Ecologistas atraídos para a ação direta
Desde setembro de 2018, os ativistas ambientais não param de chamar atenção. Eles endureceram tanto em termos de modos de ação como de projeto político. Já não creem mais que a preservação do ecossistema seja compatível com o modelo capitalista de crescimento. Seria essa nebulosa capaz de se aproximar de outras lutas e chegar a um acordo sobre estratégias para derrubar a ordem estabelecida?
Retirar o retrato oficial do presidente da República da parede para exibi-lo em protestos, marchar pelo clima, bloquear instalações da Amazon, da Monsanto e do BNP Paribas, ações locais em todos os cantos: não passa uma semana sem que uma barulhenta iniciativa em nome da defesa do planeta seja empreendida. Muitas pessoas que nunca haviam militado por nada começaram a integrar e a virar do avesso organizações ambientalistas tradicionais, como Greenpeace, Friends of the Earth, Attac e France Nature Environment. Todos se dizem radicais, ou seja, comprometidos com a raiz dos problemas, que está no centro do sistema econômico e social que os gera. “Somos um movimento radical no sentido etimológico do termo, ou seja, que busca uma mudança profunda, com uma crítica radical ao sistema capitalista”, explica Gabriel Mazzolini. Encarregado das mobilizações na entidade Friends of the Earth, em dezembro de 2018 Gabriel foi colocado sob custódia da polícia durante uma ação não violenta realizada em frente à sede da Société Générale, banco francês acusado de apoiar “energias sujas”.
Essa radicalidade se expressa em graus muito diversos, segundo dois eixos que podem convergir, mas também divergir: o do fim do projeto político e o dos meios de ação. Movimentos como o Greenpeace e, ainda mais, o Sea Shepherd podem realizar operações muito ousadas, principalmente contra navios petroleiros ou baleeiros, ao mesmo tempo que têm um projeto de sociedade reformista e pode-se dizer até indiferente às questões sociais.
Embora poucos ativistas ambientais tenham origens modestas, essas questões não estão mais sendo ignoradas. “As pessoas estão enxergando que existe uma relação entre a superexploração do planeta pelas grandes multinacionais e as desigualdades sociais”, avalia o sociólogo Albert Ogien, do Centro de Estudos dos Movimentos Sociais do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). “Hoje o ambientalismo não se distingue mais dos problemas sociais.” Além disso, criar outras soluções, outros modelos, se ainda parece necessário, não parece mais suficiente. “Tentamos mudar no cotidiano, fazer planos com as prefeituras, com as comunidades, fazer passeatas… Nada mudou. Senti a necessidade de agir para além do que já havíamos feito”, resume Anne-Sophie Trujillo. A ativista da Alternatiba (“Alternativa”, em basco) e da Action Non Violente-Cop21 (ANV-Cop21) foi multada em 500 euros por ter tirado o retrato de Emmanuel Macron da prefeitura de Ain.
No início de outubro, 51 ativistas foram processados por “roubo em quadrilha” após participarem de retiradas do retrato de Macron de diferentes instalações públicas; dois foram liberados pelo tribunal penal de Lyon, que reconheceu um “estado de necessidade” provocado pela inação do Estado contra o aquecimento global. O promotor recorreu, enquanto outros ativistas foram condenados pelos mesmos fatos. Todos defendem a desobediência civil. Na verdade, trata-se mais de uma forma não violenta de ação direta. “Em atos de desobediência civil, uma pessoa decreta em plena consciência que não quer respeitar uma lei”, explica Ogien. “Ela diz: ‘Pode me prender, me colocar na cadeia, me processar, então poderei explicar por que acho essa lei ruim’. Se funcionar, a lei muda. As ações da Extinction Rebellion [como a ocupação das pontes de Londres], as retiradas do retrato do presidente dos prédios públicos e as campanhas contra a energia nuclear não têm como alvo uma lei específica.” A chegada desses novos ativistas confere maior amplitude a certas ações. Na Alemanha, todo ano o coletivo Ende Gelände bloqueia durante um dia a enorme mina de linhito a céu aberto de Garzweiler, na Renânia do Norte-Vestfália. Em sua primeira mobilização, em 2015, o grupo reuniu 1.500 pessoas; em 2019, havia entre 5 mil e 6 mil pessoas, que conseguiram impedir o funcionamento da mina durante 45 horas.
