Em nome da moral e da verdade
Os franceses utilizaram métodos semelhantes aos dos nazistas, durante a ocupação — e isso apenas quinze anos após o fim da segunda guerra mundial. Isso não podia deixar de revoltar intelectuais preocupados com justiçaLaurent Schwartz
Se o meu nome não está entre os primeiros signatários do Manifesto dos 121 é porque eu estava nos Estados Unidos. Tomei conhecimento da iniciativa pela imprensa norte-americana e enviei, imediatamente, um telegrama de adesão. Um dos primeiros militantes do Comitê Maurice Audin, eu lutava para que surgisse a verdade sobre a morte, em meio a uma sessão de tortura, daquele jovem estudante comunista de Argel, que me havia pedido que levasse perante o júri a sua tese de matemática (o tenente Charbonnier, que o estrangulou, terminou sua carreira militar com a patente de coronel do exército e foi agraciado com a medalha da Legião de Honra!).
Não faço uma digressão. Tenho certeza que a questão da tortura figura em primeiro plano, entre os motivos que levaram um grupo de intelectuais a reivindicar o direito de jovens franceses à insubmissão. O que ocorria nos centros de tortura de Villa Sésini, El Biar e Améziane causava-nos revolta. E à medida que o tempo passava, os pára-quedistas generalizavam a “questão” — lembrando o título do livro de Henri Alleg [1]-, não apenas contra os ativistas da independência, mas contra centenas de milhares de argelinos, inclusive alguns “traidores” europeus. Em suma, os franceses utilizaram métodos semelhantes aos dos nazistas, durante a ocupação — e isso apenas quinze anos após o fim da segunda guerra mundial. Isso não podia deixar de revoltar intelectuais preocupados com justiça.
Demissões e ameaças
Naquela época, embora os estudantes começassem a se mobilizar maciçamente pela paz na Argélia, ainda eram poucos os que se recusavam a prestar o serviço militar naquele país. E nós temíamos que a “insubmissão” — associada a uma “deserção”, e portanto mal compreendida pela grande maioria dos franceses — os fizesse correr graves perigos. O manifesto dos 121 também tinha o objetivo de protegê-los: os signatários não convocavam os jovens a se recusar a servir na Argélia, mas ressaltava que eles tinham, moralmente, o direito de o fazer. Ao fazê-lo, esperávamos precaver esses jovens contra a repressão.
Na verdade, ela acabou se abatendo sobre os signatários do manifesto. Vários professores universitários — e principalmente funcionários — foram demitidos, como Pierre Vidal-Naquet, suspenso de todas as suas funções na universidade. Além das sanções do Estado, havia ameaças, e mesmo agressões, por parte de grupos próximos à Organização do Exército Secreto (OAS). Eu próprio fui destituído de minhas funções na Escola Politécnica, e alertado, pelos alunos da Escola, de que estava sendo preparada uma tentativa de assassinato contra mim. E um grupo de extrema-direita seqüestrou meu filho, Marc-André, que aliás nunca conseguiu se recuperar inteiramente das noites que passou, numa floresta gelada, sob a mira de um revólver.
A contribuição dos intelectuais
E, finalmente, o extraordinário impacto que teve o manifesto dos 121. Sua publicação, em 5 de setembro de 1960 — dia da abertura do processo de Francis Jeanson [2]-, o modo brutal pelo qual reagiu o poder e os protestos provocados por essa reação balançaram profundamente a opinião pública. Até então, a oposição à guerra e principalmente o apoio à reivindicação de independência da Argélia eram posições minoritárias. O movimento criado pelos 121 iria, progressivamente, dar-lhes uma conotação de massa. Embora o massacre contra os manifestantes argelinos do dia 17 de outubro de 1961 — convém lembrar que o fato foi cuidadosamente dissimulado pela imprensa — não tenha gerado grandes protestos, a repressão brutal à manifestação na estação de metrô de Charonne, em 8 de fevereiro de 1962, levou meio milhão de parisienses às ruas.
Essa crescente mobilização tornou-se, sem dúvida, um peso para o general De Gaulle, e explica sua mudança de posição: o plebiscito da autodeterminação que ele organizou, em janeiro de 1961, depois sua resistência ao golpe dos “generais desleais”, em abril de 1961, a viagem que fez à Argélia e, finalmente, o último plebiscito, de abril de 1962, que ratificou uma independência que custou a vida de centenas de milhares de argelinos. Foi por essa vitória que lutaram os 121 — e, de um modo geral, contribuíram os intelectuais, que não aceitavam aquela “guerra suja”. Alguns deles o fizeram em nome de um engajamento político antiimperialista e anticolonialista — eu próprio, fui trotskista, na minha juventude; outros, como Raymond Aron (mas ele não assinou o manifesto), por medo da “ameaça demográfica” argelina. Mas todos contribuíram, juntos, em nome da moral.
Confissões de um torturador
Na verdade, mesmo entre os nossos adversários, muitos lutavam acreditando defender a posição justa. A Argélia era uma colônia povoada por franceses. Os pieds-noirs [3] (10% da população) eram filhos de famílias estabelecidas há várias gerações, felizes de viverem num belo país — e sem consciência de seus privilégios. E cada lado podia ver as atrocidades cometidas do outro lado. Uma situação típica de guerra civil. Só que os lados não eram iguais nessa guerra. Hoje, com a distância do tempo, ninguém poderia imaginar, com seriedade, uma Argélia dividida em três regiões francesas.
Eram os que combatiam pela independência que defendiam a única causa politicamente válida. As recentes entrevistas que deram a Le Monde dois dos principais organizadores da tortura, referindo-se a abomináveis sevícias infligidas durante meses a fio à sra. Louisette Ighilahriz, em 1957, são edificantes: Bigeard nega tudo, apesar de seus crimes serem conhecidos, mas Massu reconhece o que aconteceu, e diz que hoje sofre pelos argelinos porque tudo poderia ter sido evitado! [