Hollywood contra a diversidade cultural
UGC, Gaumont e Pathé são ao mesmo tempo produtoras, distribuidoras e donas de salas de exibição. Juntaram-se a elas a belga Bert, a norte-americana AMC e a australiana Village Road Show. A diversidade de nacionalidades infelizmente não se traduz por uma diversidade culturalCarlos Pardo
O ano passado, no Festival de Cannes, um filme espanhol — Tudo sobre minha mãe — alcançou um triunfo, confirmado imediatamente pelo enorme sucesso ao estrear nas salas e pela atribuição, em Hollywood, do Oscar de melhor filme estrangeiro.
Descoberto na França graças a uma distribuidora independente, Almodóvar é o exemplo do cineasta que, assim que o seu público cresceu, escapou do setor das artes alternativas para ser absorvido primeiro pelo grupo Bouygues, depois pelo Canal Plus. Como ele, numerosos cineastas de renome internacional — o grego Theo Angelopoulos, a australiana Jane Campion, o malinês Souleymane Cissé, o finlandês Aki Kaurismaki, o tcheco Milos Forman, o iraniano Abbas Kiarostami, o japonês Takeshi Kitano, o inglês Ken Loach, o italiano Nanni Moretti, o português Manuel de Oliveira, o africano Idrissa Ouedraogo (de Burkina Fasso), o mexicano Arturo Ripstein, o dinamarquês Lars Von Trier, o alemão Wim Wenders, ou ainda o francês Robert Guédiguian — puderam realizar e divulgar seus primeiros filmes graças a um grupo de produtores, distribuidores e exploradores independentes que constituem o laboratório da indústria cinematográfica.
Um cinema de estilo único
Esses percursos são daqui por diante dificilmente imagináveis. Os filmes europeus circulam mal no velho continente e, paradoxalmente, os únicos vínculos entre os espectadores dos países da União Européia são os filmes de Hollywood. À concentração do setor de distribuição se soma, no início da década de 90, uma concentração do setor de exploração com o surgimento dos cinemas comportando várias salas de exibição (multiplexes).
Importados dos Estados Unidos, via Grã-Bretanha e Bélgica, esses estabelecimentos desembarcaram na França em 1993.
No dia 31 de dezembro de 1999 contavam-se sessenta e cinco e uns cinqüenta novos projetos já tinham recebido alvará de construção. As firmas UGC, Gaumont e Pathé, que exercem ao mesmo tempo as atividades de produção, distribuição e exploração, lançaram-se imediatamente nessa corrida. Além desses, os outros operadores de complexos de várias salas de exibição são o francês CGR, o belga Bert, o norte-americano AMC e o australiano Village Road Show. [1] Esta diversidade de nacionalidades não se traduz infelizmente por uma preocupação com a diversidade cultural.
Pelo contrário.
A exemplo da UGC e da Gaumont que fundiram seu ramo de distribuição com grandes grupos norte-americanos, os exploradores desses conjuntos de salas têm, desde o início, apostado em um único estilo de cinema, do tipo formatado além-Atlântico e por alguns dedicados europeus. [2]
Os poderes públicos, que garantem a sobrevivência de uma cinematografia forte na França, fingiram uma pequena reação no final de 1996. Por ocasião de uma reforma da lei de orientação do comércio e do artesanato, entrou em vigor um decreto relativo à implantação desses multiplexes. O decreto impunha que todo novo projeto de sala de cinema com mais de 1.500 lugares fosse submetido a uma Comissão Departamental de Equipamento Cinematográfico (CDEC), composta pela tradicional “igrejinha”… mas por nenhum profissional de cinema.
Atraído pela novidade, pelo conforto, decoração luxuosa e a segurança prometida por essas salas, o público seguiu. No primeiro semestre de 1999, os multiplexes representavam 14,3% do total das salas de exibição, faturavam 27,3% dos ingressos e 28,9% das receitas… Ninguém precisa ser visionário para imaginar o tipo de paisagem que teremos quando uma centena de multiplexes entrarem em atividade.
Menos cópias para “independentes”
Incentivados por uma lei ilusória e já sonhando com os impostos profissionais decorrentes da implantação dos comércios-satélites que surgem à sombra desses multiplexos (supermercados de material esportivo, restaurantes de fast-food, pizzarias, boliches…), alguns privilegiados desejaram acolhê-los. Não é raro encontrarmos dois, três, ou até quatro desses conjuntos de salas numa mesma cidade. [3] Embora tardio e incompleto, um recente relatório encomendado pelo Ministério da Cultura coloca claramente visíveis as fraquezas da regulamentação atual e ressalta que os CDEC são, de fato, “instituições de favores entre privilegiados locais”. [4]
O acesso às cópias dos filmes tem se tornado mais difícil para as salas independentes situadas nas áreas de implantação dos multiplexes — isso porque os distribuidores hesitam em brigar com os circuitos que decidem a vida de aproximadamente 85% dos lançamentos. As novas telas devem se alimentar de filmes comentados pelo público, e, sempre que possível, manter a impressão de que estão sempre transmitindo algo de novo — sobretudo para amortecer os custos de seus estabelecimentos.
O filme é um “acontecimento”
À concentração do setor de distribuição se acrescenta agora a concentração do setor de exibição, com o surgimento dos multiplexes Entre 1993 e 1999, o número de filmes distribuídos passou de 361 a 595. O tempo de vida de uma obra diminui a cada ano. Encarregado de arbitrar os conflitos, o mediador do cinema tenta satisfazer a todos, mas acaba contribuindo para aumentar o número de cópias por filme de potencial comercial, fragilizando ainda mais os distribuidores pequenos.