Embora a convergência com as passeatas pelo clima tenha ocorrido em muitas pequenas cidades, a revolta dos coletes amarelos jogou luz sobre uma fratura social, gritante em Paris. Jérôme Cassiot, um colete amarelo de Villefranche-sur-Saône que há muito tempo se interessa pelas questões ambientais, conta sua jornada em 16 de março de 2019: “Estávamos vindo da Champs-Élysées, que estava praticamente em guerra, e chegamos à Praça da República, onde acontecia a ‘Marcha do Século’ pelo clima. O contraste era tão chocante, na visão, no cheiro. Eu disse a mim mesmo: ‘Esse é o mundo dos ingênuos ou dos burguesinhos de esquerda. Eles não estão interessados no que se passa ao lado’. Éramos provavelmente uns trinta coletes amarelos por ali e parecíamos transparentes. Ninguém nos via”. Mathieu Bourbonneux, colete amarelo de Nantes, acha que existem diferenças: “Alguns grupos de ambientalistas mais radicais preferiram se manifestar diretamente com os coletes amarelos, que não querem negociação, e sim mudança de regime”. Presidente da Friends of the Earth, Khaled Gaiji admite com humildade: “Nós nos desencontramos. Demoramos a reagir. Houve uma certa síndrome das ‘boinas vermelhas’, com o medo da extrema direita. Também não foi fácil, porque os coletes amarelos estavam em lugares onde nossos ativistas não estavam. Tentamos corrigir a rota. Desde abril, estamos nos aproximando. Mas existe uma questão de códigos culturais, não é natural, estamos nos conhecendo”.
Esse desencontro também destaca a fratura que existe entre duas visões do ambientalismo. “Os movimentos que reivindicam a natureza sempre foram muito diversos, mas a maioria não integra discursos sobre progresso social”, explica Valérie Chansigaud, historiadora das ciências e do meio ambiente.1 “Existem comunidades reacionárias, como as espiritualistas, cujo discurso fala em natureza, mas não em emancipação. Os ‘colibris’ [Mouvement Colibris] e a antroposofia, por exemplo, estão nessa linha.2 E, embora a influência da antroposofia seja amplamente desconhecida, ela provavelmente é maior do que a dos movimentos revolucionários. O ‘nem direita nem esquerda’, que alguns ostentam orgulhosamente, reflete a falta de conhecimento das lutas sociais. Os ambientalistas que aderem ao Em Marcha! [LREM] vêm dessa corrente.”
Muitos ativistas da Friends of the Earth, que organizaram a candidatura de René Dumont para a eleição presidencial em 1974, se retrancaram no reformismo. Ironia do destino: se outrora se diziam adeptos do decrescimento, até anarquistas, hoje eles acreditam em um capitalismo virtuoso… “Precisamos abandonar essas ideias de grand soir e ver o que é possível fazer no nível regulatório”, acredita, por exemplo, Yves Lenoir, ativista da linha de frente da Friends of the Earth e do Greenpeace. “Precisamos de um capitalismo que tenha prioridades ambientais. Não devemos pensar em termos de desigualdade, senão somos bloqueados. Por razões históricas, existem pessoas que têm dinheiro. O que importa é o que elas fazem com esse dinheiro.”
Outra visão de ambientalismo surgiu na década de 1970. “Nos Estados Unidos e nos países anglo-saxões, tem se desenvolvido uma crítica mais radical, que articula a preocupação ambiental com uma denúncia cada vez mais forte do sistema capitalista”, explica Fabien Carrié, professor de Ciência Política da Universidade Paris-Nanterre. Movimentos britânicos como Animal Liberation Front (ALF) e Earth Liberation Front (ELF) distinguem-se por não aceitar nenhuma forma de hierarquia entre os seres vivos. Esses grupos anarquistas e anticapitalistas promovem ações diretas e contestam o reformismo dos outros grupos.3 “Na ALF e depois na ELF”, lembra Chansigaud, “encontramos uma crítica real ao capitalismo. No entanto, esses grupos continuam marginais, não tanto por seu número, mas mais por seu posicionamento. Esses ativistas tendem a fugir da sociedade. Isso desemboca nos movimentos punks e em diversas comunidades. Eles combatem a sociedade sem se envolver nela, sem ingressar em sindicatos nas empresas, por exemplo. Essa galáxia prenuncia a ZAD [zone à défendre, área sob defesa] de Notre-Dame-des-Landes. A ZAD é uma ação direta, ou seja, transformar a vida de maneira radical para ser coerente.” “Na ZAD, todas ou quase todas as dimensões da vida estão implicadas. E também há um perigo real”, completa Jean-Baptiste Comby, sociólogo, professor da Universidade Paris 2 Panthéon-Assas.
