Mil dias de horror
É importante listar as várias perdas deste período do governo Bolsonaro para que ninguém se acostume com o caos
Em um país com democracia jovem como o Brasil, chegar à marca de mil dias de governo seria um marco importante. No nosso é, mas pelas razões erradas. Durante este período do governo Bolsonaro conseguimos acumular vários índices negativos. Uma rápida busca nos institutos e mídia pela internet revela – da parte social à ambiental, passando pela economia – números importantes. E, por trás dos números, vidas impactadas.
Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no fim de setembro, mostram que 14,1 milhões de brasileiros continuam sem emprego, 5,4 milhões estão desalentados (desistiram de procurar), mais de 25 milhões trabalham por conta própria, que é recorde histórico, e 36,3 milhões de pessoas vivem na informalidade.
Relatório do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP) estima que, com a redução do auxílio emergencial, neste ano, o país deve somar 61,1 milhões de pessoas na pobreza – sendo que 19,3 milhões vivem na extrema pobreza.
O que falar então da inflação sem controle, que, na casa dos dois dígitos, encolhe ainda mais o poder de compra da população, fazendo com que ossos e pelancas, partes do boi que eram doadas porque não tinham valor comercial, passassem a ser comercializadas e disputadas. Para quem não sabe, a inflação oficial chegou a 9,68% nos últimos 12 meses, mas em algumas capitais já ultrapassou os 10%.
Como se não bastasse, o meio ambiente tem sido violentamente destruído por falta de uma política de preservação. O MapBiomas, uma rede colaborativa formada por profissionais de ONGs, universidades e empresas de tecnologia, que mapeia os biomas brasileiros, mostrou que os seis sofreram com a devastação.
O Pantanal perdeu 29% de sua superfície de água entre a cheia de 1988/1989 e a última, em 2018. Já a Pan-Amazônia, entre 1985 e 2020, perdeu 74,6 milhões de hectares de sua cobertura vegetal natural de uma área equivalente ao território do Chile – se levarmos em consideração todo o bioma, que abrange nove países ao todo. No Brasil, a perda é da ordem de 19%.
Esses dados, como os demais, não são surpresa. Sabemos que, desde que assumiu seu cargo, Bolsonaro tem investido esforços e brados contra nossa natureza, afrouxando regras e abrindo as porteiras para armas, grileiros e mineradoras.
O que falar então do desmonte da área social e na saúde? Sem recursos ou investimentos, programas de importância, como o Bolsa Família ou mesmo o auxílio emergencial, são enfraquecidos no momento em que a população mais vulnerável precisa de ajuda. Na saúde, em plena pandemia, o governo cortou o orçamento em 22% e atrasou o quanto podia a compra de vacinas contra a Covid-19.
O presidente também é ator principal de tristes espetáculos em que continua vociferando contra a vacina, especialmente a Corona Vac, seu alvo principal, e contra o principal parceiro comercial do país, a China. Sua fala é preconceituosa, sexista, xenofóbica e eugenista. Ele também propaga fake news, defende um kit de medicamentos sem respaldo científico e, claro, aglomera, ataca as instituições e, sem máscara, desfila perdigotos e vírus expondo a um risco desnecessário seus seguidores e quem mais estiver por perto.
Fiquemos atentos e façamos a nossa parte para que este conto de terror não perdure a partir de 2023 por mais quatro anos, sob o risco de transformarmos este país em um dos piores exemplos de retrocesso, devastação e miséria do mundo.
Paola Carvalho é diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica.