Em nome da igualdade, mais desigualdades
A queda dos níveis de aposentadoria, ao longo das reformas sucessivas, já levou diversas pessoas – as que têm meios para isso – a pagar uma previdência complementar junto às seguradoras privadas. Esse é, no fundo, o objetivo implícito dessas reformas
Até o momento, as reformas da previdência foram conduzidas em nome do equilíbrio financeiro. Agora que o déficit está sendo reduzido – a custo de uma queda contínua do nível das aposentadorias –, é a “igualdade” que é posta à frente por Emmanuel Macron. Pilotado por um alto-comissariado dirigido por Jean-Paul Delevoye, o projeto tem por objetivo oficial criar um “regime universal”, substituindo os 42 regimes atuais, e se pretende mais justo, simples e compreensível: “Um euro cotizado dará os mesmos direitos. […] Numa carreira idêntica e com uma renda idêntica, a aposentadoria deve ser idêntica”, martela um comunicado do alto-comissariado.1 Assim, com uma carreira curta e um salário baixo, aposentadoria baixa! A mesma coisa para todo mundo…
Hoje, a aposentadoria é composta de regimes básicos por anuidade e regimes complementares por pontos – principalmente a Associação pelo Regime de Aposentadoria Complementar (Arrco), para todos os trabalhadores, e a Associação Geral das Instituições de Aposentadoria dos Executivos (Agirc), para os executivos. São regimes por repartição: as cotizações dos ativos servem diretamente para pagar as pensões. Nos regimes por capitalização, elas alimentam os investimentos financeiros cujo rendimento futuro (incerto) vai determinar o valor da pensão. A capitalização vem de uma lógica de seguro individual, oposta à solidariedade, que é o fundamento da proteção social francesa.
Com efeito, na idade inicial legal (62 anos atualmente), um regime de anuidades garante uma taxa de substituição (relação entre a pensão e o salário) para uma carreira completa definida pelo número de anos cotizados (de quarenta anos e quatro meses a 43 anos, segundo a data de nascimento); ele dá então uma visibilidade sobre a futura pensão. Em um regime por pontos – a opção escolhida pelo governo, segundo os documentos publicados –, as cotizações servem para comprar pontos ao longo de toda a vida ativa. No momento da aposentadoria, o valor do benefício é calculado multiplicando-se o número de pontos adquiridos pelo valor que se chama de “valor de serviço”. Este último, assim como o preço de compra, é ajustado a cada ano pelos gestores dos fundos de previdência de maneira a equilibrar as finanças. Não há taxa de substituição garantida nem noção de “carreira completa”, então não há visibilidade sobre a pensão. Esta reflete muito mais a soma das cotizações pagas ao longo da carreira: ela reforça a “contribuição” do sistema. Por outro lado, a parte da solidariedade – atribuída sem contrapartida de cotizações – fica bem reduzida. A lógica da contribuição se opõe à lógica da solidariedade e da justiça social, que implica uma redistribuição para as pessoas que só conseguiram poucos direitos de pensão.
Outra opção – que tinha a preferência do presidente – foi cogitada no início: o regime em contas de noção, como na Suécia. Nesse modelo, as cotizações são transferidas para uma conta individual. No momento da aposentadoria, o valor acumulado é revalorizado (segundo a taxa de crescimento da renda da atividade média), depois dividido pela expectativa de vida restante em teoria, que varia segundo a faixa etária. Concretamente, pessoas que se aposentam aos 65 anos e cuja expectativa de sobrevida é de vinte anos verão o valor de seus direitos adquiridos – e consequentemente o nível de sua pensão anual – dividido por vinte. Mais expectativa de vida, menos pensão. A soma das pensões recebidas durante a aposentadoria se aproxima, assim, ainda mais da soma das cotizações pagas.
Essa opção parecia ter sido afastada. No entanto, o documento de trabalho de fevereiro do alto-comissariado sobre as “regras de pilotagem do sistema universal” indica que a “consideração da expectativa de vida é necessária”, enquanto Delevoye garante que o valor do ponto integrará a expectativa de vida.2 Teoricamente, as mulheres, que vivem em média mais tempo, não deveriam ser prejudicadas: as diretivas europeias proíbem qualquer discriminação em função do sexo.
Acontece, porém, que diversos indivíduos não respeitam a expectativa de vida teórica de sua faixa etária! Assim, os operários morrem em média seis anos mais cedo que os executivos. O nível de renda também tem um papel: os 5% mais ricos têm expectativa de vida treze anos superior à dos 5% mais pobres entre os homens e oito anos entre as mulheres.3 Se o cálculo por pontos integra também a expectativa de vida, o sistema vai operar uma grande redistribuição dos operários para os executivos e das baixas rendas para as altas rendas. Contrariamente ao que é prometido, o euro cotizado não dará “os mesmos direitos”, já que estes dependerão do ano de nascimento e da idade da aposentadoria.
Além disso, com esse sistema, o cálculo da pensão leva em conta o conjunto da carreira, e não mais os 25 melhores anos de salário, como é o caso hoje no regime geral, ou os últimos seis meses, como na função pública. Qualquer período não trabalhado provoca, assim, uma redução na pensão. As pessoas que tiveram períodos de desemprego não indenizado ou de contratos de meio período, carreiras curtas ou baixos salários são automaticamente prejudicadas. Na reforma de 1993, o cálculo já tinha sido modificado para tomar como referência a média dos 25 melhores anos, em vez dos dez melhores de anteriormente. A reforma culminou em uma baixa importante do valor da aposentadoria, mais severa ainda para as mulheres, que, por terem carreiras mais curtas, contam com mais anos ruins. Para as gerações nascidas entre 1945 e 1954, a queda da pensão de base atingiu 16% para os homens e 20% para as mulheres.4
Da mesma forma, para os funcionários públicos, a consideração de toda a carreira, em vez dos seis últimos meses, acarretará uma diminuição das aposentadorias. É então previsto que os prêmios sejam integrados ao cálculo,5 o que não é o caso hoje em dia. Mas nada garante que essa integração seja suficiente: tudo depende de seu valor. E as mulheres funcionárias públicas recebem prêmios significativamente menos elevados que os homens.6 Além disso, em diversas funções não existem prêmios. Delevoye reconhece que existirão funcionários prejudicados, mas estima que será preciso “aproveitar essa oportunidade para eventualmente colocar em ação uma política de remuneração”!7
As desigualdades entre homens e mulheres serão aumentadas. Basta comparar as pensões recebidas nos regimes por anuidade e nos regimes complementares por pontos. As pensões das mulheres representam entre 41% (Agirc) e 61% (Arrco) das dos homens, contra uma porcentagem entre 74% e 90% nos regimes por anuidade. A relação é sistematicamente mais fraca nos regimes por pontos.
O governo pode afirmar o quanto quiser que mantém o princípio de repartição, mas seu plano integra a abertura à capitalização. Na faixa de salário mensal superior a 10 mil euros brutos (contra 27.016 euros atualmente), não se cotizará mais no sistema comum; esses altos salários deverão ser submetidos a uma poupança-aposentadoria em aplicações financeiras, que dará direito a vantagens fiscais – pagas por todos os contribuintes, como está previsto desde já na Lei Pacto, adotada em 11 de abril de 2019. Essa medida é apresentada como um fator de justiça. Mas tendo a capitalização colocado assim um pé na porta do sistema, seu campo poderá facilmente ser ampliado, diminuindo o limite de renda que não pode mais cotizar no regime universal. Ainda mais porque a queda dos níveis de pensão, ao longo das reformas sucessivas, já levou diversas pessoas – as que têm meios para isso – a pagar uma previdência complementar junto às seguradoras privadas. Esse é, no fundo, o objetivo implícito dessas reformas.
Da mesma maneira, Delevoye gosta de ressaltar: “A aposentadoria é o reflexo da carreira; isso é algo justo. Se você tem uma bela carreira, você tem uma bela aposentadoria; se você tem uma carreira menos bela, você tem uma aposentadoria menos bela”.8 Porém, isso traduz não a igualdade clamada pelo governo, mas um cálculo automático cego, pois nem todo mundo tem as mesmas oportunidades de fazer uma bela carreira, nem que seja pelo simples fato do desigual acesso aos diplomas segundo as categorias sociais, as dificuldades econômicas, os riscos de doenças e as normas sociais que atribuem às mulheres a educação dos filhos. A igualdade consistiria precisamente em garantir uma pensão conveniente àqueles que tiveram uma carreira menos bela.