“Uma desobediência civil muito profunda”
A crítica ao ambientalismo reformista, aos “colibris” e à explosão do desenvolvimento pessoal alimenta um grande número de publicações, como o site Terrestre e os jornais La Décroissance e Silence. Esse movimento mais revolucionário denuncia os políticos eleitos, inclusive os da Europa Ecologia-Os Verdes, que viram a casaca para conseguir posições de poder. Ele se opõe à construção de coletivos formados por egos pouco inclinados a agir em conjunto e, definitivamente, não politizados.4 Os novos ativistas, tanto os da Youth for Climate como os da Extinction Rebellion, condenam severamente as manobras políticas e tomam o cuidado de evitar qualquer forma de aproximação com partidos.
“Somos completamente apartidários”, diz Marin Bisson, de 16 anos, da Youth for Climate Lyon. “Tentamos nos manter longe dos partidos políticos para não sermos assimilados a eles. Queremos mostrar que os jovens estão se levantando em nome de seu futuro. Internamente, nem todo mundo concorda com a linha política.” Para Antoine, da Youth for Climate Paris, “a via política não deve ser completamente esquecida. É um modo de ação que não deve ser subestimado, embora devamos saber que isso não vai nos salvar. Eu acho que criar vínculos com ativistas que estão em partidos ambientalistas pode ser uma força adicional”. Alguns ambientalistas desejam usar o sistema eleitoral para organizar municípios autogeridos. O Collectif pour une Transition Citoyenne, sobretudo com o movimento Utopia, e a organização Démocratie Ouverte propõem a criação de listas participativas para ganhar prefeituras nas eleições municipais de 2020.
A redescoberta de pensadores como Élisée Reclus, da ecologia social, do municipalismo libertário de Murray Bookchin e da ecologia política de André Gorz promove uma reapropriação dos conceitos de luta de classes e desigualdade social por uma geração que o conforto e o consumo excessivo haviam despolitizado.
O movimento Alternatiba, que, nascido em 2013, protesta contra as mudanças climáticas, está no centro dessa contradição entre a necessidade de ampliar a base, abrindo-se a categorias sociais pouco militantes, e o desejo de construir um projeto de sociedade radicalmente diferente. “Com as ‘aldeias de alternativas’, observamos um discurso consensual, que não designava adversários, sem análise estrutural”, descrevem Nicolas Brusadelli e Yannick Martell, sociólogos, que acompanham o movimento desde 2014. “Eles conseguiram reunir em um mesmo local pessoas que não concordam em nada, mas que têm o mesmo estilo de vida. Quase todos os membros da Alternatiba são da classe média. É despolitizante para os ativistas altermundialistas, mas é muito politizante para pessoas que vêm de muito mais longe, como profissionais de nível superior da indústria. Essas pessoas, quando entram na Alternatiba, iniciam um processo que explode sua vida, chegando a produzir rupturas familiares. O processo de politização faz questionar a visão usual que cada um tem dos movimentos sociais. Em um segundo momento, o nascimento da ANV-Cop21 permitiu avançar para formas de ação mais concretas e romper com o ativismo de gabinete praticado pelas grandes organizações.”5
A revolta ocorrida em meados do primeiro semestre mexeu com os ambientalistas mais reformistas. “Os coletes amarelos reintroduziram a questão da relação de classe. É o primeiro passo para a politização”, analisa Comby. Até o cineasta Cyril Dion, que iniciou, ao lado de Pierre Rabhi, o movimento dos “colibris”, hoje apoia publicamente os coletes amarelos e diz não acreditar na capacidade de as instituições atuais mudarem para resolver a crise ambiental.
A emergência social enfrenta uma emergência ambiental cada dia mais aguda. Os lemas e a logomarca da Extinction Rebellion – uma ampulheta dentro de um globo – resumem a situação: o tempo está se esgotando. Dentro dela, os debates giram em torno da saída do capitalismo e da civilização industrial. Muitos ativistas querem ir mais longe na ação direta e desenvolveram uma crítica contra as falsas soluções. Prova disso são as duras críticas dirigidas ao grupo de Maxime de Rostolan, fundador das “fazendas do futuro”, que promovem uma agricultura orgânica, porém produtivista e apoiada pelas multinacionais do agronegócio. O festival L’An Zero, que ele queria organizar em agosto de 2019, teve de ser cancelado após a mobilização de dezenas de coletivos que classificaram o evento como “ecomacronista”. Os instigadores do festival declaravam como objetivo alcançar uma “convergência” para uma transição ecológica e democrática por meio de “soluções inovadoras” apresentadas por start-ups. Seus opositores denunciavam uma tentativa de desviar as energias de ativistas honestos para uma transição que não passaria de um engodo.
