Financiamento de campanhas por infratores ambientais na Amazônia Legal
Estudo busca elucidar as relações entre o financiamento de campanha e possíveis esforços de afrouxamento da legislação ambiental vigente, a partir do estudo das proposições de projetos de lei no tema socioambiental
No último mês, uma série de reportagens e iniciativas têm mostrado o perfil do financiamento de campanhas recebido pelos parlamentares e candidatos brasileiros. Os dados mostram que parte desses repasses vêm de infratores ambientais, e que esse quadro se agrava com o afrouxamento da legislação ambiental e o desmonte das instituições de controle, monitoramento e fiscalização ambiental.
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A reforma eleitoral de 2015, introduzida pela lei nº 13.165/2015, excluiu as pessoas jurídicas de prover financiamento eleitoral, com o objetivo de mitigar a influência e o protagonismo do poder econômico nas eleições. No entanto, a reforma não proibiu doações por pessoas físicas, perpetuando o componente econômico como variável importante para compreensão das relações políticas durante os processos eleitorais. Vale lembrar que as pautas legislativas e o avanço ou recuo na aprovação de proposições legislativas ambientais respondem não só a pressões dos atores domésticos, como lobistas, sindicatos, organizações da sociedade civil, empresários, financiadores de campanha e bancadas, mas também de atores internacionais, como organizações multilaterais, países doadores e grupos de consumidores.
Em seu mais novo relatório, intitulado “Dinheiro, poder e leis: financiamento de campanha por infratores ambientais na Amazônia Legal e proposições legislativas no Congresso Nacional”, a Plataforma Cipó analisa as doações para campanhas de candidatos às eleições em 2018, junto a dados sobre a proposição de projetos de lei por parlamentares brasileiros eleitos pelos estados da Amazônia Legal. Em parceria com a Lagom Data, foram avaliadas doações realizadas por pessoas físicas e sócios de empresas alvos de multas e/ou embargos por infrações ambientais na Amazônia Legal entre julho de 1998 e fevereiro de 2022. O objetivo é elucidar as relações entre o financiamento de campanha e possíveis esforços de afrouxamento da legislação ambiental vigente, a partir do estudo das proposições de projetos de lei no tema socioambiental.

Os dados mostram que, nas eleições de 2018, 422 candidatos receberam doações de infratores ambientais na Amazônia Legal como pessoa física ou indiretamente através de empresas que são sócias. Isto inclui candidatos ao Congresso Nacional, assembleias legislativas estaduais, à presidência e aos governos estaduais. Deste total, 156 se elegeram em 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, passando a ter o poder de criar, votar ou sancionar medidas com potencial impacto sobre o meio ambiente. Os candidatos que receberam recursos de sancionados por infrações ambientais na Amazônia fazem parte de praticamente todos os estados da federação e de todos os partidos políticos brasileiros.
A análise dos candidatos a deputado federal, por exemplo, permitiu observar que quase 10% da Câmara – 50 representantes eleitos – recebeu doações de pessoas que foram alvo de sanções ambientais (embargo e/ou multa), diretamente ou através de empresas que são sócias, em função de atividades na Amazônia Legal. Em se tratando de candidatos ao Senado, em todo o Brasil, nove foram eleitos com recursos de pessoas físicas e sócios de empresas sancionadas por infrações ambientais em função de atividades realizadas na região amazônica, sete deles eleitos por estados da Amazônia Legal.

A pesquisa mostrou, ainda, que os estados do Mato Grosso (62 candidatos), Rondônia (58), São Paulo (45) e Tocantins (25) apresentaram a maior quantidade de candidatos que receberam financiamento de infratores ambientais. No Mato Grosso, dos 62 candidatos que receberam recursos financeiros de infratores, 19 foram eleitos. Este número representa metade da Assembleia Legislativa do estado, 5 dos 8 deputados federais, um dos dois senadores eleitos e o governador eleito em 2018.
Ainda com relação aos candidatos que foram eleitos por partido, o PSDB se destaca como aquele em que houve maior número de candidatos que receberam financiamento de infratores ambientais (17 candidatos), seguido por DEM (16), MDB (15), PSB (12), PP (12), PSL (10), PSD (9), PT (9), Novo (8) e Solidariedade (6).[1] Embora não seja possível estabelecer uma relação de causalidade, o recebimento de doações de campanha por infratores ambientais constitui um dos fatores que influenciam o comportamento parlamentar, inclusive a proposição de projetos de lei com potencial de impacto socioambiental negativo. Apenas para citar um exemplo, dados da pesquisa mostram que 57,14% dos PLs propostos entre 2019 e 2022 por deputados do Mato Grosso, estado que mais recebeu recursos de infratores, são potencialmente nocivos ao meio ambiente.
Dado o contexto eleitoral que esta publicação está inserida, o estudo traz uma série de recomendações voltadas ao fortalecimento da transparência e da participação pública no processo de formulação de leis na área ambiental, como: propostas de políticas públicas que estimulem a transparência e a produção de dados abertos sobre o financiamento de campanhas eleitorais; o aumento da transparência dos processos legislativos, para evitar, por exemplo, que projetos de elevado interesse público (e com potencial de impacto socioambiental negativo) sejam tramitados em caráter de urgência; o aumento da transparência sobre a atuação de frentes parlamentares; a ampliação do monitoramento sobre as proposições de PLs (incluindo emendas) em matéria socioambiental dos parlamentares eleitos e dos candidatos à reeleição; entre outras medidas.
O estudo busca, portanto, somar forças às diversas iniciativas já existentes[2] que buscam produzir informação, munir os eleitores de ferramentas políticas úteis, qualificar o debate sobre as relações entre doações de campanhas e o comportamento dos parlamentares brasileiros na área socioambiental, evitar que medidas de afrouxamento ambiental sejam facilmente aceita pelos representantes brasileiros e ajudar na construção de um arcabouço legislativo que ajude a proteger o meio ambiente e os que dele dependem.
Adriana Erthal Abdenur, diretora executiva na Plataforma Cipó.
Renata Albuquerque Ribeiro, pesquisadora sênior na Plataforma Cipó.
[1] Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); Democratas (DEM); Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Partido Progressistas (PP); Partido Socialista Brasileiro (PSB); Partido Social Liberal (PSL); Partido dos Trabalhadores (PT); Partido Social Democrático (PSD); Partido Novo e Solidariedade. Cabe lembrar que o Democratas (DEM) foi um partido político brasileiro de centro-direita que se fundiu com o Partido Social Liberal (PSL) para formar o União Brasil.
[2] Disponíveis no Anexo III do Relatório.