Justiça reconhece direitos territoriais dos caiçaras da Comunidade Rio Verde
Após 30 anos de luta pelo território tradicional caiçara na Jureia, cujo resultado perverso significou a expulsão integral ou parcial de diversas comunidades na região, decisão judicial pioneira reconhece a violência histórica e o racismo ambiental cometidos em nome da preservação da natureza intocada.
A perseguição às comunidades caiçaras do Rio Verde, localizadas em Peruíbe, litoral Sul de São Paulo, na Estação Ecológica da Jureia, resultou na demolição violenta e arbitrária de duas casas e no despejo de famílias, no dia 04 de julho. Contudo, o juiz da 1ª Vara Judicial da Comarca de Iguape, Guilherme Henrique dos Santos Martins, recebeu a ação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e deferiu o pedido de liminar para que a Fundação Florestal e o estado de São Paulo “se abstenham de executar ordem administrativa de demolição da casa e de desocupação dos autores”, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 e de responsabilização por crime de desobediência em caso de descumprimento.
O magistrado entendeu que há farta documentação, com destaque para o laudo antropológico, que atesta a tradicionalidade caiçara de Edmilson de Lima Prado – que teve sua casa demolida. Além disso, adiantou que o caiçara preenche todos os requisitos previstos na Lei Estadual que cria o Mosaico de Unidades de Conservação da Jureia-Itatins a fim de receber Termo de Permissão de Uso para moradia na Comunidade do Rio Verde, da qual faz parte e com a qual mantém vínculo, desempenhando atividades tradicionais sustentáveis.
O juiz reconhece que as comunidades caiçaras da Jureia foram “decisivas para a integridade dos ecossistemas existentes” e que são portadoras de patrimônio cultural, como o fandango, que somente pode ser tutelado se o território tradicional caiçara for assegurado, como determina a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, norma com força supralegal e aplicável às Comunidades Tradicionais Caiçaras, da qual Edmilson é legítimo membro.
Para o magistrado, o exercício da autotutela administrativa – alegado pela Fundação Florestal – não se aplica ao caso porque se está diante de “altamente complexas relações jurídicas decorrentes da sobreposição de áreas decorrente da instalação de unidades de conservação (e a correspondente necessidade de proteção do meio ambiente) e o direito social de moradia de comunidades tradicionais de que trata a hipótese dos autos.”
O juiz condena a postura arbitrária da Fundação Florestal, em razão “do aparente cumprimento abrupto e sorrateiro da demolição aos 04/07/2019, na manhã seguinte ao encerramento das tratativas consensuais descritas na exordial, que envolveram a comunidade tradicional e duas instituições de incontestável representatividade (DPE-SP e MPF)”, sem assegurar providências “elementares em qualquer tratativa envolvendo reintegrações de posse e desocupação/demolição de bens imóveis de incidência bastante corriqueira na unidade de conservação em apreço , inclusive para evitar eventual responsabilização estatal por eventuais danos materiais/morais decorrentes das condutas de seus agentes.”
Após 30 anos de luta pelo território tradicional caiçara na Jureia, cujo resultado perverso significou a expulsão integral ou parcial de diversas comunidades na região, esta decisão judicial pioneira reconhece a violência histórica e o racismo ambiental cometidos em nome da preservação da natureza intocada. As famílias caiçaras da Comunidade do Rio Verde permanecem mobilizadas e juntas às outras comunidades tradicionais, que também vivenciam há tempos diversas formas de violência no território onde vivem, e sentem-se fortalecidas para continuar unidas na busca de um horizonte de justiça para todas.