Governo da Bolívia prende jornalista
O jornalista Facundo Morales Schoenfeld é prisioneiro do governo boliviano por quem Argentina reclama sua liberdade e a ala trabalhista do governo de Israel se mobiliza para salvar sua vida
O realismo mágico latino-americano tem, sem dúvida, sua expressão nas práxis políticas da nova direita continental, tanto a que está no governo como na oposição. Claro que com a diferença entre o belo e mágico mundo da literatura e os personagens políticos da realidade, que superam toda capacidade de assombro quando rompem os códigos éticos, morais e legais da convivência democrática que eles mesmos, mentirosamente, proclamam.
Na Bolívia um novo experimento político se gestou para derrotar um movimento popular no poder e obrigar o presidente Evo Morales a decidir entre a renúncia e a guerra civil. Todos conhecemos qual foi decisão, ainda que Evo tenha pensado, ingenuamente talvez, que desta forma ele protegeria a vida de seus partidários e parte do que foi construído. Evo se enganou.
A estranha coalizão mística, com setores evangélicos unidos a elementos neonazistas conectados a grupos paramilitares financiados pela extrema direita de Santa Cruz, e com a cumplicidade do Exército e da polícia, começou um verdadeiro banho de sangue, prisões arbitrárias e sequestros. A isso se somou a manipulação da Justiça para montar processos judiciais contra líderes políticos e seguidores do Movimiento Al Socialismo – M.A.S. Alguns desses líderes políticos e seguidores estão em prisão preventiva há já mais de dez meses, como é o caso do jornalista argentino.
A liberdade de imprensa na mira
A queima e o fechamento de meios de comunicação rurais e comunitários, os ataques a jornalistas, o uso desproporcionado da figura da prisão preventiva, o assassinato do jornalista argentino Sebastián Moro, assassinado a golpes e cremado sem prévia autópsia como exige a lei boliviana, assim como a detenção de Facundo Morales Schoenfeld, sequestrado quando estava em terapia intensiva realizando uma hemodiálise no Hospital Japonês de Santa Cruz de La Sierra, são os casos mais graves de violação dos direitos humanos e liberdade de imprensa na atual conjuntura política da Bolívia.
O caso Facundo
“Não é um jornalista, é um terrorista, um delinquente, um guerrilheiro das FARC que comandou os grupos de choque entre civis que se enfrentaram em Montero” declara de forma temerária o Ministro da Justiça do governo golpista, Álvaro Coimbra, sustentando uma foto de quinze anos de antiguidade e, sem nenhuma vergonha, ditando a sentença antes do início do julgamento, incorrendo desta forma nos delitos de difamação (Art. 282º), calúnia (Art. 283º) e injúria (Art. 287º) do Código Penal Boliviano.
Este ministro “da Justiça” ignora o direito à presunção da inocência e não treme a voz ao dizer a familiares de assassinados nos massacres de Sacaba e Senkata que os caixões de seus queridos estavam vazios.
O certo é que Facundo não é um guerrilheiro das FARC, que diga-se de passagem hoje é um partido legal na Colômbia, reconhecido pela ONU, e que não existem ordens de captura contra Facundo em nenhum dos países por onde ele tenha andado como correspondente da revista de esquerda Centenário (https://revistacentenario.com), para a qual trabalha há vários anos percorrendo a América Latina sem inconvenientes até o dia que foi cobrir as eleições na Bolívia, onde, em razão de uma crise renal aguda, caiu em um lugar, desmaiado e inconsciente.