Como agora cada filme deve ser um acontecimento, os orçamentos publicitários explodiram. 5 Em média, de 50 a 100% do orçamento de produção de um filme de Hollywood destina-se à promoção, publicidade e marketing. Os filmes europeus destinam a essas atividades de 5% a 10% do seu orçamento.
A colonização de telas e espíritos
O abismo que separando um cinema rico de um cinema pobre cresceu. Desta última categoria, que deveria ser protegida — se, de fato, houvesse interesse em garantir novos autores e uma autêntica pluralidade de gêneros —, passam agora a fazer parte os filmes franceses de primeira linha, o filmes de arte e experimentais, e também todos os filmes produzidos através do mundo em condições de despertar o interesse de um distribuidor, quase sempre independente.
Em 1987, os filmes ditos “de outras nacionalidades” — ou seja, nem franceses nem norte-americanos — representavam 20,2% dos ingressos. Em 1999, esse número não passava de 7%. A França, que se vangloriava de ter preservado uma cinematografia única e de ter incentivado numerosos cineastas pelo mundo afora, aceitou o destino de todos os cinemas do globo: a colonização das telas — e dos espíritos — por Hollywood.
O peso de Hollywood
Entre 1989 e 1998, o percentual de filmes europeus não nacionais distribuídos na Europa passou de 21% para 11% na Bélgica, de 12% para 10% na Itália e de 16% para 6% na Alemanha. No mesmo período, a cota destinada ao cinema norte-americano passou de 69% para 87% na Bélgica, de 65% para 95% na Alemanha, de 63% para 65% na Itália e de 56% para 64% na França.
As sociedades de distribuição independentes subsistem na França graças ao sistema de autofinanciamento do cinema e das subvenções governamentais. Mas, como salienta Caroline Grimault, da Avanti Films, as diferentes ajudas “mal cobrem a metade das despesas. Nós temos que lançar os filmes em cadeia para originar ajudas que cobrirão as despesas, sem considerar as condições em que se lança o filme.” Para o cinema defendido pela Avanti — filmes turcos, indianos, ingleses, russos, documentários… —, o público presente às salas diminui a cada mês. Os canais de televisão não têm qualquer interesse e não existe possibilidade de venda no mercado do vídeo.
Um cinema não-contestador
Segundo Galeshka Moravioff, gerente da distribuidora Films Sans Frontières, “o número elevado de filmes distribuídos cria uma grande confusão. No período movimentado de maio de 68, o cinema foi tomado pelo terceiro-mundismo, as nouvelles vagues brotavam através do planeta. Essa dinâmica esvaziou-se. Com os anos de crise, nós nos voltamos para nós mesmos e para um cinema não-contestador… Filmes eficazes, de mensagens simples, universais. Lançar um filme estrangeiro que não seja norte-americano não é brincadeira. Moravioff tenta reencontrar o equilíbrio financeiro consolidando uma mini-rede de salas criada ao longo dos anos.
Se uma empresa independente não pode lutar em igualdade de condições com um grupo, a tentação de uma aliança, ainda que esporádica, pode se revelar fatal. Mima Fleurent, diretora da Colifilms — que justamente introduziu Pedro Almodóvar na França — passou por essa triste experiência há alguns meses. Contatada pela Warner França por ocasião da compra de Orfeu, do brasileiro Carlos Diegues — filme cujos direitos internacionais pertencem à Warner — a Colifilms firmou um acordo com o gigante norte-americano, que propunha uma “cooperação”. A Warner Classic, ramo musical da empresa, se responsabilizava pela realização um clipe da canção de Caetano Veloso, autor da música do filme, promovendo grandiosamente o disco antes do lançamento do filme. Confiante, Fleurent apostou num lançamento arriscado em vinte salas, com um orçamento de 1,5 milhão de francos. [5] Ocorre que a Warner só lançou o clipe e o CD dois dias antes do lançamento do filme. Duas semanas depois, prestes a entrar em concordata, Mima Fleurent decidiu retirar de cartaz Orfeu para o relançar quando a Warner tiver “respeitado seus compromissos.”
OMC ameaça com desregulamentação
Os “lançamentos técnicos” também são freqüentes. Como os filmes são, em sua maioria, financiados por uma emissora televisão, as filiais do canal não hesitam — dizem — em pagar a um distribuidor, que fica assim encarregado de lançar “tecnicamente” um filme co-produzido pela matriz. Obtendo assim o status de “filme de cinema”, é vendido a um melhor preço quando de sua difusão na rede. O Studio Canal Plus, filial da rede em questão, tornou-se um especialista nesta prática.
A situação poderia ser dramática se as poucas medidas que ainda permitem proteger o cinema tivessem sido revogadas, sob a pressão de Bruxelas e da Organização Mundial do Comércio (OMC). Assim como a saúde ou a educação, o cinema está ameaçado pela desregulamentação. A cláusula de nação mais favorecida exige uma igualdade de tratamento entre produtos similares provenientes de diferentes países da OMC. Em outras palavras, se um filme de Burkina Fasso recebe ajuda do Centro Nacional do Cinema, qualquer produto de Hollywood terá o direito de exigir o mesmo tratamento. O que seria absurdo.
No entanto, o exemplo da rede “Europa Cinémas”, que faturou 20 milhões de ingressos vendidos em 1999, [