Para os grupos de ativistas, a urgência da situação torna necessário ampliar o leque das ações habituais: recursos jurídicos, manifestações, greves, bloqueios de locais públicos e de empresas poluidoras, reapropriação de espaços, sabotagem. Cada vez mais grupos aceitam a ideia de uma diversidade de táticas, possibilitando que cada um possa agir segundo seu próprio método. “Acho que é preciso lançar mão de tudo”, observa Vipulan, de 15 anos, membro da Youth for Climate. “Campanhas de conscientização, marchas, greves e também ações um pouco mais fortes, como ocupações, bloqueios…” “Dois anos atrás, fiz um treinamento sobre desobediência civil com a ANV-Cop21”, conta Lena, de 21 anos, que faz graduação em Matemática-Física na Sorbonne e é membro da Désobéissance Écolo Paris e da Youth for Climate. “Criamos a Désobéissance Écolo Paris porque somos muitos que não estão em desobediência civil. Nós nos sentíamos inúteis com a abordagem reformista. Quando vemos a história do movimento ambientalista, é bem deprimente. Precisamos ser mais criativos, evitar fazer sempre a mesma coisa. Para enfraquecer o poder a ponto de ter um equilíbrio de forças a nosso favor, seria necessária uma desobediência muito profunda, realizando, por exemplo, o bloqueio por certo tempo de locais estratégicos.” Essa complementaridade fez o sucesso da ZAD de Notre-Dame-des-Landes. “Em 2012 [durante a operação ‘César’], foi sobretudo a diversidade de táticas que permitiu a vitória. É nossa capacidade de surpreender que conta”, observa Isabelle Frémeaux, moradora da ZAD e cofundadora do coletivo The Laboratory of Insurrectionary Imagination.
O fracasso do contra-G7
No entanto, a complementaridade das ações ainda tropeça na questão estratégica do uso da violência. “Para nós, a complementaridade das táticas produz o efeito groselha. Imagine um copo de água; dentro, você coloca uma dose de groselha – ou seja, uma dose de violência. No final, tudo o que vemos é a groselha. Perdemos o mérito e o motivo da ação. Estamos cientes do equilíbrio de forças existente e não somos ingênuos quanto à rigidez do sistema político; é por isso que precisamos massificar o movimento”, explica Gabriel Mazzolini, da Friends of the Earth. “Essa história de copo de groselha é etnocentrismo de classe”, responde Comby. “Não é porque a mídia dominante denuncia veementemente o vandalismo e a sabotagem que todo mundo pensa assim. Mas, na realidade, isso invisibiliza as outras violências: institucional, policial etc.” Esconder-se atrás da proclamação de não violência pode equivaler a negar a existência de uma violência oculta dos dominantes e de uma violência de Estado, policial, que afeta sobretudo as classes menos favorecidas. Mutilação, cegamento, brutalidades de todo tipo: a gravidade dos ataques à integridade pessoal praticados durante a repressão dos coletes amarelos causou pouca comoção se comparada a outros momentos, como durante as manifestações estudantis de dezembro de 1986, marcadas pela morte de Malik Oussekine.
Hoje, nenhum grupo ambientalista defende o uso de violência física. Para Lena, é óbvio: “Simplesmente não queremos ser violentos com os seres vivos, mas não há limites em relação aos elementos materiais”. Nos discursos mais radicais, como o do Comité Invisible, o foco está no dano material e na sabotagem. “Para organizar uma coalizão, é preciso aprender a trabalhar com pessoas que não compartilham da mesma visão”, avalia Chansigaud. “Isso significa saber ouvir e respeitar uns aos outros, quaisquer que sejam as opiniões de cada um.” Ficar irredutível em sua posição e agarrar-se dogmaticamente à sua estratégia resulta em grandes fracassos, como aconteceu na contracúpula do G7, no País Basco, em agosto de 2019. Mais de cinquenta organizações tentaram se reunir na plataforma G7 EZ. As dissensões acabaram vencendo. Quase nenhuma das ações planejadas pela plataforma conseguiu ser realizada.
