O programa que o canal de televisão France 2 apresentou a seus telespectadores nos dias 3 e 4 de novembro, na segunda parte da programação noturna – infelizmente -, não foi um documentário como um outro qualquer. Correspondente desse canal há mais de vinte anos em Jerusalém, Charles Enderlin estruturou “Le Rêve brisé” (“O sonho despedaçado”) – como o livro epônimo1 – a partir das entrevistas com os principais atores do fracassado acordo de Oslo, realizadas ao mesmo tempo em que acontecia essa lenta descida aos infernos2.
Graças a esses depoimentos, tão equilibrados quanto indiscutíveis, o jornalista não se contenta em relatar os acontecimentos: contribui para explicá-los. E essa explicação não confirma – é um eufemismo – a tese dos dirigentes israelenses, tanto trabalhistas como “likudistas”, quer se trate dos anos de Oslo, da cúpula de Camp David, da irrupção da segunda Intifada ou das negociações de Taba.
A autocrítica norte-americana
A lenda da “oferta generosa” de Ehud Barak prejudicada pela “intransigência” de Yasser Arafat pouco resiste à narrativa que o filme faz de Camp David
“Le Rêve brisé” nos lembra utilmente que o terrorismo abalou profundamente a paz – do assassinato de Itzhak Rabin aos atentados suicidas. Mas essa paz desde então já estava atingida em seu âmago pelo prosseguimento da colonização e o adiamento das retiradas israelenses, bem como das negociações sobre o estatuto final. Só é lamentável que, enfocando os projetores “do alto”, o documentário talvez passe um pouco depressa demais sobre a percepção que tiveram os palestinos, “de baixo”, dessa sabotagem.
A lenda da “oferta generosa” de Ehud Barak prejudicada pela “intransigência” de Yasser Arafat pouco resiste à narrativa de Camp David. Pois, como é enfatizado no filme, Barak dramatizou voluntariamente essa etapa de uma negociação a que Arafat pretendia dar prosseguimento. Da mesma forma, é a renúncia do primeiro-ministro israelense3, no início de dezembro de 2000, o que condena negociações que quase seriam bem sucedidas em janeiro, em Taba, tendo por base “parâmetros” sugeridos pouco antes pelo presidente William Clinton.
Ao que tudo indica, a verdadeira revelação do filme refere-se a esse último ponto. Numa autocrítica de grande repercussão, Dennis Ross, coordenador do Departamento de Estado para o Oriente Médio, lamenta que seu governo não tenha explicitado, desde o final de setembro de 2000, as novas propostas norte-americanas. E se israelenses e palestinos pudessem ter sido poupados da escalada da repressão, da “militarização” da Intifada, da eleição de Ariel Sharon e da reocupação violenta da Cisjordânia?
(Trad.: Regina Salgado Campos)
* Secretário de redação de Le Monde diplomatique.
1 – Le Rêve brisé, Fayard, 2002. Ler a esse respeito: Alain Gresh, “Uma paz despedaçada?”, Le Monde diplomatique, julho de 2002.
2 – Intervêm sobretudo, do lado palestino: Yasser Arafat, Marwan Barghouty, Yasser Abed Rabbo e Saeb Erekat; do lado israelense: Ehud Barak, Benyamin Netanyahou e Shimon Peres; do lado norte-americano, Madeleine Albright e Dennis Ross.
3 – O filme não especifica, mas é importante observar que nada nas leis orgânicas nem nos costumes políticos israelenses obrigava Barak a essa demissão; ele poderia ter se mantido em suas funções por vários meses, ter negociado o acordo com os palestinos e t
Dominique Vidal é especialista em Oriente Médio e membro sênior da equipe editorial de Le Monde Diplomatique (França).