Mirando a ordem midiática
Enquanto a mídia começa a ocupar o centro dos debates e das mobilizações contra as regressões neoliberais, seus guardiães sentem-se acuados e se empenham em convencer a todos que defendem o pluralismo e a independência do jornalismoHenri Maler
A contestação da ordem midiática expande-se por um número crescente de países. Tem como alvos a concentração dos meios de comunicação, a prostituição da informação e da cultura aos mercados financeiros. Na própria França, há vários anos, as reuniões públicas multiplicam-se. As salas estão quase sempre cheias e os debates são inflamados. No centro das mobilizações contra as regressões neoliberais, a mídia é acusada de arrogância e desprezo social.
Simultaneamente, as ações contra a poluição publicitária do espaço público põem em discussão o domínio da publicidade sobre a espaço midiático. Os produtores de documentários e roteiristas – confrontados com uma produção audiovisual dominada pelos acionistas e pelos publicitários – abrem caminho para convergências possíveis com a resistência dos jornalistas rebeldes e com a dos meios de comunicação independentes e
associativos.
Silêncios complacentes
A mídia dominante prefere nada saber dessa contestação multiforme. Aos olhos de seus dirigentes, estando o pior sempre em outro lugar (ou atrás de nós), tudo vai – quase – da melhor forma possível aqui. Empenham-se, portanto, em fortalecer seu próprio poder (alegando defender a independência do jornalismo), em promover a concorrência entre “marcas” (com o pretexto de promover o pluralismo) e em reservar para si o quase monopólio do direito de informar e de debater (à guisa de defesa do direito à informação).
Há contestadores que preferem tentar cavar um espaço discreto na mídia dominante, em vez de considerá-la como é: são atores e propagandistas da ordem que contestam
E é forçoso constatar que eles se beneficiam de silêncios complacentes. Do lado das forças políticas no poder, quando liberalmente de direita, elas “pensam” que os mercados propõem e os políticos dispõem; ou, quando discretamente de esquerda, elas limitam sua ambição a querer regulamentar uma pretensa fatalidade. Há ainda mutismo, por parte de muitos contestadores que, infelizmente, preferem tentar cavar um espaço discreto na mídia dominante, em vez de considerá-la como é: são atores e propagandistas da ordem que contestam.
Esses silêncios bastariam para justificar a multiplicação de publicações e de associações que, com este ou aquele pretexto, questionam a mídia dominante, os que a dirigem, os que a financiam… e os que a deixam fazer. O que está em jogo nessas interpelações pode ser facilmente definido: informar sobre a informação e a cultura (em vez de deixar à própria mídia seu quase monopólio), contestar a ordem midiática (em vez de acompanhar seus desvios com alguns suspiros), propor alternativas (em vez de se refugiar em silêncios piedosos).
Crítica como produto
Não faltam tentativas de desativar protestos e contestações. A mais freqüente consiste em transformar a crítica da mídia em produto midiático comum
Não faltam tentativas de desativar protestos e contestações. A mais freqüente consiste em transformar a crítica da mídia em produto midiático comum, posto à disposição de discussões convencionais e conformes, “responsáveis” e estéreis, cuja principal “eficácia” é obter credibilidade junto aos gerenciadores da mídia. Mas a reação mais virulenta foi provocada pela constituição do Observatório Francês da mídia. Para se proteger de qualquer crítica independente, alguns jornalistas denunciaram-no imediatamente como uma tentativa de instaurar uma ordem ditatorial de controle dos jornalistas e até mesmo como uma verdadeira polícia da imprensa. A crítica da mídia seria, portanto, uma ameaça intolerável contra a democracia.
Um tal exagero deixa perplexo. Essa defesa belicosa do decoro midiático visa a proteger a crítica das práticas do jornalismo contra qualquer ingerência “externa”, inclusive quando procede de jornalistas indisciplinados que então são imediatamente despedidos ou ameaçados com um processo. Os guardiães da ordem midiática querem reservar a crítica só aos profissionais da profissão, aos pesquisadores que são consagrados por eles e às… cartas dos leitores. Ou então a alguns deles. De fato, essa crítica “interna”, indispensável quando emana de sindicatos rebeldes ou das poucas sociedades de redatores ainda autônomas, é ameaça confiscada pelas chefias editoriais e capitanias financeiras que gostariam de fazer esquecer que as empresas midiáticas são empresas como as outras, freqüentemente piores do que as outras.
Engrenagens e transmissores
Os guardiães da ordem midiática querem reservar a crítica só aos profissionais da profissão, aos pesquisadores que são consagrados por eles e às… cartas dos leitores
Hierarquia todo poderosa (fruto do cruzamento com o gerenciamento moderno), repressão anti-sindical, chantagem no emprego: os defensores e os beneficiários de semelhante funcionamento – é compreensível – recusam-se a serem tratados como “bodes expiatórios” de um sistema que não contestam, já que não são mais do que suas engrenagens e seus transmissores. Com a contribuição de alguns ensaístas multimídia, situam-se como vítimas de uma pretensa “teoria da conspiração” atribuída por eles generosamente a quem quer que – de Noam Chomsky a Pierre Bourdieu – ouse chamar pelo nome as instituições e seus guardiães.
Fiquem tranqüilos: a crítica da mídia não tem como objetivo persegui-los! E as resistências à ordem midiática tem objetivos que os ultrapassam. Enquanto esgrimam contra a crítica da mídia, Dassault e Lagardère apoderam-se de novos segmentos da imprensa e da edição. O audiovisual público faz com que seus assalariados precários paguem pelo seu sub-financiamento e, porque está sujeito à publicidade, compete com o setor privado em seu próprio terreno: a audiência instantânea e quantitativa a qualquer preço. Quanto à imprensa escrita considerada “séria”, corre atrás dos publicitários (e atrás de leitores que diminuem) com as armas da imprensa abertamente comercial. Quem pode achar que alguns ajustes menores poderiam ser suficientes, quando é uma remodelagem da totalidade do espaço midiático que é necessária?
A partir de 1981, um enorme buraco negro absorveu os projetos de transformação e de apropriação democráticas da mídia, enquanto sua concentração, sua abrangência multinacional e multimídia, sua financeirização e sua submissão à lógica d