Informar, vender e controlar
As empresas de comunicação se estruturam rapidamente como conglomerados multimídia, que incluem empresas de Internet, música, TV – tudo sob controle e vigilância do mercadoDan Schiller
Em alguns anos, uma série interminável de novos meios de comunicação, dentre os quais as rádios e televisões analógicas, veio ocupar o lugar dos veículos tradicionais. Nos Estados Unidos, segundo uma pesquisa realizada na primavera de 2000, 79% das residências dispõem de televisão a cabo ou por satélite, 59% usam um microcomputador, 53% possuem um telefone celular, 29% conectam-se por Internet quase todos os dias. A esses novos aparelhos acrescentam-se os leitores DVD (para filmes) ou MP3 (para a música), os fax, os auxiliares pessoais digitais, os consoles de vídeo games, os gravadores de CD etc.
As vantagens econômicas e estratégicas da digitalização – potência, flexibilidade e exatidão no sinal e na transmissão – tornaram-na irresistível
Todos esses novos meios de comunicação foram comercializados sob o lema da inovação. De fato, eles se baseiam numa revolução tecnológica, a digitalização, da qual não se percebem ainda todas as conseqüências. Atualmente, uma parte crescente da experiência humana pode ser representada, com mais ou menos realismo, no “esperanto dos 1 e dos 01
“. As vantagens econômicas e estratégicas da digitalização – potência, flexibilidade, exatidão na reprodução do sinal, na armazenagem e transmissão imediata dos dados – tornaram-na irresistível.
Os conglomerados multimídia
As tecnologias digitais deram início a um movimento de “convergência”. Enquanto os meios de comunicação analógicos estão, por natureza, limitados à distribuição de um tipo único de informação (voz para o telefone e o rádio, texto para a imprensa, vídeo para a televisão), as tecnologias digitais podem veicular uma ampla gama de serviços, todos eles reduzidos a fluxos indiferenciados de 0 e de 1. Além disso, os fabricantes de produtos eletrônicos para o grande público utilizam componentes similares na maioria dos aparelhos, mesmo que se trate de plataformas tão diferentes, na aparência, como televisores, microcomputadores, telefones sem fio ou consoles de vídeo games.
A convergência dos meios de comunicação digitais desestabiliza, por sua vez, os meios de comunicação clássicos que, até então, eram regidos por mercados desconectados uns dos outros e, em larga escala, oligopolistas. As principais empresas de comunicação tentaram controlar a transição e definir suas características técnicas e comerciais. A resposta consistiu na estruturação rápida de conglomerados multimídia, tais como a AOL-Time-Warner, a Vivendi-Universal e outros consórcios industriais2
. Todos esses grupos procuram integrar sistemas e serviços de Internet em empresas ou segmentos da indústria já existentes. Pretendem, sobretudo, canalizar essa transformação maior, de modo que ela possa oferecer o máximo de lucro.
Mercado sem fronteiras nacionais
Os grandes grupos de comunicação procuram integrar sistemas e serviços de Internet em empresas ou segmentos da indústria já existentes
Três características definem a convergência. A primeira é que ela se exerce numa paisagem estratégica global. Do sistema de exploração (computadores ou outros produtos eletrônicos) aos endereços Internet, passando pelos formatos digitais de música, as normas de difusão de televisão, as regras de interconexão das redes – tudo está sob a intensa vigilância do mercado. Já que cada plataforma midiática pode se revelar como a porta de entrada de um novo mercado, é preciso dotá-la de uma certa combatividade ou, pelo menos, de uma capacidade de defender o que conquistou.
A segunda característica refere-se precisamente a essas batalhas industriais ferozes. Cada vez mais numerosas, são conduzidas por uma gama muito mais ampla de empresas. Aos fornecedores de programas, protagonistas habituais de batalhas midiáticas, acrescentam-se os fabricantes de produtos de consumo eletrônicos, os operadores de telecomunicações e os fabricantes de softwares. Muitas vezes de grande importância – quando se trata, por exemplo, de fixar normas ou dividir freqüências -, aquilo que está em jogo permanece, no entanto, obscuro, e as decisões são tomadas nos meandros do poder.
