Longe dos olhos, longe do coração
Como custa caro e gera menos audiência que as fofocas sobre a vida dos famosos, a informação internacional não é prioridade para as direções editoriais. Alguns países geográfica e culturalmente próximos beneficiam-se, contudo, de uma cobertura melhor. O tratamento dado aos atentados ilustra essa dinâmica de forma bastante clara
No dia 2 de novembro de 2017, os ouvintes da programação matutina da France Inter puderam viver um momento radiofônico singular. Em sua crônica semanal, Nicole Ferroni queixou-se que tinha sido convidada a modificar sua intervenção – destinada originalmente ao assédio sexual – em vista dos eventos ocorridos no dia 31 de outubro em Nova York: o motorista de um veículo atropelou intencionalmente vários pedestres, causando a morte de oito e deixando doze feridos. Visivelmente incomodado, Nicolas Demorand reagiu: “Você descobriu, minha cara Nicole, que o real às vezes nos atinge”. Deu-se um silêncio atordoante. “É melhor não falar sobre isso…; é essa, se entendi bem, a moral da crônica?”, ele continuou. A cronista explicou que questionava “a importância do fato de se falar disso com tanta frequência”. O apresentador do segundo programa matutino mais escutado da França concluiu com estas palavras: “Obrigado. Infelizmente há atentados com tanta frequência, e falamos deles tentando refletir também”.
Naquela semana, os jornais das 8 horas da France Inter dedicaram 6 minutos e 26 segundos ao atentado em Manhattan. Duas semanas antes, o de Mogadíscio, o ataque terrorista mais mortífero da história africana, com 512 mortos,1 não teve direito a mais que breves 21 segundos no jornal das 8 da principal emissora de rádio pública, ou seja, dezoito vezes menos. Entre 18 e 24 de agosto de 2017, os ataques de Barcelona e de Cambrils – reivindicados pela organização Estado Islâmico, com dezesseis mortos, tinham sido noticiados nos mesmos jornais durante 24 minutos e 50 segundos, ou seja, 71 vezes mais que o de Mogadíscio. Esses três atentados, que ocorreram em um curto lapso de tempo em pontos diversos do mundo, fornecem um bom exemplo da importância muito variável atribuída pelos jornalistas a esse tipo de acontecimento.
Com notável exceção da Radio France Internationale (RFI), todos os meios de comunicação analisados reservaram aos atentados catalães um tratamento quantitativo visivelmente superior ao que deram ao massacre de Mogadíscio. Assim, a Télévision Française 1 (TF1) abriu seis vezes seu jornal das 20 horas com chamadas sobre esses acontecimentos, aos quais o canal de TV consagrou 1 hora, 1 minuto e 17 segundos entre os dias 17 e 23 de agosto. Mas, entre 14 e 20 de outubro, ela dedicou apenas 1 minuto e 40 segundos ao ataque de Mogadíscio, ou seja, uma relação de 1 para 44.
Será que é preciso aceitar como explicação a curta distância que separa Barcelona da sede das redações parisienses, o que se chama em algumas escolas de jornalismo de “jornalismo de proximidade” ou de “morte quilométrica”? O simples critério da proximidade geográfica cai quando se compara o tratamento dado pela TF1 aos atentados de Nova York e de Mogadíscio, cidades situadas, respectivamente, a 5.845 km e a 6.625 km de Paris. Entre 1º e 7 de novembro, os acontecimentos de Nova York foram lembrados três vezes, ao todo durante 21 minutos e 15 segundos, ou seja, quinze vezes mais que o tempo de difusão reservado aos mortos na Somália.
Entre os fatores que determinam a intensidade da cobertura dada à África, poderiam figurar o envolvimento do Exército francês ou a presença de franceses entre as vítimas. A presença de jornalistas na área também parece crucial: nenhuma das três rádios – France Inter, RTL, Europe 1 –, que contam com as maiores audiências matinais, dispõem de correspondentes permanentes na África. A France 2 mantém um em Dacar, apesar do fechamento de sua agência especializada em 2014,2 enquanto a TF1 só trabalha desde então com jornalistas freelancers no continente. Na imprensa diária, o Le Monde conta com dois correspondentes permanentes, que enviam notícias respectivamente de Johannesburgo e Túnis; o Le Figaro não dispõe mais de nenhum jornalista mensalista na África. Somente a RFI se distingue, uma vez que a rede pública – que tem como slogan “As vozes do mundo” – conta com quatro correspondentes a postos em Dacar, Abidjan, Kinshasa e Nairóbi. O tratamento que deu aos três atentados é muito menos desequilibrado do que todos os outros meios de comunicação juntos.
“Evitemos a overdose midiática após os atentados” foi o título de um artigo publicado pelo Le Monde em 25 de agosto de 2017. No que diz respeito aos mortos em Mogadíscio, aos quais o diário vespertino consagrou oito vezes menos caracteres que aos de Barcelona e de Cambrils, a overdose sem dúvida foi evitada.
*Téo Cazenaves é jornalista.
1 “Le bilan de l’attentat en Somalie en octobre bondit à 512 morts” [O balanço do atentado na Somália em outubro subiu para 512 mortos], LeMonde.fr, 2 dez. 2017.
2 Léa Ticlette, “AITV victime de l’évolution des objectifs de France TV” [AITV, vítima da evolução dos objetivos da France TV], RFI.fr, 9 dez. 2014.