A indiferença internacional após as eleições em Honduras
Sérios indícios de fraude eleitoral lançam descrédito sobre a eleição presidencial hondurenha de 26 de novembro de 2017. O atual presidente, Juan Orlando Hernández, foi reeleito em detrimento do centrista Salvador Nasralla, engajado na luta anticorrupção – com a bênção dos Estados Unidos, onipresentes na vida política e militar do país desde os anos 1980
Soldados com o dedo no gatilho bem no meio da estrada, manifestantes que correm à procura de abrigo em meio a nuvens de gás lacrimogêneo… No início de dezembro de 2017, as ruas de Tegucigalpa, a capital de Honduras, apresentavam todos os indícios de um golpe de Estado militar, lembrando o clima de junho de 2009, quando o presidente de esquerda Manuel Zelaya foi raptado pelo Exército e embarcado à força num avião cujo destino era a Costa Rica.
Desta vez, foram suspeitas de fraudes eleitorais que acenderam os barris de pólvora. A eleição presidencial de 26 de novembro passado aconteceu em um clima de extrema tensão, marcada pelo temor de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vinculado ao Partido Nacional (PN), no poder, fechasse os olhos para as irregularidades da eleição para garantir um segundo mandato ao presidente que encerrava seu governo, Juan Orlando Hernández, contestado por seus desvios autoritários e sua implicação em casos de corrupção. A esse temor, acrescentou-se uma certeza: Washington não seria indiferente ao resultado de seu protegido, que garantia a manutenção de uma política ultraliberal e a militarização do país.
É difícil determinar em que momento preciso na história de Honduras apareceu a expressão “pró-cônsul”, para designar o embaixador dos Estados Unidos. O termo já gozava de ampla popularidade no início dos anos 1980, quando a embaixada norte-americana em Tegucigalpa acompanhou – para não dizer orquestrou – a frágil transição da ditadura militar de Honduras para um regime de democracia condicional e militarizada. A missão confiada ao “pró-cônsul” da época, John Negroponte, era perfeitamente clara: garantir que Honduras servisse de plataforma de coordenação para a guerra clandestina realizada pela administração Reagan contra o governo sandinista na Nicarágua e contra os movimentos de esquerda de El Salvador e Guatemala. Isso implicava não apenas uma forte presença militar norte-americana em Honduras, mas também o controle da vida política interna do país.
Uma vida no ritmo das casernas
Sob a direção de Negroponte, as tropas norte-americanas reforçaram a ocupação da base aérea de Soto Cano, frequentemente considerada pela população local como um enclave yankee. A ajuda militar dos Estados Unidos a Honduras passou de US$ 4 milhões em 1981 para US$ 77,4 milhões em 1985. Ao mesmo tempo que reconhecia internamente que as Forças Armadas hondurenhas cometiam “centenas de violações aos direitos humanos […], a maioria por motivos políticos”,1 a CIA concedia seu apoio aos esquadrões da morte que, como o Batalhão 3-16, de reputação sinistra, torturavam, matavam e faziam desaparecer dezenas de sindicalistas, universitários, camponeses e estudantes. A embaixada norte-americana mantinha relações estreitas com os comandantes dessas falanges. Como revelam documentos desclassificados, Negroponte se dedicava pessoalmente a criar obstáculos a qualquer divulgação dessas atrocidades de Estado a fim de evitar, dizia ele, “criar problemas de direitos humanos em Honduras”.
Foi apenas em 2006 que o sistema esquematizado por Negroponte – que seria em seguida promovido a embaixador nas Nações Unidas, depois secretário de Estado adjunto pelo presidente George W. Bush – começou a se desintegrar. Eleito presidente naquele ano, Manuel Zelaya, um rico fazendeiro que tinha se candidatado em uma chapa liberal, engajou-se sem aviso – e, para estupefação geral, em uma política de esquerda. Em uma ruptura espetacular com seus predecessores, Zelaya se aproximou do presidente venezuelano Hugo Chávez, o espantalho de Washington, e pronunciou a adesão de Honduras à Aliança Bolivariana para os Povos das Américas (Alba), que este último criou para se opor à influência dos Estados Unidos. Audácia suprema, Zelaya entrou em contato com os movimentos sociais opostos à presença militar norte-americana e convocou a criação de uma assembleia constituinte encarregada de substituir a Lei Fundamental de 1982, adotada sob a tutela de Washington, por uma nova Constituição de inspiração progressista.
