Metamorfoses da mídia norte-americana
Donald Trump e a mídia norte-americana cultivam uma relação de amor e ódio: os jornalistas que ofereceram ampla publicidade gratuita às suas bravatas agora dissecam a presidência. As relações tensas maquiam uma homogeneização econômica das empresas. Mesmo os novos sites informativos adotam um modelo que desencoraja a investigação e a reportagem
Há meio século, o presidente norte-americano Richard Nixon fustigava as “mídias” como se elas fossem uma entidade única e indistinta. Numa época dominada por um punhado de redes de televisão, revistas e jornais, ele não estava muito errado. Contudo, a partir do início dos anos 2000, o panorama se diversificou.
Podemos distinguir três famílias, em que gêneros e plataformas se confundem. Primeiro, a do infoentretenimento de massa,1 com sites na internet bem estabelecidos como BuzzFeed e Huffington Post, mas também grandes redes de televisão nacionais (CBS, ABC, NBC, CNN) e suas filiais locais. Vem depois a família partidária,2 representada pela Fox (conservadora), a MSNBC (progressista), emissoras de rádio principalmente conservadoras, a blogosfera e as sátiras políticas como The Daily Show, apresentado por Trevor Noah, e Last Week Tonight with John Oliver. A terceira família privilegia um jornalismo de qualidade com títulos como The New York Times, The Wall Street Journal, Politico, revistas nacionais como Time e The Atlantic, além dos principais jornais regionais. Os setores público e associativo, minoritários mas dinâmicos, oferecem às vezes um contrapeso a esse sistema inserido na economia de mercado.
Entretanto, os limites entre essas categorias são vagos e porosos. Redes de televisão e sites como Huffington Post e Vox tentam conciliar jornalismo de qualidade com infoentretenimento. A neutralidade política propalada pelo New York Times e outras mídias dominantes é vivamente contestada por críticos conservadores. Na outra extremidade do espectro, quando a maior rede de emissoras de televisão locais, Sinclair, vista em 70% dos lares norte-americanos, recruta um ex-porta-voz de Donald Trump para o cargo de principal analista político, acusam-na de utilizar suas 173 redes para “promover um programa essencialmente de direita”.3
“Você ganhou Pulitzer demais”
Para compreender melhor o advento desse novo ecossistema, é necessário remontar ao período que se seguiu à pretensa “idade do ouro” dos anos 1970, marcada por Watergate: as décadas de 1980 e 1990, no curso das quais o lucro se tornou o alfa e o ômega da mídia.
Enquanto na França vários jornais gastam mais do que ganham e não poderiam sobreviver sem o auxílio público, a informação rende bastante nos Estados Unidos – e há muito tempo. Nos anos 1980, um grupo cotado na Bolsa como o Gannett, que publica, entre outros, o USA Today (o diário nacional mais vendido no país), obteve com seus cem títulos um lucro líquido de 25%, se não mais. Esse grupo se impõe como um modelo a seguir. O segredo? Eliminar a concorrência para garantir um monopólio local, reduzir o número de empregados e enxugar os orçamentos, encher as páginas de notícias baratas e maximizar a publicidade. Ainda há pouco, esta representava 80% do volume de negócios da imprensa escrita norte-americana: a maior proporção nos países ocidentais.
O salto da prestação de serviços ao público para a lógica mercantil veio completamente à luz quando, num belo dia de 1986, Wall Street fez baixar as ações do Knight Rider logo depois que o lendário grupo de imprensa acabava de arrematar sete prêmios Pulitzer, uma das mais prestigiosas recompensas profissionais do mundo. Um analista da Bolsa teria então explicado a Frank Hawkins, diretor do conglomerado que o interrogou sobre a causa dessa catástrofe: “Foi porque você ganhou Pulitzer demais. O dinheiro investido nesses projetos deveria ter ficado na coluna ‘Resultados’”.4 A pressão aumentou nos anos 1990, colocando a otimização dos lucros acima de qualquer outra consideração.
