“Manter-se na pólis,/ainda que tacitamente/decretos de exílio”
Ler Teofilo é similar a encarar a própria fisionomia em um espelho, tateando uma identidade
Esses versos iniciam o diálogo filosófico e da junção de opostos do terceiro livro de Teofilo Tostes Daniel, “O poeta toma a pólis” (Editora Patuá/2023/134 p).
A proposta de Tostes é desencadeada nas relações entre dualidade, corpo, sujeito e o social. Aqui, a relação entre indivíduo e sociedade não está centrada nos experimentos verbais da linguagem poética, mas sim na construção do fermento do real; realismo e linguagem se entrecruzam, como em João Cabral de Melo Neto e sua poesia de circunstância. O dentro/fora das coisas, o trivial e a efemeridade são um dos fatores de seu lirismo.
No trecho do poema “jamais nos recuperaremos de 1964”, o debate contemporâneo se faz presente: “enquanto isso o concreto modernista/fincado no cerrado/por suaves linhas repletas/de eufemismos”. O verso torna explícito a pulsão do acontecimento dos ataques do 8 de janeiro em Brasília ressoando com os resquícios trazidos de outra temporalidade. O poema, logo em seguida, faz como matéria o temor dos anos de chumbo, que coincidentemente à publicação dessa obra completou 60 anos do golpe militar um ano após.
É da ordem da materialidade, das coisas do cotidiano, que o discurso toma forma. Não é um discurso político, como se fosse um proselitismo às massas, mas um trajeto que incorpora a observação dos objetos e pessoas. Se um corpo cai no esquecimento, tomado como pó ou pela falta de lampejo da memória, ele ainda existe?
Ler Teofilo é similar a encarar a própria fisionomia em um espelho, tateando uma identidade. Ela pode não estar escondida, mas está em fragmentos cujos rastros tentam se recompor. Tomar (ou retomar) um espaço é estar nessa pólis no intuito de dar voz a esse ser – como menciona Lilian Sais no posfácio. Parece que o autor deseja equilibrar o individual e o coletivo para pensar no extremo: o de estar preso em si mesmo, por mais que se observe o familiar. Mas nós conhecemos mesmo o que está perto de nós?
Lorraine Ramos Assis (1996) é crítica literária e socióloga. Foi publicada em diversas revistas/jornais nacionais e estrangeiros, tais como Jornal Cândido, Cult revista, Relevo, Granuja (México) e Incomunidade (Portugal). Colabora para São Paulo Review e Revista Caliban, além de integrar o corpo de poetas do portal Faziapoesia. Pesquisa sociologia da literatura e gênero.