Quando o presidente anunciou sua intenção de consultar os hondurenhos sobre a questão de saber se a convocação de uma assembleia constituinte deveria ser objeto de um plebiscito antes do fim do ano, os generais e os poderosos decidiram fazer justiça imediatamente. Sob o pretexto, apresentado sem nenhuma prova, de que Zelaya tentava modificar a Constituição com o objetivo de se instalar indefinidamente no poder, os principais dirigentes dos dois partidos dominantes acolheram com alegria e sem reservas o golpe de Estado militar de 29 de junho de 2009.
Ainda que a administração Obama tenha condenado, depois de algumas hesitações, o golpe em Honduras, ela também fez tudo o que pôde para impedir Zelaya de entrar em seu país. Sob a condução de Hillary Clinton, o Departamento de Estado inclusive manifestou apoio às eleições organizadas pelo governo oriundo do golpe de Estado, abstendo-se de reclamar primeiro a restauração de Zelaya às suas funções.
Para muitos hondurenhos, a ordem instaurada depois do golpe de Estado de 2009 lembra em mais de um ponto os sinistros anos 1980. O país vive novamente sob o ritmo das casernas. As tropas empregadas no conjunto do território depois da expulsão de Zelaya receberam carta branca para reprimir os protestos quase diários dos oponentes ao golpe de Estado. Controlados pelo Partido Nacional, os governos oriundos das eleições desacreditadas de 2009 e 2013 institucionalizam o trabalho de polícia confiado aos militares, em violação à Constituição hondurenha. Como presidente do Congresso, Juan Orlando Hernández tinha trabalhado pela validação legislativa da nova guarda pretoriana do regime, a Polícia Militar da Ordem Pública (PMOP). Mal se tornou presidente, ele criou os “Tigres”, unidades de polícia militarizada formadas pelos Estados Unidos e comandadas por oficiais notoriamente implicados em escândalos de corrupção.
A remilitarização de Honduras coincide com a restauração de um clima de conforto crescente para as famílias ricas e os investidores internacionais, para os quais o governo lançou a campanha “Honduras Is Open for Business” [Honduras está aberta a negócios]. Para remediar os riscos de conflitos sociais, o poder tomou o cuidado de concentrar as forças de segurança nas zonas atribuídas à indústria da mineração, às represas hidrelétricas, ao setor agroalimentar e ao turismo, quer dizer, aos interesses potencialmente mais nocivos para as populações do entorno. Muitos projetos industriais foram colocados ilegalmente em obras, sem a consulta prévia, requerida por lei, das comunidades indígenas, que sofrem as consequências. Segundo as organizações de defesa dos direitos humanos, não é raro que os militares se aliem a empresas de segurança privada para quebrar as resistências locais por meio da intimidação e do terror, por vezes até mesmo por meio de campanhas de assassinatos de pessoas-alvo.
No entanto, o sistema político que os Estados Unidos contribuíram para construir em Honduras, mistura de autoritarismo de farda e desvio de fundos, mostra sinais de desgaste. O movimento de resistência ao golpe de 2009 deu origem a um novo partido político, Liberdade e Refundação (Libre), que coloca em questão o status quo do bipartidarismo. Na eleição de 2013, a despeito das fraudes maciças que alteraram o resultado e de uma campanha de intimidação sangrenta marcada pelo assassinato de pelo menos dezoito candidatos e militantes do partido, o Libre ficou em segundo lugar no Congresso, com 37 cadeiras.
O regime também está fragilizado pelos casos de falsidade que se sucedem no mais alto nível e pela implicação de diversos altos dirigentes nos circuitos de tráfico de drogas, entre os quais o irmão do presidente Hernández e o ex-presidente Porfirio Lobo. Em 2015, uma onda de revolta varreu o país depois da descoberta de que fundos coletados por meio de uma rede de corrupção tinham servido para financiar a campanha eleitoral de Hernández em 2013. Graças à mediação apressada de Washington e da Organização dos Estados Americanos (OEA), foi possível encontrar uma solução política que, ao mesmo tempo que excluiu os grupos de oposição, permitiu que o presidente hondurenho escapasse à sorte de seu homólogo de Guatemala, Otto Perez Molina, encarcerado desde 2015 enquanto espera seu processo por desvio de dinheiro.
Como que para arruinar um pouco mais a legitimidade governamental, a Suprema Corte de Honduras – ela também controlada pelo Partido Nacional – julgou em 2016 que o artigo da Constituição que proíbe o presidente de se candidatar para um segundo mandato podia ser ignorado em nome… dos direitos humanos. A ironia dessa decisão, tomada sete anos depois de Zelaya ser deposto por ter supostamente pensado em se recandidatar, não escapou aos hondurenhos, que protestaram maciçamente nas ruas contra esse novo golpe de força.