A terceira característica refere-se à dimensão multinacional da luta pelo controle da dinâmica de convergência que faz desaparecerem todas as fronteiras dos mercados nacionais. Provavelmente com um pouco de pena, o diretor-presidente da Vivendi-Universal (VU) declarou que “nenhuma empresa da mídia pode esperar ficar à frente de todas as emissoras de distribuição do mundo inteiro”. A quais segmentos da convergência irá a Vivendi limitar seu apetite?
Vivendi aperta o cerco
O decodificador, uma aliança de eletrônica digital e softwares especializados, constitui um mecanismo de controle de vários serviços televisivos
O decodificador poderia ser um deles. Composto por uma aliança de eletrônica digital sofisticada e de softwares especializados, constitui, na verdade, um mecanismo de controle de vários serviços televisivos: da programação convencional e de todas as opções interativas, tais como o videocassete com controle remoto ou as funções que unem a televisão à Internet (acesso rápido à rede, jogos interativos, correio eletrônico, compras on line, armazenagem de vídeos, de som ou de fotografias, filmes por encomenda, leitura de DVD…), até à rede Intranet “doméstica” ligando televisor e PC3! A AOL-Time-Warner insiste – diante do ceticismo de certos analistas – em sua expectativa de faturar de cada assinante uma quantia mensal de 180 euros (cerca de 380 reais), em alguns anos, por uma combinação de serviços que incluiria, entre outros, jogos, telefone, música e acesso rápido à Internet. Os diretores da Vivendi-Universal deram declarações similares. Conscientes da importância crescente do decodificador, muitas empresas rivais investiram, sobretudo por meio de consórcios, em versões concorrentes do aparelho.
Com a aquisição do Canal+, a Vivendi passa a dispor de uma longa experiência de decodificador e de televisão paga. Seu software MediaHighway está instalado em 12,5 milhões de residências européias. Por outro lado, o Canal+ formou uma parceria com o fabricante de aparelhos eletrônicos Sony, Sun MicroSystems, e vários outros pequenos construtores de decodificadores especializados que cuidam da parte de softwares.
A evolução dos decodificadores
E não é tudo: a Vivendi-Universal gastou 1,5 bilhão de dólares para participar do capital da EchoStar, uma rede de serviços por satélite que dispõe de 7 milhões de assinantes. Com esse dinheiro, a EchoStar pôde desenvolver seu projeto de compra – por bilhões de dólares – da Hughes, cujo serviço rival DTH, da DirectTV, conta com 10 milhões de assinantes nos Estados Unidos. Se a autorização, por parte dos organismos de controle norte-americanos, fosse concedida (o que ainda não é certo), a Vivendi obteria então uma parte maior do monopólio dos serviços por satélite norte-americanos e 27 milhões de assinantes no mundo todo. Poderia, dessa forma, ter certeza de que a EchoStar, com ou sem DirectTV, daria prioridade a seu software de decodificador MediaHighway, em vez daquele, diferente, utilizado atualmente pela empresa. Além disso, se a EchoStar e a DirectTV assinarem um acordo, a Vivendi espera fazer com que esqueçam os softwares Microsoft, anteriormente parceiros da DirectTV. Não se trata apenas de controlar o mercado de decodificadores, mas de empregar esses aparelhos para ocupar um lugar no mercado potencialmente mais importante dos serviços interativos.
Os chamados telefones “de terceira geração” são uma plataforma de convergência na qual a Vivendi investiu enormemente, por meio de sua filial Cegetel
Essas complexidades não bloqueiam de modo algum a evolução do decodificador, sem falar dos mercados emergentes do audiovisual digital. Os consoles de vídeo games, ligados aos televisores, têm funções que convergem rapidamente para as dos decodificadores. Os mais modernos podem controlar os televisores, dão acesso à Internet, permitem jogar on line e projetar DVD. O lançamento simultâneo nos Estados Unidos, na Europa e no Japão do Xbox da Microsoft representa, por exemplo, um desafio à dominação dessa plataforma pela Sony e a Nintendo4.
Vídeo no computador
Os chamados telefones “de terceira geração” formam outra plataforma de convergência na qual a Vivendi investiu enormemente, por intermédio de sua filial Cegetel e de sua parceria, potencialmente significativa, com a empresa mundial de telefones celulares Vodafone. A estratégia empregada é fornecer aos consumidores serviços de informação em tempo real – música, cotações da bolsa, desenhos animados, previsões do tempo, gastronomia – “o tempo todo, em toda parte”.
