‘Livro sem nome’, de Paulo Henrique Passos: a linguagem como matéria-prima
Romance conta a história de Layla, uma mulher que permaneceu em silêncio por 73 anos após perder abruptamente a capacidade de fala
Ainda que algumas obras chamem a atenção por conta de seus enredos mirabolantes, a matéria-prima da literatura continua a ser a linguagem. Essa constatação parece óbvia, mas construir um texto que se preocupa com cada palavra escolhida e que está disposto a fugir do lugar-comum no que diz respeito à narração não é tarefa fácil.
O escritor Paulo Henrique Passos certamente sabe isso muito bem, já que seu romance de estreia, “Livro sem nome”, é um ótimo exemplo de técnica, inovação e sensibilidade.
A obra foi publicada recentemente pela Patuá e conta a história de Layla, uma mulher que permaneceu em silêncio por 73 anos após perder abruptamente a capacidade de fala, aos 12. Na primeira parte do romance, diversas vozes discutem a personagem. Irmã, melhor amiga e primeiro companheiro contam sobre sua intimidade, enquanto médico e linguista tentam desvendar o seu silêncio repentino.
Em determinado momento, mais de sete décadas depois e sem explicação aparente, Layla volta a falar e passa a contar histórias que hipnotizam todos ao seu redor. Os enredos abordam figuras da mitologia grega, personagens bíblicas e pessoas que fazem parte do cotidiano da contadora de histórias.
As narrativas são transmitidas uma a uma, com poucos parágrafos e muito movimento. Algumas começam diante de um acontecimento inesperado e seguem um caminho não linear. Outras optam por uma estrutura mais padrão, com começo, meio e fim. Em ambos os casos, no entanto, a linguagem é o que mais importa.
Paulo Henrique Passos usa palavras, símbolos e pontuações como poucos. Utiliza metalinguagem, faz referências inquietantes e apresenta um romance que também é um livro de contos. Propõe um intenso mergulho nas palavras sem recorrer a termos complicados ou a construções prepotentes.
O autor, assim como sua protagonista, sabe como contar boas histórias com poucas palavras. E isso está longe de significar economia. As pouco mais de 120 páginas são suficientes para fazer de “Livro sem nome” uma obra profunda, perspicaz e arrebatadora.
Com uma escrita surpreendente, Paulo Henrique Passos propõe um exercício de linguagem dos mais interessantes e demonstra que a nova literatura brasileira segue inquieta e atenta às novas possibilidades. Não por acaso, ele foi apontado como uma das melhores vozes de nossa literatura pelo premiado escritor Luiz Antônio de Assis Brasil, idealizador da mais antiga oficina de criação literária do país.
Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e autor de “Desprazeres existenciais em colapso” (Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros). É colaborador do Jornal Rascunho e da São Paulo Review e tem textos publicados em veículos como Le Monde Diplomatique, Rolling Stone Brasil e Estado de Minas.