Miscelânea
“Educação contra a barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar” e “Previdência: o debate desonesto”
EDUCAÇÃO CONTRA A BARBÁRIE: POR ESCOLAS DEMOCRÁTICAS E PELA LIBERDADE DE ENSINAR
Fernando Cássio (org.), Boitempo Editorial
Entre a perplexidade e o cuidado, movimentos sociais, entidades e organizações do campo de defesa de direitos aconselharam cautela nestes primeiros meses de governo Bolsonaro. A recomendação era compreender como seriam traduzidos, do ponto de vista institucional, os rompantes do presidente recém-eleito. E a amostra não deixou a desejar, ainda mais quando miramos a educação, cujas palavras de ordem do momento são: defesa absoluta da família (no singular mesmo), cortes de gastos, busca incessante da eficácia, disciplina e respeito à ordem “natural” de todas as coisas. Traduzindo para bom português: a barbárie.
Como uma caixa de ferramentas, o livro Educação contra a barbárie apresenta um diagnóstico preciso das ameaças à educação, revelando os atores implicados e suas motivações. O objetivo é qualificar o debate educacional e nele incidir, trazendo subsídios para a luta política e a construção de estratégias de resistência e reinvenção.
Organizada por Fernando Cássio, professor da UFABC, a obra traz, em seus 26 ensaios, importantes reflexões sobre a aliança entre o ultraconservadorismo e as medidas neoliberais a serviço da manutenção das desigualdades e da financeirização da educação, que propõe a destruição a partir da escola, reforçando mitos de que os processos de aprendizagem prescindem do ensino – portanto, de professores bem remunerados e autônomos – ou então de que a questão não é investimento, e sim gestão eficaz dos recursos, possível somente por meio das parcerias com fundações e institutos empresariais, pela aquisição de suas soluções tecnológicas mágicas, a preços exorbitantes, que assegurem aos alunos e alunas as aptidões necessárias para ocupar seus lugares nas inúmeras fileiras da informalidade ou de trabalhos precarizados.
O caminho proposto pelo livro passa por uma análise das agendas educacionais tecnicistas do empresariado brasileiro, pelo pânico moral fomentado pelos fundamentalistas de plantão no contexto escolar e, por fim, pela pedagogia de e em resistência, que cria no interior dos sistemas educacionais edificados para a dominação o ambiente para uma insurgência na qual a educação como prática da liberdade insiste em ter esperança, necessária para a construção de novas utopias e para a transformação social.
[Juliane Cintra de Oliveira] Jornalista e coordenadora de comunicação da Ação Educativa.
PREVIDÊNCIA: O DEBATE DESONESTO
Eduardo Fagnani, Editora Contracorrente
“É preciso coragem intelectual para marchar na contramão das unanimidades construídas em torno da reforma da Previdência”. “[Eduardo Fagnani] vai além da coragem e nos oferece uma análise percuciente e abrangente das ameaças que rondam os brasileiros, embuçadas nos disfarces do equilíbrio fiscal e da justiça social”, afirma o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, que assina o prefácio do livro do economista da Unicamp.
Na perspectiva democrática, para que se façam ajustes, o diagnóstico técnico elaborado pelo governo, apontando os reais problemas a serem enfrentados, deve ser amplamente discutido pela sociedade, diz Fagnani. Entretanto, “no Brasil, o diagnóstico é intencionalmente distorcido, impõe falsa ideia da realidade e induz intencionalmente ao erro. Não há debate real, de questões reais. O que se ouve é uma fala convulsiva, mentirosa, ativamente falseada, baseada na desonestidade intelectual de grande parte dos especialistas hoje no poder no Brasil, do próprio governo, do mercado e da mídia corporativa”, arremata o autor.
O livro aponta que há trinta anos o grande capital desenvolve campanha ideológica para demonizar a Previdência. Para Fagnani, se houvesse debate, a sociedade teria chance de saber que são falsas suposições – por exemplo, de que o Brasil “não exige idade mínima para a aposentadoria” e a Previdência “é o maior item do gasto público”. O debate desonesto também contempla a difusão do “terrorismo” demográfico (“não há alternativas”), financeiro (o “déficit” é “explosivo”) e econômico (sem a reforma “o Brasil vai quebrar”). São “bombas-relógio” de ficção, diz o autor.
Não pode haver debate qualificado, pois ele revelaria que o propósito velado não é reformar a Previdência, e sim destruir o modelo de sociedade pactuado em 1988. O real objetivo é transitar a Seguridade Social para o Seguro Social e para o assistencialismo.
“Mas há alternativas”, diz Fagnani. A primeira é crescer para elevar as receitas. A segunda é exigir maior equidade na contribuição das classes de maior renda – os verdadeiros privilegiados.
[Marilane Oliveira Teixeira] Economista e pesquisadora do Cesit-Unicamp.
<INTERNET>
Novas narrativas da web
Sites e projetos que merecem seu tempo
Como nasce um radical de direita
O New York Times pegou o histórico de navegação no YouTube de Caleb Cain, um jovem que abandonou o discurso radical de direita, e analisou mais de 12 mil vídeos a que ele assistiu e 2.500 buscas que ele fez no site. As entrevistas com ele e seus dados de navegação mostraram como um rapaz desiludido foi direcionado para um grupo de reacionários de extrema direita que entendiam muito de algoritmos e de internet, e como o YouTube talvez tenha sido fundamental na promoção desse encontro.
<http://bit.ly/youtube-radical>
Amsterdã do Estado Islâmico
Mosul é uma das cidades mais antigas do mundo e está localizada no norte do Iraque. No momento em que foi invadida pelo Estado Islâmico, em 2014, entre 1,5 milhão e 2 milhões de pessoas viviam lá (Belo Horizonte tem cerca de 1,5 milhão de habitantes). As escolas começaram a ensinar a violenta doutrina do EI. Pessoas foram executadas em praça pública. Na Holanda, um canal fez um game interativo em que você toma decisões, como os habitantes de Mosul tiveram de tomar, mas como se a invasão fosse em Amsterdã. Está tudo em holandês, mas com o tradutor do browser funciona bastante bem.
<https://iamosul.nl>
Idas e vindas
O primeiro webdocumentário apresentado como projeto de conclusão do curso de Jornalismo da ESPM não perde nada para projetos multimídia profissionais. As alunas ouviram histórias de estrangeiros que vieram para o Brasil e de brasileiros que saíram do país. Montaram um site interativo com dados sobre movimentos migratórios e depoimentos em vídeo. “Hoje, a estimativa é de que existam entre 700 mil e 1 milhão de estrangeiros morando aqui. Este webdocumentário mostra algumas histórias de quem procura melhores condições de vida, mas também de quem mudou por amor, sempre em busca da esperança de uma vida melhor”, explicam.
<http://idasevindasdoc.com.br>
[Andre Deak] Diretor do Liquid Media Lab, professor de Jornalismo e Cinema da ESPM, mestre em Teoria da Comunicação pela ECA-USP e doutorando em Design na FAU-USP.