Foi nesse contexto nada glorioso que sobreveio, em ondas sucessivas, a crise do início do século XXI: declínio dos pequenos anúncios e da propaganda impressa, não compensados pela atividade on-line; crises financeiras de 2001 e 2008, que continuam roendo os lucros publicitários. De 2005 a 2016, estes últimos caíram de US$ 49 bilhões para US$ 20 bilhões, dos quais apenas 30% foram obtidos on-line, onde as tarifas são menores. Embora estejam aumentando, as receitas das assinaturas não compensam as perdas publicitárias. As ações desabaram e um terço dos 60 mil empregos de tempo integral, na imprensa escrita, desapareceu, com cortes mais acentuados na reportagem, investigação e cobertura dos assuntos públicos.5
Resultado: um número cada vez maior de grupos com ações em Bolsa vende títulos importantes às grandes fortunas. Em 2013, o fundador da Amazon, Jeffrey Bezos, comprou o Washington Post, e o dono do time de beisebol dos Boston Red Sox, John Henry, adquiriu o Boston Globe. No ano seguinte, Glen Taylor, proprietário do time de basquetebol dos Minnesota Timberwolves, apossou-se do Star-Tribune, o jornal mais importante do estado. No fim de 2015, o bilionário conservador Sheldon Adelson comprou o Las Vegas Review-Journal. Esses magnatas injetaram um elemento de diversidade num universo econômico homogêneo e poderiam, se quisessem, resistir à pressão do lucro. O Washington Post e o New York Times foram os precursores nas investigações da administração Trump; e, não por acaso, nenhum dos dois é propriedade de um grupo de mídia (a maioria das ações do NYT pertence à família Sulzberger). Esse tipo de propriedade individual suscita novas preocupações com possíveis vieses políticos, conflitos de interesses e falta de transparência. Trump aproveitou a ocasião para tuitar contra o “AmazonWashingtonPost” e ameaçar a empresa de vendas on-line com uma investigação antitruste a fim de intimidar Bezos. As motivações reais do presidente norte-americano não têm lá muito a ver com o direito de concorrência, mas é verdade que a Amazon domina um número crescente de setores, o que multiplica os riscos de conflito de interesses.
Para a maioria dos cidadãos, a TV continua sendo a principal fonte de informação (57% dos adultos recorriam a esse meio em 2016, e 38%, à internet, segundo o Pew Research Center). Empenhados em manter a audiência na era da TV a cabo e da internet, os grandes jornais televisivos (ABC, CBS, NBC) vão se tornando cada vez mais sensacionalistas e superficiais. A cobertura das questões de fundo durante a campanha presidencial passou de 220 minutos em 2008 para 32 em 2016.6 Ao contrário, os sites abertamente partidários, como os radicais de direita Breitbart e InfoWars, abordam as questões de fundo, mas deformam os fatos… quando não mentem pura e simplesmente. Na maior parte das democracias, seria lógico que o Estado interviesse para evitar a ruína econômica desse sistema hipercomercial, assinalado pela subprodução de informações de qualidade e pela superprodução de notícias sensacionalistas e enganosas. Mas nos Estados Unidos uma ação pública suscitaria a oposição feroz de uma coalizão de conservadores contrários às intervenções estatais e de jornalistas profissionais motivados por uma leitura rigorosa da primeira emenda, que proíbe, segundo eles, qualquer interferência do Executivo na imprensa. Sem dúvida, a mídia do “serviço público” não está ao abrigo de pressões estatais; mas, quando sua autonomia conta com uma proteção estrutural, como no Reino Unido, na Alemanha e nos países escandinavos,7 ela fornece quase sempre informações bem mais aprofundadas e críticas que seus concorrentes comerciais.
Em comparação com outras grandes nações democráticas, os Estados Unidos têm, de longe, o menor setor de mídia subvencionada. Os financiamentos do Public Broadcasting Service (PBS) e da National Public Radio (NPR) representam R$ 11 por habitante, contra R$ 260 na França, R$ 320 no Reino Unido, R$ 430 na Alemanha e R$ 565 na Noruega. Na realidade, a maioria dos fundos do PBS e da NPR provém de doações, em virtude do estatuto híbrido desses grupos audiovisuais, ao mesmo tempo públicos e sem fins lucrativos. Todavia, mesmo com essas doações, a mídia pública norte-americana não recolhe nem R$ 30 per capita.8
Em busca de um público endinheirado
Mesmo revendo para baixo suas ambições jornalísticas depois da crise econômica, as mídias comerciais “tradicionais” (isto é, sociedades que antes produziam jornais, revistas e redes de televisão) permanecem letárgicas, em termos tanto de número de negócios quanto de lucros ou de audiência on-line. Os principais sites de informação – Huffington Post e BuzzFeed – geram pouquíssimo lucro, se é que produzem algum. Estamos longe da margem habitual de 8% a 15% do veículo impresso, sem contar os resultados polpudos das redes de informação a cabo.