Seu sequestro
Ante a gravidade do caso Facundo é levado ao Hospital Japonês em 11 de novembro, em um período de plena convulsão social e acefalia do governo. Por protocolo, os médicos informam à polícia que deu entrada no hospital um NN. Segundo o primeiro informe médico Facundo não registrava feridas por armas de fogo nem sinais de balas de borracha que indicariam sua associação a enfrentamentos violentos. Mas os níveis elevados de ureia encontrados no sangue, segundo peritos médicos, indicariam um estado de incapacidade física de pelo menos quinze dias. O estado de Facundo se devia a uma insuficiência renal aguda, agravada por infecção pulmonar e hipertensão. Facundo é rapidamente submetido a um coma induzido e tratamento com hemodiálise. Neste mesmo dia o hospital é invadido por policiais armados que amarram os pés e mãos de Facundo, ainda no estado de coma induzido. Dezesseis dias depois, quando Facundo desperta deste coma induzido, ele se encontra incorporado a um processo penal coletivo, previamente armado, que ninguém até então havia tomado conhecimento, no qual todos os acusados são identificados como tendo afinidades com o partido político M.A.S.
Num show televisivo, ao melhor estilo de um circo romano, os meios de comunicação afinados com o golpe de Estado divulgam os interrogatórios onde, ainda sob o efeito dos remédios, Facundo declara não ser um instrutor militar e “reconhece” ter participado em duas guerras, uma delas a Guerra das Malvinas (vale esclarecer que Facundo tinha 5 anos de idade neste momento).
No mesmo dia 29 de novembro em que se deu o interrogatório, por ordem de uma médica forense que jamais examinou Facundo, ele tem alta médica e no dia 02 de dezembro é levado, nu, em uma cadeira de rodas, para a prisão de Palmasola. Três dias depois é deslocado para a prisão de segurança máxima de Chonchocoro, onde só vão criminosos sentenciados e se encontra lá até hoje.
O Juiz da causa de Facundo
Se trata de um juiz acusado de violência de gênero, por golpear sua esposa na presença de seu filho, que magicamente goza de impunidade e continua trabalhando mesmo frente a esta grave acusação. Ele assume a causa de Facundo.
O trabalhismo de Israel toma partido. A seção latino-americana do partido de Bem Gurión pede o apoio do líder de seu partido, o atual ministro da Economia de Israel, Amir Peretz, que imediatamente autorizou quem escreve esta nota e seu porta-voz pessoal a fazer contato com todos os ministérios relevantes de Israel para que estudem o caso e se iniciem contatos com o governo argentino.
Amir Peretz é considerado por muitos o Lula de Israel. Foi presidente da Histadrut (CGT) por três mandatos, foi Ministro da Defesa, do Meio Ambiente, e talvez seja o próximo presidente de Israel. É o político mais veterano do Parlamento.
O Estado de Israel, salvo durante as ditaduras dos anos 70, defendeu milhares de judeus militantes de esquerda na América do Sul, também o fez na África do Sul durante o apartheid. O segundo sobrenome de Facundo é judeu e isso basta para se iniciar uma operação de resgate.
O estado de saúde de Facundo é grave. Ele se encontra na prisão de Chonchocoro, a 4.500 metros de altura, tem hipertensão e edema pulmonar, seus problemas com os rins jamais foram solucionados, o que lhe deixou múltiplas sequelas neurofísicas, entre elas a perda da visão do olho direito.
Foi criada uma comissão internacional pela liberdade e repatriação de Facundo com a participação de personalidades da política e das artes. Foi realizado um concerto internacional com a participação de 15 músicos de nível internacional.
Centenas de sindicatos, organizações de direitos humanos, partidos políticos, sindicatos de jornalistas, fizeram petições à OEA, ONU, CIDH. Entre eles COSI – Comitê de Solidariedade Internacional e Luta pela Paz; Associação Pró Direitos Humanos na Bolívia; Partido Trabalhista de Israel e as diversas agrupações judias que o compõem; ACAT – Associação dos Cristãos pela Abolição da Tortura; International Committee for Peace, Justice and Dignity for the People;SIPREBA – Sindicato de Prensa Buenos Aires; Adolfo Perez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz; Madres y Abuelas de Plaza de Mayo-Argentina; CELS – Centro de Estudios Legales y Sociales de América Latina; APDH; Liga Argentina por Derechos Humanos; e muitas outras.
Diego Sciretta é presidente da seção latino-americana do partido trabalhista de Israel (Avoda) e Membro da Comissão Internacional pela libertação de Facundo Morales Schoenfeld.