História de um fracasso militar
Instigado pelos planos norte-americanos de um “Novo Oriente Médio” e iludido por seus generais, o governo de Telavive lançou contra o Hezbollah uma guerra desastrada. Não será hora de buscar uma paz duradoura, ao invés de apostar no poderio das armas?Amnon Kapeliouk
O general Shlomi Cohen comanda a famosa brigada Alexandroni. No dia 15 de agosto de 2006, ao retornar da frente de batalha, ele quer visitar seus soldados. Surpresa: esses se queixam exaltados por não terem sido informados sobre o adversário, nem equipados para afrontá-lo. “Nós nos recusamos a participar da próxima guerra. Nós temos famílias”, dizem alguns soldados. O general os acusa de “falta de motivação”. O tom se eleva e após ter ameaçado “mandar um soldado para o xadrez”, o general deixa o local e todos gritam: “Vergonha!”. Uma semana depois, os oficiais da brigada se dirigem ao chefe do estado-maior, Dan Halouz: “tivemos a sensação de que tudo foi mal preparado. Isso nos impediu de ganhar a guerra”.
Essa cena foi narrada pela segunda estação da rádio pública [1]. Expressa a confusão, aflição e cólera que reinam em Israel desde a proclamação do cessar-fogo, depois de uma guerra em que o Tsahal, um dos mais poderosos exércitos do mundo, não pôs fim ao Hezbollah, guerrilha de alguns milhares de combatentes. Uma avalanche de revelações se abate sobre a imprensa, desvendando o despreparo e os erros que explicam o custo deste conflito para o país: 160 mortos (119 soldados e 41 civis), cerca de 1500 feridos e um bilhão de dólares de destruições prejudiciais à economia. Isso para não dizer da ambição abortada da criação de um “Novo Oriente Médio”, plano do governo Bush, que encorajou Israel a “quebrar os ossos” [2] do Hezbollah…
Na realidade, a polêmica começou desde a deflagração do conflito. Mas em surdina, por trás de sondagens, que aferiam a popularidade dos chefes políticos e militares do país. Seguro de si, o primeiro-ministro Ehud Olmert declarou, em 1º de agosto: “O Hezbollah não representa mais o mesmo perigo de antes. Ele não poderá mais ameaçar o seu povo, pois esse o enfrentou e conquistou a vitória”. E acrescentou: “Se a batalha terminasse hoje, nós poderíamos dizer que o aspecto do Oriente Médio mudou completamente com o sucesso do exército e povo israelense” [3]. Doze dias mais tarde, essas fanfarronices não são mais oportunas. E se os generais ocupam os canais de televisão para repetir, contra todas as evidências, que Israel venceu, outros exprimem uma opinião bem diferente.
Um país que cultua os generais
Para o general Giora Eiland, antigo chefe do Conselho Nacional de Defesa, diretamente ligado ao primeiro ministro, o resultado do conflito assemelha-se a um empate. Ele afirma que serão necessários de “quatro a cinco meses” para que se possa dizer claramente quem é o “verdadeiro vencedor”. Certos militares adotam simplesmente a análise do xeque Hassan Nasrallah, que, no dia do “cessar-fogo”, reivindicou pelo Hezbollah uma “vitória estratégica e históricai” [4]. O exército, afirmam eles, não pôde quebrar e desarmar o “Partido de Deus”; e nem mesmo libertar os dois soldados cuja captura, em 12 de julho, serviu de pretexto à guerra! E, para evocar um “segundo round”, “Israel deverá se preparar seriamente dessa vez”…
A grande maioria dos israelenses vive da ilusão de que a experiência militar constitui uma prova de sucesso para todo homem político. Os generais estão predestinados a governar o país. Por isso, os partidos políticos, assim como as mais prestigiadas instituições civis, fazem de tudo para atraí-los. De fato, os três chefes de governo mais importantes dos últimos quinze anos foram antigos militares: Itzhak Rabin, Ehud Barak e Ariel Sharon.
No entanto, a opinião pública julgou severamente Barak: infligiu-lhe uma derrota arrasadora nas eleições de fevereiro de 2001, após ele ter levado ao fracasso a reunião de cúpula de Camp David,provocando a segunda Intifada. O general Sharon, que o sucedeu, enterrou os acordos de Oslo e reconquistou a Cisjordânia antes de aplicar sua nova política unilateral de retirada em Gaza. Abalado, no fim de 2005, por uma hemorragia cerebral, ele liquidou por muito tempo a esperança de negociações de paz com os palestinos.
