João Anzanello Carrascoza: ‘no fundo, o que me interessa é o tempo como personagem’
Autor nascido em Cravinhos (SP) é o terceiro entrevistado no especial do Le Monde Diplomatique Brasil em comemoração ao Dia Nacional do Escritor
Com uma prosa poética capaz de abarcar temas como infância, solidão, velhice, silêncio, ausência e luto, João Anzanello Carrascoza é o entrevistado dessa semana no especial do Le Monde Diplomatique em comemoração ao Dia Nacional do Escritor (25 de julho).
O autor e professor universitário nasceu em Cravinhos, no interior de São Paulo, e tem entre suas obras Aos 7 e aos 40, Caleidoscópio de vidas, Tramas de meninos, Caderno de um ausente, Aquela água toda e O céu implacável.
Venceu os Prêmios Jabuti (2007, 2013 e 2015), Eça de Queiroz (2000), APCA de Literatura (2012), Biblioteca Nacional (2011, 2017 e 2021), Candango (2022) e Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (2013, 2014, 2018 e 2020). “O prêmio maior é ter leitores que são afetados pelos livros que escrevemos, sejam leitores comuns, estudantes de letras, críticos literários, professores de ensino médio ou universitários, sejam, também, leitores na condição de jurados de premiações”, afirmou.

Foto: Renata Massetti
Ao longo da entrevista, ele ainda abordou a importância do tempo em suas narrativas, evidenciou a relação entre a construção das frases e o ritmo das histórias e reforçou sua preocupação com a estética do livro enquanto objeto. Confira na íntegra:
A infância é abordada em muitos de seus livros, sempre com um olhar abrangente e sensível. Em que momento percebeu que esse tema escondia tantas possibilidades?
Os temas não são escolhas que faço diante de uma prateleira, erguendo a mão e apanhando esse ou aquele conforme a sede, com o intuito de saciá-la, os temas são a própria sede; portanto, estão no corpo, são elementos que me constituem como sujeito e, sendo assim, não há como deles me evadir, senão aceitá-los. A infância sempre estará à mão para ser transfigurada em narrativas, como as demais fases da vida. Nos meus últimos romances, como contraponto, por exemplo, a velhice vem se fazendo mais presente, uma vez que nela adentrei. No fundo, o que me interessa é o tempo como personagem (não apenas o tempo diegético do enredo) e suas interações com os protagonistas, conduzindo-os ao pretérito imperfeito ou ao futuro do presente.
Sua escrita é marcada pelo lirismo e por frases curtas que continuam a ecoar em leitores e leitoras. A preferência por frases mais curtas foi uma escolha consciente?
Eu penso que pode haver uma dominância de frases curtas em meus livros, mas elas estão invariavelmente a serviço do ritmo, alternando-se com outras mais longas, às vezes com características até de versículos, que resultam, quase sempre, em ondas de sentimentos, ou em marés de reflexões (o ficcionista é também, a meu ver, um pensador).
Você recebeu importantes prêmios literários ao longo de sua carreira. De que forma esses reconhecimentos contribuem para o trabalho de um escritor? Os prêmios aumentam a pressão para o trabalho seguinte? Como lidar com isso?
Os prêmios são vetores de reconhecimento e legitimação de obras literárias, mas não os únicos. Há muitos livros premiados dormentes, quase desconhecidos do público e, portanto, invisíveis, embora tenham trazido para seus autores espaço (circunstancial) na mídia e (algum) valor monetário no bolso. Outros livros, não premiados, seguem em erupção, atravessando divisas e despertando encantamento. Ou seja, o prêmio maior é ter leitores que são afetados pelos livros que escrevemos, sejam leitores comuns, estudantes de letras, críticos literários, professores de ensino médio ou universitários, sejam, também, leitores na condição de jurados de premiações.
Para além de todo o cuidado com a escrita, há uma preocupação com a estética de outros elementos em suas obras, como a capa, as fontes e os formatos dos livros. Para você, esses aspectos são tão importantes quanto o texto em si?
O objeto livro é um artefato que se consubstancia pela instância verbal e pela visual. Essa, na minha concepção, também é essencial para a produção de efeitos de sentido, desde que tenham aderência à trama. Aspectos formais da obra deveriam, como um vaso, acolher, com atributos pertinentes e na medida apropriada, o conteúdo ficcional.
Em 25 de julho é comemorado o Dia Nacional do Escritor. Na atualidade, o que os autores e as autoras mais têm a celebrar no país? E com o que eles e elas devem se preocupar?
Celebrar a pluralidade de vozes literárias, as maiores visibilidades das pautas minoritárias, a multiplicação de eventos culturais, as volumosas oportunidades editoriais. E atentar para os contratos de edição, o preço dos livros, o conflito entre editoras e livrarias, as iniciativas governamentais descontinuadas.

Foto: Adriana Vichi
Em sua opinião, qual escritor ou escritora merece maior atenção de leitores, leitoras, editoras e da crítica especializada no Brasil?
Todos, e, entre eles, Claudia Nina, Carlos Eduardo Magalhães, Jarid Arraes, Adilson Zamboni, Alê Motta.
Qual foi o melhor conselho que você já recebeu no meio literário? E o pior?
O melhor conselho eu captei no exemplo de Raduan Nassar ao demonstrar como o alho tem uma presença de vida poderosa na comida, e concluir que muita literatura não vale um dente de alho. Pela antítese subtendida, o pior conselho é não dar atenção para a singularidade do alho e, em consequência, fazer uma literatura anódina.
O que move sua escrita?
O tempo presente, a vida presente, os homens presentes, como no poema de Drummond, acrescentando a esta sequência a dor (e, ainda, o espanto) presente.
Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e autor de “Desprazeres existenciais em colapso” (Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros). É colaborador do Jornal Rascunho e da São Paulo Review e tem textos publicados em veículos como Le Monde Diplomatique, Rolling Stone Brasil e Estado de Minas.