As mídias digitais, financiadas unicamente pela publicidade on-line, trabalham com equipes minúsculas e menos bem pagas que as redações tradicionais. A versão norte-americana do Huffington Post não tem mais que 250 redatores em tempo integral, dos quais muitos se contentam em reciclar o que outros órgãos de imprensa produzem, enquanto o New York Times emprega 1,3 mil jornalistas profissionais em tempo integral, que não aproveitam conteúdos já existentes.
Segundo dados colhidos pela ComScore em 2015, as mídias tradicionais atraem mais internautas que os concorrentes nascidos on-line. Pela ordem, grandes nomes como ABC, CNN, NBC, CBS, USA Today, The New York Times e Fox figuram entre os dez sites de informação mais consultados nos Estados Unidos. Incluindo-se importações britânicas como a BBC (15º) e o Guardian (17º), eles ocupam 29 dos cinquenta primeiros lugares dessa classificação.
O fato de 21 mídias da nova geração figurarem aí atesta, no entanto, uma transformação notável. Os órgãos de imprensa presentes apenas na internet oferecem um amplo leque de assuntos, ideias e formatos. Agregadores de conteúdos como o Huffington Post e o BuzzFeed produzem cada vez mais conteúdos originais, inclusive informações e reportagens políticas. Politico e The Hill oferecem um esboço detalhado dos bastidores da política. Fora do Top 50, sites mais modestos como Medium (lançado por Evan Williams, cofundador do Twitter) enfatizam os longos artigos de fundo. Dois deles merecem atenção especial por suas práticas jornalísticas singulares: Vox e ViceNews.
Sem se preocupar com furos, os redatores do Vox preferem assuntos complexos, como o conflito sírio, o “Obamacare” e a mudança climática, e fazem uma análise em profundidade secundada por gráficos, questionários e apresentações de slides. Artigos temáticos, lúdicos mas sérios, tratam de assuntos variados, como “Os 18 melhores programas de televisão disponíveis atualmente” (atualizado toda semana), “Violências policiais: 9 fatos que devemos conhecer” (4 jan. 2016), “O bitcoin explicado” (3 nov. 2015) e “Para entender o sistema migratório norte-americano” (4 ago. 2015). O Vice se caracteriza por um jornalismo de imersão em tom personalíssimo, que salienta o aspecto visual. Em suas séries de documentários difundidas pela rede a cabo HBO – mas disponíveis também, gratuitamente, em seu site e no YouTube –, ele oferece um resumo valioso da vida cotidiana em países como a Ucrânia, a Coreia do Norte, a República Centro-Africana e até, em 2014, em territórios dominados pela Organização do Estado Islâmico (documentário que ganhou o cobiçado prêmio Peabody). Segundo Danny Gold, correspondente do Vice, trata-se de “desaparecer” e servir de “ponte” para que os entrevistados no documentário exprimam seu ponto de vista pessoal.9 O Vice atinge um público bem mais jovem – 25 anos em média – que as mídias tradicionais.
No entanto, uma sombra perpassa esse quadro: a que faz planar sobre a informação a “publirreportagem” moderna, conhecida pelo nome de “publicidade nativa”, pois os conteúdos patrocinados se integram sutilmente ao cerne do editorial. O Vice, como o BuzzFeed, foi um dos pioneiros desse sistema graças à sua agência de marketing, a Virtue. Por exemplo, um de seus sites, chamado The Creators Project (financiado por seu “parceiro fundador Intel”), propõe reportagens em que engenheiros e artistas utilizam material da marca de informática. A denominação “parceiro fundador” sugere que as marcas não se contentam com associar seu nome a um programa, mas tentam inflectir a linha editorial em função de seu interesse.
Por trás da imagem de veículo com tendências próprias e alternativas que o Vice propala, esconde-se um esquema comercial dos mais capitalistas. Entre seus investidores, encontramos a Fox (James Murdoch, filho do magnata Rupert Murdoch, está agora em seu conselho administrativo), Time Warner Inc., Hearst, Disney, A&E Network e várias outras empresas de capital de risco. Em suma, os novos sites de informação on-line apresentam um panorama diversificado. Suas qualidades distintivas poderiam se revelar frágeis depois que o impulso inicial experimental fosse controlado e domesticado pelos imperativos comerciais.
Damos frequentemente por pacífico este princípio: os domínios em que as mídias comerciais não podem ou não querem se aventurar, notadamente a investigação e a reportagem sobre questões sociais, cabem à filantropia. Mas o jornalismo sem fins lucrativos basta mesmo para preencher o vazio?
