Filo-americanos à beira de um ataque de nervos
Este artigo expõe ironicamente os pontos de vista de alguns intelectuais, defensores francamente entusiásticos dos Estados Unidos, a ponto de comparar a crítica francesa à hegemonia norte-americana como uma vitória do comunismoSerge Halimi
Para inúmeros ensaístas e editorialistas franceses, a crítica aos Estados Unidos não mais importa ao debate político e estratégico. Na verdade, isto seria uma deformação mental. Ela poderia até, tanto quanto um cruento atentado ao McDonald’s, assemelhar-se a uma incitação ao crime. [1]
Mais serenamente, o jornalista-sociólogo Michel Wieviorka diagnosticou que o “antiamericanismo” sofre de “doença senil”. Já o atual ministro da Defesa, Alain Richard, limitou-se a evocar um “sentimento patológico: nós não toleramos que um país que defende os mesmos valores universalistas que defendemos, seja cinco vezes maior do que nós”. O historiador François Furet já havia diagnosticado um “espírito invejoso do pobre em relação ao rico”.
“Socialismo dos imbecis”
Às vezes, a avaliação é menos psicopatológica. Mas os que criticam a política norte-americana não ganham nada em troca. Stalinistas ou fascistas, são em geral percebidos como ambos, uma vez que o senso comum da bíblia dominante decretou a identidade dos dois. Advogado do império norte-americano – e tão dedicado que chegou a fazer uma petição (em vão) ao Congresso dos Estados Unidos para que este concedesse a Ronald Reagan os meios de sustentar até o fim a guerra dos “contras” na Nicarágua [2] -, Bernard-Henri Lévy considera que o “antiamericanismo constitui um dos elementos comuns de uma certa esquerda e de uma certa extrema-direita”. E imputa naturalmente a esse “traço comum”, a esse “socialismo dos imbecis”, a luta contra a globalização neoliberal em geral. E especificamente contra as ações de José Bové. [3]
Porém, mesmo com essa devoção, “BHL” não chega a se igualar a seu amigo Pascal Bruckner, para quem a denúncia do “antiamericanismo” parece ter-se tornado profissão em tempo integral. Três vezes em um ano, dedicou ao tema inflamados discursos que não deixam de lembrar as horas de glórias da propaganda stalinista. Nessa mesma época, os Estados Unidos tinham “a ira”. É sobre a “ira antiamericana” que se debruça Bruckner. E o faz com um louvável senso de medida: “Para os frustrados da guerra fria, o pior crime de Milosevic jamais se igualaria ao crime fundamental dos norte-americanos: o de simplesmente existirem. (?) Os Estados Unidos não são culpados pelo que fazem, mas fundamentalmente pelo que são. Eles acumulam dois graves defeitos: o capitalismo e a supremacia.” [4]
“Culpados não pelo que fazem, mas pelo que são”
Esta passagem, prontamente republicada pelo New York Times, já sugeria (“culpados não pelo que fazem, mas pelo que são”) o que viria pela frente. O que não demorou: “O antiamericanismo, como o anti-semitismo, é mais difícil de combater porque envolve paixão, ou seja o irracional.” [5]E, na verdade, seria o caso de “acessos comparáveis aos acessos delirantes que se podem observar num doente mental.” [6]E quem não sabe que o delírio anti-semita de um débil mental pode ter graves conseqüências?
Jornalista e membro da Academia Francesa, Jean-François Revel lembrou algumas. Depois de nos ter revelado que “se você retira o antiamericanismo à direita e à esquerda, não resta nada ao pensamento político francês”, ele nos informa que a crítica aos Estados Unidos e à globalização capitalista desembocaria, quase que necessariamente, “numa versão pós-marxista da auto-suficiência econômica e cultural desejada por Adolf Hitler”. Depois, para deixar ainda mais claro o paralelo sugerido, acrescenta: “O negacionismo dos êxitos do liberalismo constitui a contrapartida e a condição do negacionismo dos erros e crimes comunistas.” [7]
“A última das repúblicas soviéticas”
Ficaria feio se esquecêssemos, ainda que num registro mais leve, as fantasias de Guy Sorman. Em 27 de março de 2000, o velho ensaísta simpatizante de Ronald Reagan, explicou aos leitores do Wall Street Journal que a França não era, como se pensava, uma democracia liberal, mas “a última das repúblicas soviéticas”. E argumentava: “No fim de contas, a vitória foi dos sovietes. Em 1917, os conselhos populares serviram apenas de fachada para o golpe de Estado bolchevique. Quase um século depois, a utopia soviética realizou-se. Não na Rússia, mas na França.” [8]
Segundo Sorman, as mobilizações sindicais contra as reformas de Claude Allègre e Christian Sautter teriam na verdade vencido onde Lenin perdeu. No dia seguinte ao da publicação deste editorial que se imaginava ser tendencioso, um editorial do Wall Street Journal, sem querer ser humorístico, saudava a opinião do “intelectual francês Guy Sorman.” Ao se informar desta maneira os dirigentes de empresas que vivem nos Estados Unidos, dissuadindo-os de fazer excelentes negócios na França, não se estaria, no fundo, sendo bastante antiamericano?
Leia mais sobre o tema, nesta mesma edição:
· Um mundo norte-americano
· Dominar corações e mentes
· A nova bíblia de Tio Sam
· A resistível ascensão de Ronald McDonald
· O imperialismo da virtude
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Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).