Foi para levar em consideração essas questões que os dispositivos de solidariedade (direitos familiares, pensão mínima, reversão etc.) foram integrados ao longo do tempo ao sistema de aposentadorias, pela atribuição de direitos não contributivos (que não são a contrapartida das cotizações). Claro, o projeto não cogita suprimir a solidariedade, a despeito das declarações paradoxais sobre o tema “pensão, reflexo da carreira”. Pontos seriam acordados para “levar em conta as interrupções da atividade ligadas às questões de carreira ou de vida”, “as carreiras longas, as profissões desagradáveis, a deficiência”, e para “compensar os impactos, sobre a carreira dos pais, da chegada ou da educação dos filhos”. Quando sabemos que, por causa desses impactos, as desigualdades de pensão entre as mulheres e os homens são ainda hoje de 25% em média, ou que as negociações pela consideração da dificuldade, inscritas na lei de agosto de 2003, ainda não foram terminadas, entendemos que seria preciso um reforço consequente da solidariedade.
No entanto, foi decidido que a reforma será feita com um orçamento fixo e que a despesa atual, de 13,8% do PIB, representa um teto para o futuro. Podemos desde então temer uma nova queda das pensões, pois, segundo os documentos, a solidariedade constituiria um bloco distinto do coração do sistema ligado aos direitos contributivos, e seu financiamento viria – mais do que hoje em dia – da fiscalidade, portanto do orçamento do Estado. No contexto atual de busca pela redução das despesas públicas, existe aí um risco de regressão. O alto-comissário, inclusive, está consciente disso, já que declarou: “Se eu confiasse a Bercy [Ministério da Economia e das Finanças] a direção do sistema, acho que haveria uma grande preocupação”.9 Belo eufemismo. Na verdade, a decisão de colocar um teto ao peso das aposentadorias em relação à riqueza produzida, sendo que a proporção de aposentados na população vai aumentar, é o mesmo que programar o empobrecimento destes…
Quanto à pretendida liberdade de escolher entre partir e continuar a trabalhar para adquirir pontos suplementares, ela se reduz a pouca coisa quando sabemos que apenas metade das pessoas continua empregada no momento de pedir a aposentadoria e que a usura profissional acontece bem antes da idade de partida em grande parte das profissões. Além disso, postergar a aposentadoria poderia se revelar um cálculo ruim, pois não há garantias de que o valor do ponto não vá baixar.
A orientação em direção a uma pilotagem automática para equilibrar o sistema impede qualquer debate sobre as questões políticas da evolução das aposentadorias. Fixar um teto às despesas ligadas a elas permite evitar a discussão, que no entanto é essencial sobre a partilha da riqueza produzida entre rendas do trabalho (massa salarial, incluindo as cotizações) e rendas do capital (que sabemos que não param de aumentar). A única solução em ação hoje em dia consiste em arbitrar entre os interesses daqueles que trabalham e daqueles que trabalharam, entre população ativa e população aposentada…
*Christiane Marty é pesquisadora. Coordenou, com Jean-Marie Harribey, a obra coletiva Retraites, l’alternative cachée [Aposentadorias, a alternativa oculta], Syllepse, Paris, 2013.
1 Alto-Comissariado da Reforma das Aposentadorias, release de imprensa, 10 out. 2018. Disponível em: <https://reforme-retraite.gouv.fr>.
2 Le Grand Entretien [A grande entrevista], France Inter, 21 mar. 2019.
3 Nathalie Blanpain, “L’espérance de vie par niveau de vie: chez les hommes, treize ans d’écart entre les plus aisés et les plus modestes” [A expectativa de vida por nível de vida: para os homens, treze anos de diferença entre os mais ricos e os mais modestos], Insee Première, n.1687, Paris, 6 fev. 2018.
4 Carole Bonnet, Sophie Buffeteau e Pascal Godefroy, “Disparité des retraites entre hommes et femmes: quelles évolutions au fil des générations?” [Disparidade das aposentadorias entre homens e mulheres: que evoluções ao longo das gerações?], Économie et Statistiques, n.398-399, Paris, 2006.
5 Alto-Comissariado para a Reforma das Aposentadorias, op. cit.
6 Chloé Duvivier, Joseph Lanfranchi e Mathieu Narcy, “Les sources de l’écart de rémunération entre femmes et hommes dans la fonction publique” [As fontes da diferença de remuneração entre mulheres e homens no serviço público], Économie et Statistiques, n.488-489, 2016.
7 Le Grand Entretien, France Inter, 11 out. 2018.
8 Ibidem.
9 Le Grand Entretien, France Inter, 21 mar. 2019.