De 2005 a 2014, 308 veículos sem fins lucrativos apareceram nos Estados Unidos, em 25 estados.10 Em essência, a maior parte funciona graças a contribuições de grandes fundações, como Ford, MacArthur, Gates e Knight, e pretende garantir uma forma de serviço público. Um estudo recente sobre dezoito deles (locais, regionais e federais) mostra que destinam de 34% a 85% de seu orçamento ao editorial, contra de 12% a 16%, em média, dos veículos comerciais.11 Eles geralmente se especializam em reportagens e investigações no âmbito da política interna e das relações exteriores. Essa imprensa sem fins lucrativos contribuiu para renovar o jornalismo de investigação, como o site ProPublica (fundado em 2008), que ganhou dois prêmios Pulitzer, e outros menos recentes, mas em plena expansão: o Center for Investigative Reporting (fundado em 1977) e o Center for Public Integrity (fundado em 1989). O ProPublica, por exemplo, voltou seus holofotes para a Cruz Vermelha (“Como a Cruz Vermelha levantou meio bilhão de dólares para o Haiti – e construiu seis casas”),12 para as ligações entre o Federal Reserve e alguns gigantes financeiros e para os esforços particularmente agressivos dos hospitais para recuperar o dinheiro que famílias pobres lhes devem.
A despeito dessas realizações, todas ancoradas numa corrente de reformismo liberal de esquerda, as fundações não conseguem compensar o malogro econômico do jornalismo comercial norte-americano. As contribuições aos órgãos de imprensa mal chegam a US$ 150 milhões por ano: uma gota de água em comparação com a perda dos lucros publicitários na grande imprensa. As mídias sem fins lucrativos mais importantes, ProPublica e Christian Science Monitor, empregam entre setenta e oitenta jornalistas cada uma. Mas muitas outras funcionam com equipes de doze, no máximo.
Além disso, a maior parte das fundações não se compromete a longo prazo. Com seus conselhos de administração dominados por executivos, elas concebem sua ação como uma ajuda provisória que permita aos órgãos sem fins lucrativos se transformar em verdadeiras empresas. Assim, aconselham-nas a direcionar sua informação a um público mais endinheirado, ao mesmo tempo disposto a assinar cheques e a atrair anunciantes de prestígio. Algumas mídias, como a ProPublica, colocam seus artigos, gratuitamente, à disposição de sites comerciais: ganham em visibilidade, mas não em autonomia econômica nem em independência de seus financiadores.
As publicações sem fins lucrativos que tentam atingir um público menos elitista encontram ainda mais dificuldades. O San Francisco Public Press, fundado em 2009 por Michael Stoll, que pretendia fazer um “Wall Street Journal do povo”, recusa a publicidade e o patrocínio das grandes empresas. “Os trabalhadores mal pagos”, explica Stoll, “não interessam aos publicitários dos jornais tradicionais, que promovem produtos de luxo.” O San Francisco Public Press depende sobretudo de uma mão de obra benévola e de um orçamento anual inferior a US$ 100 mil. Apesar da qualidade de suas investigações, ele mal consegue se sustentar. Uma conclusão se impõe: as mídias sem fins lucrativos, que se esforçam para atingir públicos desdenhados pela imprensa de mercado, não terão êxito enquanto as fundações que as financiam só tiverem olhos para novos modelos empresariais.
Convém ter em mente, ainda, que as doações das fundações não são “gratuitas”. Essas somas, liberadas em virtude de generosas deduções fiscais, apenas redirecionam recursos públicos para entidades opacas. “Não somos regulamentados, ninguém nos pede contas”, testemunha um responsável por doações à imprensa. “Não preciso me encontrar com pessoas que não quero ver, como os demais na fundação. Limito-me a fazer o melhor no exercício de meu cargo, mas não acredito que as fundações sejam a melhor maneira de atender ao interesse geral em uma democracia.”13
Com muita frequência, a generosidade vem acompanhada de obrigações implícitas. Os grandes doadores preferem financiar projetos precisos, não o funcionamento normal, criando uma pressão permanente para adaptar o conteúdo às suas exigências. Levando-se em conta sua dependência da caridade privada, as mídias públicas se veem submetidas inteiramente a essas coerções. Em 2012, a PBS produziu uma série sobre a economia norte-americana que, patrocinada pela Dow Chemical, atende em tudo aos interesses da empresa. Em 2013, a mesma rede apresentou um documentário sobre drones subvencionado pela Lockheed Martin, que os fabrica. Finalmente, em 2014, lançou uma série, The Pension Peril, que detalha os problemas causados pela aposentadoria de funcionários, com subsídios de um investidor bilionário que queria suprimi-la. “Esses escândalos”, confessa o mediador da PBS, “desmascaram os compromissos éticos nos acordos financeiros e a falta de transparência para o telespectador, que decorrem em parte das dificuldades para financiar o sistema público de rádio e televisão.”14
Que conclusões tirar das experiências norte-americanas no campo da hipercomercialização midiática e da filantropia? Apesar de alguns pontos positivos, problemas estruturais limitam a capacidade do sistema de informar corretamente o conjunto dos cidadãos sobre os temas que lhes dizem respeito. Enfraquecidos, os grandes grupos vão mal e mal sobrevivendo. O Gannett tentou recentemente – em vão – comprar o Tronc (ex-Tribune Co.), proprietário do Chicago Tribune e do outrora prestigioso Los Angeles Times. A consolidação do setor prossegue. Sete empresas cotadas em Bolsa detêm um quarto dos jornais norte-americanos. A propriedade das redes locais se concentra como nunca. Seu papel no espetáculo permanente em torno de Trump não lhes inspira nenhum escrúpulo. Se a audiência e o lucro aumentam, onde está o problema?