Na eleição de novembro de 2017, o Libre formou, com dois outros partidos pequenos, a Aliança de Oposição contra a Ditadura. Na esperança de aliar à sua causa o eleitorado moderado, esta se estendeu para a candidatura do centrista Salvador Nasralla, um advogado engajado na luta contra a corrupção, que além disso é jornalista e apresentador de televisão muito conhecido no país. Ao seu lado, Xiomara Zelaya, esposa do ex-presidente destituído, concorria ao cargo de vice-presidente.
No dia da eleição, o TSE anunciou que divulgaria os primeiros resultados provisórios no início da noite. À meia noite, no entanto, enquanto Hernández e Nasralla reivindicavam a vitória, o TSE continuava demorando a dar notícias. Segundo o testemunho confiado depois à imprensa por um membro dissidente desse organismo, Marco Ramiro Lobo, a equipe técnica do TSE teria indicado internamente, pouco após o fechamento dos colégios eleitorais, que a soma de 57% de votos indicava uma tendência clara e irreversível em favor de Nasralla. Por horas, o presidente do TSE, David Matamoros – ex-congressista do Partido Nacional –, recusou-se a divulgar esses resultados parciais, até que, sob pressão dos observadores internacionais e do próprio Lobo, ele acabou mantendo sua promessa; no entanto, ele se recusou a pronunciar a palavra “irreversível” a respeito da tendência que se revelava.
Cento e cinquenta queixas de fraude
Foi então que a contagem dos votos – divulgada até então ao vivo no site do TSE – foi bruscamente interrompida. A misteriosa pane durou cerca de trinta horas. Segundo Lobo, foi Matamoros que, sem nenhuma explicação, teria dado a ordem de interromper o processo de contagem. Quando este foi retomado, na cadência de uma lesma, a vantagem inicialmente existente para Nasralla começou a diminuir de modo inexorável. Em 30 de novembro, o presidente Hernández foi definitivamente proclamado vencedor por 1,5 ponto de vantagem em relação ao seu rival.
Dezenas de milhares de hondurenhos descontentes foram então às ruas. Como resposta, o governo declarou toque de recolher e empregou o Exército e a polícia nos quatro cantos do país. A onda de repressão fez dezenas de vítimas, das quais ao menos catorze manifestantes mortos por balas, segundo diversas organizações de defesa dos direitos humanos. Para surpresa geral, a missão de observação da OEA – que tinha brilhado por sua atonia diante das fraudes eleitorais de 2013 – se recusou desta vez a engolir o sapo. “A pequena margem de vitória e as irregularidades, erros e problemas sistêmicos que cercaram essa eleição não permitem que a missão esteja absolutamente certa dos resultados”, comunicou.
No entanto, esse quadro pouco reluzente já não tem mais importância. Somente dois dias após as eleições, o Departamento de Estado norte-americano apresentou seu apoio incondicional à administração Hernández, saudando seus progressos em matéria de direitos humanos e na luta contra a corrupção e desbloqueando milhões de dólares de ajuda suplementar para a segurança e o desenvolvimento de Honduras. Alguns dias depois, enquanto uma dezena de manifestantes acabava de perder a vida, a Embaixada dos Estados Unidos em Tegucigalpa celebrava à sua moda o Dia Internacional dos Direitos Humanos publicando um comunicado no qual “aplaudia” os esforços do governo hondurenho para melhorar a proteção dos defensores dos direitos humanos e outros grupos vulneráveis. Ela felicitou inclusive “o engajamento das autoridades hondurenhas em esclarecer as alegações de violações dos direitos humanos em relação ao período pós-eleitoral”.
A Aliança e o Partido Liberal, estando uma vez de acordo, reclamaram a anulação dos resultados e a organização de uma nova eleição. Na tarde de 9 de dezembro, enquanto as forças de segurança continuavam a impor o terror sob suas janelas, o TSE se reuniu em um ambiente descontraído em sua sede do centro da cidade para realizar uma recontagem parcial dos votos na presença de delegados da OEA – mas na ausência da oposição. Seu presidente, David Matamoros, se preparava para fazer uma declaração quando a encarregada de negócios norte-americana, Heide Fulton, pegou o microfone para felicitar o trabalho da autoridade eleitoral e convidar o povo hondurenho a respeitar o resultado oficial da eleição. Seu diagnóstico não foi surpreendente: “O que encontramos nas urnas confirma o que contamos no dia da eleição”. E concluiu: “Para nós, o importante é que o resultado final reflete a vontade do povo hondurenho”. Ao ouvir essas palavras, o presidente do TSE não pôde esconder um pequeno sorriso.
*Alexander Main é analista político do Center for Economic and Policy Research (CEPR), em Washington.
1 David Corn, “Negroponte: unfit to lead” , The Nation, 24 fevereiro de 2005