O computador – dispositivo que ocupa espaço, mas que é prático para participar dos diversos fluxos de comunicação – oferece um último veículo importante numa ótica da convergência. Cerca de 40% dos usuários escutariam discos em seus aparelhos; um pouco menos de um quarto da população norte-americana teria ouvido uma rádio por Internet em 2001, ou visto um filme ao vivo por meio da rede. Graças à difusão de trechos de espetáculos de sucesso, o maior estúdio independente de Hollywood, Carsey-Werner, diverte atualmente mais de 200 milhões de usuários diferentes por mês no mundo inteiro. O estúdio procura obter o patrocínio de anunciantes. A RealNetworks, que comercializa o principal software de distribuição de vídeos na Internet, oferece a 400 mil assinantes – que pagam pelo menos 9,95 dólares por mês – o acesso a um serviço de vídeo unindo os programas da ABC News, CNN, e da E-Entertainment Television e da Fox Sports Net – que recebem, todos, uma parte da renda. Os mais recentes softwares da AOL (32 milhões de assinantes) incluem, no portal, um ícone para escutar rádio. A pressão intensa, no mundo inteiro, para aumentar a velocidade e permitir a um maior número de residências o acesso à Internet rápida significa que o número de conexões desses serviços de informações poderia aumentar rapidamente.
A cultura digital emergente
Gigante da produção musical, detendo direitos sobre 850 mil títulos de músicas, a Vivendi-Universal acaba de lançar, em parceria com a Sony e a EMI – dois outros gigantes do setor -, alguns selos independentes; e a Microsoft, um serviço de música on line disponível por assinatura. Chamado Pressplay, este último só tem um rival, lançado por um trio de empresas de produção musical multinacionais concorrentes. Mas seu objetivo comum deveu-se à concorrência: trata-se de estabelecer serviços pagos e patenteados de música pela Internet, e torná-los legítimos junto aos internautas – e lucrativos.
Trava-se uma luta dura entre serviços pagos e patenteados de música pela Internet e os serviços gratuitos de intercâmbio
Travam uma luta dura contra os serviços gratuitos de intercâmbio de arquivos musicais, dos quais o Napster (reprimido pelas grandes empresas de produção de música) não foi senão um catalisador. Com o nome de Morpheus, Lime Wire ou Kazaa, essas redes continuam a se expandir fora de qualquer restrição comercial5. Os fabricantes de produtos eletrônicos põem lenha na fogueira, vendendo o mais amplamente possível as novas tecnologias de gravação. A indústria musical, como na totalidade da mídia criadora de conteúdo, está às vésperas de sofrer modificações de monta. E não se sabe ainda que métodos, que canais de distribuição e que serviços de programas irão se impor comercialmente.
Sejam quais forem as plataformas e os serviços que tomarão a dianteira na cultura digital emergente, novas maneiras de escolher entre uma seleção potencialmente prodigiosa de opções vão aparecer. Os “guias de programas eletrônicos” representam uma possível resposta. Esses serviços interativos, disponíveis por televisor, desejam ajudar o consumidor a navegar entre as dezenas de canais de televisão, jogos, correio eletrônico e outras ofertas constantemente propostas pelas indústrias multimídia. O Gemstar-TV Guide é o mais importante desses guias eletrônicos de televisão. É coligado à News Corporation e à Liberty Media. Propostos para computadores ou telefones sem fio, os “portais” são uma outra solução. Todos esperam implantar, na tela de acesso do espectador, um ponto de convergência destinado aos serviços comerciais e à publicidade.
(Trad.: Regina Salgado Campos)
1 – Segundo a fórmula de Jim Davis e Michael Stack, “The Digital Advantage”, in Davis, Hirsch e Stack (org.), Cutting Edge: Technology, Information, Capitalism and Social Revolution, Verso, 1997.
2 – Ler “Un prédateur à l?ère d?Internet”, Le Mo
Dan Schiller é professor de comunicação na universidade Urbana-Champaign (Illinois), autor de How to think about information, University of Illinois Press, Chicago, 2006.