O jornalismo profissional vai ficando cada vez mais rarefeito (mesmo o New York Times, que resistiu por muito tempo, anunciou na primavera passada o corte de cem postos de secretários de redação). Num momento em que os publicitários apertam o cerco contra o processo editorial por meio de conteúdos patrocinados, a imprensa comercial digital sofre pressões ainda mais fortes que seus predecessores tradicionais. Decerto, as assinaturas constituem um maná para alguns títulos de elite, como o Wall Street Journal, o Washington Post e o New York Times (que conta atualmente com mais de 2 milhões de assinaturas on-line), mas não pode funcionar para todos.
Os ataques incessantes de Trump contra os jornalistas que o criticam acentuaram a fragmentação ideológica do panorama midiático. Em 2014, em uma escala política de –10 pontos à esquerda a +10 à direita, os leitores do New York Times, do Washington Post e do Politico se situavam entre 3 e 5 pontos à esquerda; os da Fox News (fora emissões de opinião), 2 pontos à direita do centro, enquanto o resto das mídias de direita (Breitbart, os comentaristas Sean Hannity e Rush Limbaugh) se dirigia a uma audiência 6 pontos à direita do centro. Somente o Yahoo News e o Wall Street Journal atraíam leitores que se consideravam relativamente centristas.15
Essa situação coloca uma pergunta crucial: como fazer circular a informação entre esses públicos divididos? Frequentemente acusadas de fomentar o preconceito, as redes sociais trariam mais soluções que problemas. Segundo um estudo recente, longe de se fechar em “bolhas de filtro” por onde só passam notícias que reforçam suas convicções, os usuários de redes sociais têm mais chances que os não usuários de encontrar pontos de vista contrários aos seus.16
Em definitivo, a inquietude dos usuários por causa da polarização partidária das mídias esconde uma divisão de classes ainda mais abissal. Os norte-americanos mais afortunados e instruídos sabem tanto sobre os negócios públicos quanto seus equivalentes europeus. Mas, nos Estados Unidos, um fosso imenso separa a camada inferior da superior, ao passo que na Europa ocidental até as pessoas menos cultas e ricas são quase tão bem informadas quanto as mais privilegiadas.17 Isso em nada surpreende quando se sabe que a elite das mídias norte-americanas se propõe a fornecer “informações de qualidade para um público de qualidade”,18 deixando ao resto a tarefa de destrinçar o conteúdo indigente ou deformado dos jornais televisivos ou de certos sites da internet.
Seja elitista, partidária ou de massa, nenhuma mídia norte-americana se ocupou da precariedade ligada à globalização que subjaz ao mal-estar político atual. Poucas se dignam a falar das populações que vivem à margem da elite urbana e cultural – ou mesmo se dirigir a elas. São grupos sociais que contam no plano eleitoral, mas que nenhum indicador coloca na lista dos doadores ou assinantes potenciais e dos alvos publicitários de escolha. O tratamento dado a Trump, lisonjeiro ou crítico, rende muito; poucas mídias têm a coragem de ignorar esse tema. Assim, os imperativos comerciais fazem a lei. No fim das contas, o novo panorama da mídia norte-americana poderia se revelar bem menos diversificado do que parece à primeira vista.
*Rodney Benson é professor de Sociologia e Ciências da Comunicação da Universidade de Nova York.