Impasse no Kosovo
Protetorado da ONU desde o final da guerra e liderado por políticos reconhecidamente medíocres, o Kosovo continua sem conseguir sair do impasse inicial: não quer ser tragado pela Sérvia, mas a comunidade internacional lhe nega a independênciaJean-Arnault Dérens
Há quase quatro anos, a Otan iniciava uma campanha de bombardeios contra a Iugoslávia, ao término da qual a província de Kosovo passou a protetorado da ONU. O balanço da operação é mais do que duvidoso. A situação econômica do território é mais catastrófica do que nunca. A violência contra as comunidades não-albanesas continua e a maioria dos 200 mil sérvios expulsos da província não pôde retornar. Sem falar dos acertos de contas no interior da comunidade albanesa. Mas, sobretudo, um confronto direto se esboça entre nacionalistas albaneses radicalizados e a comunidade internacional.
Em 4 de janeiro de 2003, por volta das 17 horas, desconhecidos bloquearam um automóvel numa rua movimentada de Pec, a grande cidade do oeste do Kosovo, e abriram fogo contra seus ocupantes. Tahir Zemaj, seu filho e um primo foram mortos. Os três homens eram militantes conhecidos da Liga Democrática do Kosovo (LDK), do presidente Ibrahim Rugova. Zemaj fora comandante do Exército de Libertação do Kosovo (UCK), mas, na realidade, dependia das Forças Armadas da República do Kosovo (FARK), o grupo paramilitar criado no verão de 1998 por Bujar Bukoshi, então “primeiro-ministro no exílio da República do Kosovo”. As FARK agrupavam os partidários fiéis a Rugova, mas tiveram de se fundir com as fileiras da UCK, dirigida por nacionalistas formados na escola do marxismo-leninismo versão albanesa, e muito hostis à LDK.
Um criminoso no comando militar
O assassinato de Zemaj é apenas o último de uma longa série: uma verdadeira hecatombe atingiu os dirigentes da LDK, especialmente na região de Pec e no oeste do Kosovo. Em dezembro de 2002, Zemaj fora testemunha no processo do “grupo da Dukagjin”: cinco ex-combatentes do UCK, transformados no Corpo de Proteção do Kosovo (TMK) – uma força paramilitar de competência indefinida, oficialmente criada pela administração das Nações Unidas para facilitar a reinserção social dos ex-guerrilheiros. Os cinco homens foram considerados culpados pelo assassinato de quatro albaneses, que pertenciam, assim como Zemaj, à esfera de influência das FARK. O mais célebre dos acusados era nada mais nada menos que Daut Haradinaj, cujo irmão, Ramush, dirige a Aliança para o Futuro do Kosovo (AAK), um pequeno partido nacionalista que recebeu cerca de 8% dos votos em todas as eleições organizadas no território desde a criação do protetorado.
Ramush Haradinaj, um criminoso que esteve na Legião Estrangeira antes de se juntar ao UCK, participou de episódios de rara violência contra civis sérvios
Sendo ele mesmo ex-comandante do UCK na região de Pec, Decani e Djakovica, Ramush Haradinaj, de 34 anos, tem um passado criminal bastante substancioso, na França e na Suíça. Pertenceu durante pouco tempo à Legião Estrangeira, antes de se juntar às fileiras do UCK, onde se distinguiu por episódios de rara violência contra civis sérvios. De todos os ex-comandantes do UCK, Ramush Haradinaj é o que poderia ser mais incriminado pelo Tribunal Penal Internacional de Haia.
A mediocridade da classe política
Seu partido, no entanto, conseguiu seduzir ex-dirigentes comunistas albaneses da província, como Mahmut Bakalli, e alguns intelectuais de alto nível. A AAK também contou, pelo menos até 2001, com o apoio explícito de determinados meios diplomáticos, sobretudo norte-americanos. Essa “terceira força”, que jamais conseguiu verdadeiramente abrir espaço junto ao eleitorado, procurava encontrar seu lugar num cenário político dominado pelo confronto entre a LDK, de Rugova, e o Partido Democrático do Kosovo (PDK), de Ashim Thaci, que reúne o essencial dos ex-dirigentes da UCK. É por esse motivo que este goza do apoio de certos atores internacionais, cansados do imobilismo e do clientelismo da LDK e do desvio mafioso do PDK. Mas a operação fracassaria definitivamente se Haradinaj fosse apanhado por seu passado criminoso.
O Kosovo passou por uma longa crise política logo após as eleições legislativas de novembro de 2001. Foi preciso esperar vários meses e três turnos de votação para que o Parlamento do território conseguisse, enfim, levar Rugova à presidência do Kosovo, uma função essencialmente protocolar e sem muitas competências políticas. O compromisso finalmente encontrado atribuía também o cargo de primeiro-ministro a um dirigente do PDK, Bajram Rexhepi. Essa longa crise revelou sobretudo a desconcertante mediocridade da classe política, unicamente ocupada com jogos de poder estéreis.