Outras ações foram bem-sucedidas, como quando pouco mais de 2 mil ativistas se coordenaram a partir do chamado do Greenpeace, da ANV-Cop21 e da Friends of the Earth para bloquear sedes de diversas empresas e do Ministério da Transição Ecológica e Solidária em La Défense, Paris, em abril de 2019. O bairro ficou paralisado e nenhuma custódia policial foi registrada. Muitos ativistas dizem que um bloqueio mais longo não teria sido aceito pelos organizadores. Teria sido necessário discutir no local a continuidade da ação. O mesmo problema se deu para a mobilização de 21 de setembro de 2019. Os grupos Désobéissance Écolo Paris, Youth for Climate e Extinction Rebellion se organizaram com grupos de coletes amarelos para apoiá-los no oeste de Paris e depois bloquear instalações do governo. Paralelamente, a ANV-Cop21, a Friends of the Earth, o Greenpeace e outros grupos organizaram a “mobilização geral”, uma marcha não violenta entre o Jardim de Luxemburgo e o Parc de Bercy.
“Não queríamos outro 16 de março”, diz Lena, da Désobéissance Écolo Paris. “Os coletes amarelos estenderam a mão a outras organizações. Eles queriam fazer manifestações em instalações do governo, mas estavam abertos para o resto. A Alternatiba e a ANV pareciam concordar, mas pediram uma garantia de que a mobilização não seria violenta. Então, claro, não deu certo.” “Estão pedindo para desistirmos do consenso de ação”, reage Txetx Etcheverry, cofundador da Bizi! (“Viver”, em basco) e depois da Alternatiba. “É uma questão de estratégia. Sou favorável a construir um equilíbrio de forças que nos permita ter vitórias e fortalecer as alternativas que corroem o capitalismo. Isso requer massificação e radicalização. Para nós, a violência, como a complementaridade violência/não violência, é uma estratégia perdida, a longo prazo, diante de um inimigo que tem tantos recursos. Não vamos nos intrometer nas estratégias dos outros. Eu gostaria de poder seguir a nossa.” Parcialmente impedidos de chegar à Champs-Élysées, muitos coletes amarelos acabaram se juntando à manifestação pelo clima, deslocando consigo as forças da ordem, que não hesitaram em atacar a pancadas ou com gás lacrimogêneo famílias com crianças e os manifestantes mais pacifistas.
Em compensação, a intervenção no centro comercial Italie 2, em Paris, no sábado 5 de outubro, é apresentada como um sucesso. Um grupo heteróclito de ativistas pelo clima, coletes amarelos e jovens de bairros populares trabalharam juntos para bloquear o local por 18 horas, até a assembleia geral votar pela saída, por volta das 4 horas da manhã. Eles fizeram uma boa organização prévia, e cada grupo tinha uma tarefa. Durante a tentativa de expulsão pelas brigadas especiais da polícia, no início da noite, a decisão coletiva foi permitir a formação de uma barricada por grupos mais habituados a confrontos. Eles impediram a entrada da polícia e, assim, evitaram que os ativistas fossem levados.
Quando os grupos passam muito tempo se contradizendo, a eficiência geral diminui. A divisão em torno da violência permite à máquina midiática separar os ativistas em “bons” e “maus”. Isso traz o risco de que se possa reprimir os “maus” tranquilamente, com dispositivos de segurança cada vez mais duros. Em um relatório publicado em junho de 2019 sobre a radicalização de grupos de extrema direita, uma comissão de inquérito da Assembleia Nacional pediu a extensão dos instrumentos de luta contra a radicalização de movimentos como os veganos e os anarquistas.6 “O prisma escolhido para a investigação era a ultradireita, mas queríamos ampliá-la para todos os grupos extremistas. Então temos recomendações aplicáveis a qualquer esfera de ultradireita ou de ultraesquerda, ou seja, qualquer associação que questione os fundamentos da República”, explica Adrien Morenas, deputado do Em marcha! e relator dessa comissão de inquérito. “Existe um inegável movimento violento de ultraesquerda. No nível do ambientalismo, são os grupos envolvidos com a questão da criação de animais e da carne.” Embora esclareça que seu alvo não sejam todos os veganos, ele considera que mesmo ações dedicadas à exposição constrangedora (name and shame) constituem violência.
“A esfera do que é permitido em termos de política e de ativismo é cada vez mais restrita”, analisa Vanessa Codaccioni, professora da Universidade Paris 8. “Não toleramos mais que as pessoas expressem uma reivindicação a não ser por meio de formas pacíficas e legalistas, como o voto. Logo classificaremos certas formas de luta como radicalismo, violência. A radicalização ativista é a passagem de métodos de ação legais para ações ilegais, hoje equiparadas ao terrorismo.7 O poder busca em seu aparato legislativo os meios para reprimir um movimento ao qual não deseja responder, daí a lei sobre os vândalos. Historicamente, os dispositivos repressivos foram desenvolvidos para lidar com a extrema direita e logo em seguida aplicados à extrema esquerda. As respostas não são mais políticas, mas repressivas.”