Itzhak Rabin foi o único desses generais a se tornar um verdadeiro homem político. Mas, em 4 de novembro de 1995, três balas atiradas por um judeu fanático de extrema direita puseram fim a sua vida e, conseqüentemente, aos esforços efetuados rumo à criação de uma entidade palestina independente sobre os territórios ocupados em 1967.
Pode-se dizer, portanto, que tudo depende não da patente alcançada por um homem no exército, mas de sua visão de mundo, convicções e coragem política. Isso é válido para as relações em Israel, como em qualquer lugar: o general Charles de Gaulle, “pai” da descolonização, nada tem em comum com o general Raoul Salan, militante contra a descolonização da Argélia Francesa, a não ser a mesma patente de general.
Ehud e Peretz manobrados pelo exército
O acaso quis que o atual chefe do governo israelense, Ehud Olmert, e seu ministro da Defesa, Amir Peretz, tivessem em comum um passado militar insignificante. Embora, como todos os israelenses, eles tenham servido o exército, seus conhecimentos militares são muito limitados e ultrapassados. Sem dúvida, é por isso que o chefe do Estado-Maior, Dan Haloutz, lhes reservou um acolhimento caloroso: para melhor manobrá-los. E, mesmo Peretz, membro do Partido Trabalhista, sindicalista de origem marroquina e convicções pacifistas, caiu na armadilha.
Desde a sua nomeação e início das operações em Gaza (28 de junho), uma harmonia impressionante reina entre o Estado-Maior do exército e “seu” ministro. Esse se gabava, por exemplo, de ter deixado a aviação mirar em bairros residenciais palestinos, depois libaneses. Uma caricatura publicada pelo jornal Haaretz retrata dois generais observando o ministro dando ordens a um soldado perto de uma localidade palestina bombardeada. Um deles murmura: “Ele aprendeu rápido a lição” [5].
Isso é o que foi visto em 12 de julho. Em vez de trocar os dois soldados israelenses feitos prisioneiros pelo Hezbollah por milicianos desse grupo (que a ministra das relações internacionais Tzippi Livni acabou por conceber, como último recurso), Peretz submeteu-se à decisão do Estado-Maior. Esse lhe prometeu uma verdadeira “tempestade de fogo” que arrasaria, “em alguns dias”, todas as instalações do Hezbollah, fazendo em média 300 vítimas entre os civis libaneses e, não mais do que 90 no exército e população israelense. Os generais afirmaram que seria preciso restabelecer a capacidade de dissuasão de Israel frente ao Hezbollah e, portanto, ao mundo árabe. A destruição dos meios militares da milícia xiita modificaria completamente a situação no Líbano, acrescentam eles. Cometeram, assim, o mesmo erro que seus “antecessores” norte-americanos no Iraque: não se destrói militarmente uma força profundamente enraizada no tecido humano e político de uma sociedade.
Até onde irá a autocrítica?
Nada é tão imprevisível quanto a evolução de uma guerra, mesmo que haja desníveis e desvantagens entre os exércitos participantes no que se refere ao poderio bélico. Ao invés de se ornarem com os louros da vitória esperada, Haloutz, Peretz e Olmert deverão enfrentar uma comissão de investigação, paralelamente à queda de suas popularidades. Isso traz à tona lembranças dolorosas: a ofensiva de 1973, em que egípcios e sírios, comandados por Shimon Agranat, desafiaram e afrontaram durante uma semana as forças israelenses, abalando a cena política do país. Do mesmo modo, no dia seguinte aos massacres de Sabra e Chatila (1982), uma ofensiva comandada por Itzhak Kahane forçou o general Sharon a abandonar suas funções de ministro da Defesa.
Até onde irá a comissão de investigação estabelecida no meio de agosto pelo ministro da Defesa? Ela conseguirá explicar ao país por que os serviços de informação não detectaram a operação do Hezbollah, e não mediram o perigo que seus foguetes representaram para um terço do norte de Israel? Ou poderão explicar, aos desabrigados e desprovidos, o motivo da falta de refúgios em outros locais do país? Dirão aos soldados por que o exército não os preparou decentemente para o combate? “Nos enviaram totalmente despreparados para a guerra. É como pedir a um médico que não pratica a profissão há muito tempo para efetuar uma complicada cirurgia, esperando que ela termine com sucesso”, explicou um dos soldados. Mas, a comissão deverá responder, sobretudo, a esta questão: não está na hora de o Estado judeu buscar a garantia de seu futuro, não por meio da força militar (visivelmente enganadora), mas por intermédio de negociações sólidas de paz com os seus vizinhos palestinos, sírios e libaneses? O unilateralismo caro a Sharon e Olmert parece condenado.
Quanto aos crimes de guerra cometidos durante as 32 terríveis jornadas desse conflito, é melhor apostar na criação de um tribunal internacional p