Sem perspectivas de independência
O Kosovo passou por uma longa crise política, após as eleições legislativas de novembro de 2001, até Ibrahim Rugova ser eleito presidente
Na concorrência entre LDK, PDK e AAK, só a promessa nacionalista permite que se distingam e atraiam as atenções do eleitorado. Essa atitude, no entanto, pode muito rapidamente levar a um confronto aberto com o governo internacional da província. Rada Trajkovic, porta-voz dos deputados sérvios no Parlamento do Kosovo, prevê para a primavera um confronto aberto entre a comunidade albanesa e os representantes internacionais1.
Em relação ao impasse político em que se acha a província, é interessante lembrar quais eram os objetivos da comunidade internacional, ao intervir militarmente contra a Iugoslávia. O objetivo explícito – pôr fim à repressão e à violência de que era vítima a população albanesa – continha um outro alvo político maior: acelerar a queda do regime de Slobodan Milosevic. Os nacionalistas albaneses, no entanto, entenderam essa intervenção ocidental como um apoio a seu objetivo de independência do Kosovo.
Atualmente, o regime de Milosevic pertence ao passado. E, em vez de ser, como ontem, um trunfo para os estrategistas ocidentais, o nacionalismo albanês é agora visto como um fator de desestabilização para todos os Bálcãs. A comunidade internacional está de acordo, portanto, em excluir qualquer perspectiva de independência: considera-se que um Kosovo independente não teria nenhuma viabilidade econômica e poderia tornar-se um pequeno paraíso mafioso, desempenhando o papel de ímã para o irredentismo albanês, principalmente na Macedônia.
Negociações entre Sérvia e Montenegro
Agora que, para o Ocidente, os nacionalismos “periféricos” do Kosovo e do Montenegro perderam seu interesse estratégico, o ressentimento anti-ocidental aumenta entre os dirigentes albaneses, assim como, no Montenegro, para Milo Djukanovic e seus partidários que, não sem razão, têm a sensação de terem sido utilizados e depois abandonados à própria sorte.
Na concorrência entre LDK, PDK e AAK, só os objetivos da promessa nacionalista permitem que se distingam e atraiam as atenções do eleitorado
Atualmente, a estratégia européia nos Bálcãs parece se resumir a um único preceito: ganhar tempo. As discussões sobre a situação final do Kosovo são adiadas sine die e, há um ano, a União Européia tenta sugerir uma solução provisória original para o litígio sérvio-montenegrino. O acordo de Belgrado – assinado em 14 de março de 2002 por sugestão de Javier Solana, responsável pela política externa européia – prevê a substituição da atual Federação Iugoslava por uma nova União da Sérvia e do Montenegro. As competências comuns dessa futura entidade de natureza confederada serão extremamente reduzidas, mas, em troca, o Montenegro deverá aceitar uma moratória de três anos antes de qualquer convocação de um eventual plebiscito de autodeterminação2.
É pouco provável, no entanto, que as negociações constitucionais entre a Sérvia e o Montenegro, emperradas há cerca de um ano, possam chegar a um resultado, a não ser com uma nova intervenção ameaçadora por parte da União Européia. Fazendo o balanço do ano de 2002, o ministro iugoslavo das Relações Exteriores, Goran Svilanovic, referiu-se a “um ano perdido”. De fato, a hipoteca institucional contribuiu para bloquear todas as políticas de reforma, tanto na Sérvia como no Montenegro.
O “Estado-fantasma” de Solana
A nova transformação da Iugoslávia teria como objetivo principal impedir a hipótese de uma independência do Kosovo, que poderia se tornar inevitável, se houvesse um esfacelamento da estrutura federal que une a Sérvia e o Montenegro. Mas o acordo de 14 de março devolve explicitamente à Sérvia os direitos da Iugoslávia sobre o território meridional.
Os nacionalistas albaneses entenderam a intervenção da comunidade internacional como um apoio a seu objetivo de independência do Kosovo
Os dirigentes albaneses reagiram muito mal às negociações sobre o futuro Estado, das quais foram totalmente postos de lado e pelas quais não quiseram se interessar. A lógica dos diplomatas ocidentais, no entanto, é inexorável. Segundo a resolução 1244 das Nações Unidas, o Kosovo continua sendo parte integrante da Federação Iugoslava, da qual a nova União da Sérvia e do Montenegro será a herdeira legal. Mas, uma vez que o Kosovo evidentemente não faz parte do Montenegro, o fato de pertencer à Sérvia deve ser confirmado. Em caso de esfacelamento da União, está explicitamente estipulado que o Kosovo será colocado sob soberania da Sérvia. Em novembro de 2002, Rexhepi, primeiro-ministro do território, ameaçou declarar unilateralmente a independência do Kosovo se as negociações constitucionais sérvio-montenegrinas fossem concluídas.