As lições de Creys-Malville
Dividir para reprimir: o método já derrotou muitos movimentos ambientalistas. Em julho de 1977, a luta contra o projeto do super-reator de plutônio Superphénix em Creys-Malville chegou ao auge. Enquanto a imprensa destacava a presença de hordas de alemães radicais, dezenas de milhares de ambientalistas vindos de toda a Europa enfrentavam a proibição de se manifestar e a feroz repressão, feita inclusive com o uso de granadas ofensivas. O saldo: muitos feridos, um morto – Vital Michalon – e o esvaziamento da mobilização antinuclear na França. O reator foi construído e teve muitas dificuldades técnicas. Após uma guerrilha jurídica, os Verdes conseguiram seu desmantelamento, no contrato do governo feito em 1997 com Lionel Jospin, primeiro-ministro da “esquerda plural” que reuniu socialistas, ecologistas e comunistas até 2002. “Na Grã-Bretanha, desde 2001 e das leis antiterrorismo, a ALF e os grupos que lutavam contra laboratórios de testes em animais foram decapitados”, diz Carrié. “Os líderes foram presos. Os ativistas não podem se aproximar dos laboratórios para além de um perímetro legal determinado.”
O fracasso do contra-G7 fez os ativistas pensarem. “É importante fazer uma composição real, aceitar fazer coisas com pessoas diferentes, vindas de outras lutas”, avalia Frémeaux. “É necessária uma mobilização geral, mas nem todos precisam estar na linha de frente. É preciso gente para cozinhar, para organizar. Mas também não se podem esperar resultados imediatos. O movimento antiestradas na Inglaterra perdeu todas as batalhas nessa ou naquela estrada, mas ficou tão forte, custava tão caro expulsar tanta gente toda vez, que o governo acabou cancelando um programa que incluía trezentas estradas.” A escritora Rebecca Solnit escreveu: “A relação de causa e efeito sugere que a história avança, mas não é um exército. É um caranguejo que caminha de lado, uma gota de água que escorre pela pedra, um terremoto que quebra séculos de tensão”, disse. A aproximação entre a Extinction Rebellion, vários grupos de coletes amarelos e a Youth for Climate parece fazer parte dessa coalizão em construção. Será que o caranguejo vai começar a pinçar com força?
Claire Lecœuvre é jornalista.
1 Cf. Valérie Chansigaud, Les Combats pour la nature. De la protection de la nature au combat social [As lutas pela natureza. Da proteção da natureza ao combate social], Buchet Chastel, Paris, 2018.
2 Ler Jean-Baptiste Malet, “L’anthroposophie, discrète multinationale de l’ésotérisme” [Antroposofia, uma discreta multinacional do esoterismo], Le Monde Diplomatique, jul. 2018.
3 Cf. David Pellows e Hollie Nyseth Brehm, “From the new ecological paradigm to total liberation: The emergence of a social movement frame” [Do novo paradigma ecológico à libertação total: o surgimento das balizas de um movimento social], Sociological Quarterly, n.56, Omaha, 2015.
4 Maxime Chédin, “La ZAD et le colibri: deux écologies irréconciliables?” [A ZAD e o colibri: dois ambientalismo inconciliáveis?], e a resposta de Cyril Dion: “Résister, mais comment?” [Resistir, mas como?], Terrestres, respectivamente 15 nov. 2018 e 16 jan. 2019. Disponível em: <www.terrestres.org>.
5 Cf. Nicolas Brusadelli, Marie Lemay e Yannick Martell, “L’espace contemporain des ‘alternatives’” [O espaço contemporâneo das “alternativas”], Savoir/Agir, n.38, Vulaines-sur-Seine, 2016.
6 “Rapport sur la lutte contre les groupuscules d’extrême droite en France” [Relatório sobre a luta contra grupos de extrema direita na França], Assembleia Nacional, Paris, 6 jun. 2019.
7 O que Éric Denécé e Jamil Abou Assi também fazem em Écoterrorisme. Altermondialisme, écologie, animalisme [Ecoterrorismo. Altermundialismo, ambientalismo, animalismo], Tallandier, Paris, 2016.