Dezenas de milhares de inválidos
Num hospital na Faixa de Gaza, palestinos vítimas da violência ensandecida dos militares israelenses recebem tratamento de reabilitação médica, numa tentativa de recuperar, pelo menos parcialmente, sua capacidade físico-fisiológicaMichel Revel
Criado em 1996, o hospital El Wafa, pequeno estabelecimento com 51 leitos, é o único verdadeiro centro de reabilitação médica em toda a Faixa de Gaza. Seu diretor, o doutor Ibrahim Ghazal, promove visitas e apresenta alguns de seus pacientes. A guerra colonial – que o governo de Ariel Sharon teima em apresentar como autodefesa antiterrorista – não somente matou 2.435 palestinos entre setembro de 2000 e 20 de agosto de 20021
– 497 dos quais menores de 18 anos – como também feriu milhares de outros, cujas deficiências residuais os colocarão para sempre em situação de invalidez.
Como será a vida de Fadi, de 14 anos, que vive em hospitais desde janeiro de 2002 quando, ao voltar da escola, foi atingido na cabeça por uma bala disparada de um tanque? Incapaz de controlar os músculos, ainda não consegue se manter direito em uma cadeira de rodas. Além do mais, Fadi é afásico. A maior parte de seu tempo é gasta em salas de reabilitação, nas mãos de fisioterapeutas, que lutam para relaxar suas articulações. Um deles tenta brincar com Fadi, enquanto trabalha seus músculos, estirando e dobrando seus joelhos, mas as respostas do garoto alternam-se entre expressões de dor e de risos.
Perigo na horta
Será que, ao menos, Fadi poderá contar mais tarde com a dedicação familiar que tem Riad Ali Nasser? Hoje, com 43 anos, Riad também foi ferido na cabeça por uma bala, mas há 12 anos, durante a primeira Intifada. Riad não pode ficar de pé, só dispõe de alguns décimos de grau de visão no olho esquerdo e ouve muito mal, apesar de usar aparelho, que foi obtido graças à ajuda de organizações de caridade. Na visita ao irmão, é o filho Muhamad, de 17 anos, e a mulher, Itaf, que o transportam da charrete em que chegou à cadeira de rodas rudimentar, e que a empurram até a mesa onde o chá da amizade é servido pela filha, May.
Riad Ali Nasser, de 43 anos, foi ferido na cabeça durante a primeira Intifada. Não fica de pé e dispõe de alguns décimos de grau de visão no olho esquerdo
Zenab el Falit, de 45 anos, tem onze filhos de idades entre 6 e 23 anos, sendo que o mais velho está fazendo diálise. O marido está desempregado, como a maioria dos palestinos. No dia 8 de abril de 2002, às 13h30, Zenab el Falit colhia berinjelas e tomates da horta, quando partiram tiros dos tanques que protegiam a colônia israelense vizinha, distante 150 metros. Atingida por três balas, uma das quais perfurou sua coluna vertebral, Zenab é paraplégica desde então. Sem tônus muscular, seus membros inferiores permitem, quando muito, caminhar com dificuldade, sobre terreno plano, mas com a ajuda de uma aparelhagem pesada e bengalas. Só pode urinar com sonda, correndo o risco permanente de infecções. Jamais voltará a cuidar de sua horta…
Baleado no mercado
Randa El Kassir tem 38 anos. Seu primeiro marido foi morto durante a primeira Intifada. O segundo está desempregado. Randa tem quatro filhos, entre 6 e 15 anos. No dia 1º de maio de 2002, na periferia de Rafah, onde mora, Randa foi vítima de tiros dos tanque. Uma bala estourou sua terceira vértebra dorsal. Seus músculos do tronco e dos membros inferiores ficaram paralisados para sempre e ela terá dificuldades para se locomover com estabilidade, mesmo em uma cadeira de rodas. Estará sempre sob a ameaça de infecções urinárias e de feridas que exigirão constantes internações em hospitais.
Essas constantes hospitalizações também ditam a vida de Alam El Kabta, de 23 anos, tetraplégico C5, desde 23 de dezembro de 1992. Naquele dia, recebeu uma bala no pescoço no mercado de Gaza, onde passeava com o pai. Bom aluno, Alam queria ser engenheiro. Desde então, depende da ajuda do pai e dos seis irmãos e irmãs para fazer a higiene, se alimentar, ir da cama para a poltrona e ao banheiro, passear etc.
Menos brilhantes na escola, Kamal Britka, de 16 anos, Nassar El Rizzi, de 18 anos, e Youssef Mohamed El Mansi, de 17 anos, estavam destinados a trabalhar na construção civil e na agricultura. Uma bala os atingiu quando passeavam na rua: e agora são, respectivamente, paraplégico D8, D10 e hemiplégico. Sua movimentação será para sempre difícil e limitada.
Infância de terror e pânico
Zenab el Falit colhia berinjelas e tomates da horta, quando foi atingida por três tiros dos tanques que protegiam uma colônia israelense vizinha
Awad Sifi ficou oito semanas em coma após receber no pescoço e na mandíbula uma bala explosiva disparada de um tanque, apesar de se encontrar em casa, à janela, em 11 de fevereiro de 2002. Esse professor de 49 anos estava sempre disposto a ajudar pessoas na região de Jabalia, revela doutor Amee Jameh. Agora é tetraplégico e ainda na situação de traqueostomia. A mulher e os dez filhos esperam-no ansiosamente na casa que foi severamente atingida. Ele vai precisar da ajuda deles pelo resto da vida.
Wail Joudia, de 32 anos, teve mais sorte. No dia 4 de maio de 2002, quando voltava de Israel, onde trabalhava como carpinteiro, foi vítima de tiros vindos da colônia de Netzarim. Precisou ir ao Egito para operar uma fratura complicada no tornozelo direito. Após longo período de reabilitação, ficou apenas com rigidez e dores nas articulações. Certamente poderá retomar o trabalho, mas não sem dificuldades. Subir num andaime, ainda vai: mais difíceis, porém, serão as longas caminhadas pelos caminhos escarpados que contornam as barreiras de estradas israelenses…
Seria impossível prever quantos, dentre os 40 mil feridos (dos quais 8 mil menores) desta segunda Intifada, ficarão mutilados. Quantos ficarão com seqüelas duráveis, ou mesmo definitivas, vindo a engrossar a população dos inválidos vítimas de doenças congênitas ou adquiridas, ou de acidentes domésticos, de trânsito ou de trabalho? Como avaliar as feridas morais na população jovem que, após o terror