua origem no orçamento da PEC 10, e decreto 106/2020, rubrica 144 do tesouro na UNIÃO?
É lícito funcionários públicos vencendo editais de cultura com verbas de combate a uma pandemia, diante das leis 8.666/1993, 9.784/1999, 14.017/2020, PEC 10, e decreto 106/2020, rubrica 144 do tesouro na UNIÃO?
É lícito agentes culturais integrarem comissões de elaboração de editais, sendo depois premiados nos mesmos editais, diante das leis 8.666/1993, 9.784/1999?
É lícito conselheiros de cultura concorrer em editais em que ajudaram a deliberar, diante das leis 8.666/1993, 9.784/1999?
É lícito o uso dos recursos criados para enfrentamento de uma pandemia (PEC 10, e decreto 106/2020), através de uma lei voltada à proteção dos trabalhadores da cultura (14.017/2020), devido às regras excludentes de editais, extremamente burocráticas, premiar basicamente só algumas das profissões, bem como moradores das regiões centrais, dos bairros nobres, empresários, pessoas de classes altas, funcionários públicos (com salários em dia), conselheiros de cultura, membros de comissões de elaboração de editais, enquanto são ignorados a ampla maioria dos trabalhadores da cultura do Paraná, especialmente, os segmentos excluídos, os periféricos, os moradores das cidades distantes da capital e os mais carentes, considerando a finalidade das leis citadas, e dos direitos fundamentais previstos na constituição? (procedimento 308101 21, entregue pelo Fórum de Cultura do Paraná ao TCE-PR)
O TCE-PR, em ofício, sem explicações claras, arquivou o procedimento, sem dar respostas aos questionamentos, que geram a insegurança jurídica ao caso e também em outros editais semelhantes, deixando a sociedade desprovida de normas claras de participação diante de licitações de estado. Órgãos públicos de cultura e MP – Ministério Público alegam falta de provas e de dolo, na versão do poder público e dos premiados nos editais, o que entra em choque com as versões dadas pelos entrevistados, que expõem que podem ter ocorrido graves danos à sociedade. Dados preliminares de um estado apontam que situações semelhantes podem ter acontecido em outras unidades federativas do país. No Paraná se fez um levantamento à altura. Centenas de documentos levantados pela classe e movimentos sociais, e posteriormente pesquisados pelo Observatório da Cultura do Brasil estão disponíveis para o público no drive https://drive.google.com/drive/folders/1DUKvVJC0aKjXvwMPQaibIwO_3MIKv_Ek?usp
Nota: os órgãos públicos citados neste especial (Superintendência Estadual de Cultura, Fundação Cultural de Curitiba e FAS – Fundação de Ação Social de Curitiba) não deram respostas objetivas sobre os questionamentos expostos na reportagem até seu fechamento.