O fantasmagórico “Estado Solana”, como já houve quem batizasse a União da Sérvia e do Montenegro, pode, portanto, precipitar um confronto entre os albaneses do Kosovo e a comunidade internacional. Só se pode ficar aflito com a imperícia e a imprevidência das políticas internacionais. Depois de ter dado carta branca às manifestações mais extremadas do nacionalismo albanês, como se poderia pensar em voltar atrás sem conflito?
Um diálogo necessário e difícil
A única solução de substituição viável da situação atual e de um novo confronto passa por duas condições indispensáveis: avanços concretos na via da reconciliação entre as comunidades que residem no Kosovo e a abertura de um diálogo direto entre Belgrado e os dirigentes albaneses.
Não somente os 40 mil soldados da Otan estacionados no Kosovo se revelaram incapazes de pôr fim à violência contra as comunidades não-albanesas do Kosovo3, mas a Missão das Nações Unidas no Kosovo (Minuk) nunca assumiu seriamente sua responsabilidade política a favor da abertura do diálogo intercomunitário. O presidente do Parlamento do Kosovo, Nexhat Daci, pôde, por exemplo, proibir os deputados sérvios de usarem durante as sessões a denominação “Kosovo e Metohija”, sem receber a menor reprimenda internacional. Pense-se somente, a título de comparação, no intervencionismo, por vezes exageradamente minucioso, do Alto Representante internacional na vida política da Bósnia…
Em vez de ser um trunfo para os estrategistas ocidentais, o nacionalismo albanês é agora visto como um fator de desestabilização para todos os Bálcãs
Os raros arremedos de diálogo entre os dirigentes albaneses e Belgrado sempre ocorreram num terceiro país. A última experiência aconteceu em novembro de 2002, por ocasião de um simpósio sobre a questão albanesa, organizado em Lucerna, na Suíça. Na volta, Rexhepi teve que se desculpar publicamente por ter apertado a mão de Nebojsa Covic, vice-primeiro ministro sérvio encarregado da questão do Kosovo, que, no entanto, apresentou ao dirigente albanês as desculpas da Sérvia pelos excessos cometidos na província.
Uma situação de tipo colonial
O engodo nacionalista, que serve de estratégia política para os dirigentes albaneses, origina-se, na verdade, de um complexo de irresponsabilidade provocado pela comunidade internacional. Já que o futuro do Kosovo será decidido pelos diplomatas ocidentais, é preferível entregar-se às alegrias da demagogia, em vez de tentar construir um diálogo com Belgrado, parceiro certamente difícil, mas, no entanto, incontornável. Da mesma maneira, o parlamento do Kosovo pode votar as moções mais radicais, já que todas as suas decisões devem ser validadas pelo Representante especial do secretário-geral das Nações Unidas, Michael Steiner, que dispõe de um direito de veto ilimitado…
A “autonomia substancial” prometida pela resolução 1244 das Nações Unidas consolida-se, portanto, por uma situação de tipo colonial, perfeitamente não-administrável a médio prazo. A justiça funciona de forma intermitente4, os serviços públicos estão abandonados e a corrupção mina a missão da ONU5, apesar do empenho corajoso de alguns administradores. Um jornalista conhecido do Kosovo resume a situação assim: “Em vez de eletricidade, fornecem-nos geradores, e acontece o mesmo com a justiça, onde se contentam com operações políticas específicas.”
Continua o barril de pólvora
A solução passa pela reconciliação entre as comunidades que residem no Kosovo e a abertura de um diálogo direto entre Belgrado e os dirigentes albaneses
Durante os primeiros anos do pós-guerra, a reconstrução, conduzida muitas vezes de maneira anárquica e em detrimento do patrimônio natural e histórico, pôde iludir, mas a economia do Kosovo está totalmente exangue e o exílio para o Ocidente torna-se a única saída para uma juventude exuberante. Nessas condições, compreende-se que as sereias do radicalismo continuem podendo seduzir a população – tanto sérvia quanto albanesa.
No final das contas, o Kosovo tanto se assemelha a um barril de pólvora em 2003 como em 1999. A única diferença é que a comunidade internacional está diretamente implicada na crise, quando gostaria de se satisfazer com uma simples aparência de calma, para poder esquecer o Kosovo e os Bálcãs. Como em 2000-2001, um confronto com a comunidade internacional poderia assumir a forma de novos conflitos armados nas regiões albanesas periféricas, em particular no vale de Presevo, ao sul da Sérvia.
(Trad.: Regina Salgado Campos)
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1 – Danas, 6 de janeiro de 2003.
2 – Ler o texto do acordo de Belgrado, no site
Jean-Arnault Dérens é redator-chefe do Courrier des Balkans.