Miscelânea
O MARXISMO AINDA É ÚTIL?
Frei Betto, Cortez
O livro que Frei Betto lança agora, “para atender a movimentos populares empenhados na formação de militantes”, tem um texto didático, de fácil compreensão, que apresenta e comenta, de uma perspectiva histórica, a evolução dos modos de produção ao longo da história da humanidade, demonstrando que é possível tratar de temas tão complexos com clareza e simplicidade.
Na análise sobre a forma atual do capitalismo, Frei Betto mostra que só há futuro, só há esperança, se a humanidade superar este modo de produção e caminhar para uma sociedade que organize sua economia para atender às necessidades das maiorias. Esse novo modelo de sociedade, Frei Betto chama de socialismo. Atento aos limites da teoria, ele demarca a diferença entre a utopia socialista e a realidade das experiências de socialismo real, que fracassaram em superar contradições.
A ética está à frente de tudo, ela orienta a ação política. Na contramão das políticas neoliberais, esse novo modelo propõe um Estado forte, capaz de ter políticas de inclusão social e de qualidade para áreas como saúde, educação, moradia, enfim, capaz de respeitar os direitos humanos e torná-los o grande farol das políticas e dos governos.
A história não acabou, o capitalismo não é eterno, mas Frei Betto avisa que ele não termina sozinho. São as lutas dos trabalhadores, isto é, de todos aqueles que vivem do próprio trabalho, que fazem a história. E o livro é um convite a explorarmos o que é esse imaginário socialista nos dias de hoje, pois “as motivações que levam uma pessoa a aderir à luta política são mais da ordem do imaginário que da razão”.
Nesse imaginário, a apropriação do poder pelos trabalhadores é central. Daí o desafio de construir novas formas de democracia, enraizadas no cotidiano, sem a delegação de poderes que o modelo atual impõe. Socialismo e um novo modelo de democracia são indissociáveis. E os construtores dessa nova sociedade são os trabalhadores.
[Silvio Caccia Bava] Diretor do Le Monde Diplomatique Brasil.
A LITERATURA NAZISTA NA AMÉRICA
Roberto Bolaño, Companhia das Letras
Estranhar intimidades com uma prosa capaz de prospectar o relevo da experiência. Tendo na violência seu dínamo, Bolaño [1953-2003] estabeleceu nessa obra um compasso único para a literatura no continente americano em nosso tempo: a sensibilidade de colocar o horror sob a condição histórica da normalidade. A literatura nazista na América, publicado em 1996, é quase sua segunda certidão de nascimento.
Esculpindo um nicho literário como prisma de uma época, o narrador que nos fala do futuro erige uma antologia de oitenta anos, de 1930 a 2010, com escritores (filo)nazistas que nos legaram necroescritos, menos ficcionais que seus donos, como pretendeu Bolaño. El Cuarto Reich Argentino, Rebeldes Blancos e Ciudad en Llamas são, respectivamente, uma editora e algumas e revistas portadoras desses ensaios perversos que traduzem nossos laboratórios do descarte humano.
A cultura ornamental das elites, seu ecletismo reacionário, o recalque sexual e a escatologia, a agressividade homofóbico-racista, o tosco requinte decadente, a cumplicidade dos setores médios com a brutalização, os esboços literários nazis, a permeabilidade do fascismo na cultura – a fascistização via desencantamento e esterilização da alteridade – são traços de uma temporalidade do terror materializados em poesias rebuscadas, longas, épicas e vazias, em contos e sonetos superficiais com centenas de estrofes e páginas.
Membros de esquadrões da morte, aristocratas frustrados, cristãos canalhas, chefes de torcidas de futebol organizadas, filósofos funcionais à barbárie, autoras hitleristas: ao estilo de uma saga da intelectualidade nazista por aqui, Bolaño alinhava histórias prenhes de detalhes biográficos e sonhos malditos, numa enciclopédia assombrosa por evidenciar a violência dissimulada que a literatura encarna.
Nunca precisamos tanto exumar os traumas enterrados a sete palmos de nossa cova-memória social. E mais rápido do que aqueles que têm desenterrado o medo para trazer-nos suas camadas inauditas.
[Eduardo Rebuá] Historiador, doutor em Educação, professor adjunto de Educação da Universidade Federal da Paraíba [UFPB] e professor adjunto credenciado do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Federal Fluminense [UFF]. Autor de Insólito Benjamin, NAU Editora, Rio de Janeiro, 2019.
<INTERNET>
Novas narrativas da web
Sites e projetos que merecem seu tempo
No rastro de um torturador
Uma série documental, uma reportagem em texto e, mais tarde, pela produtora Eder Content, um jogo de tabuleiro foram as formas que a investigação do UOL se serviu para distribuir seu conteúdo jornalístico. Foram mais de treze horas de entrevistas com o tenente-coronel Paulo Malhães, ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE), que falou sobre quase tudo o que lhe foi perguntado nos meses que antecederam sua morte, em 2014. Ele foi um dos únicos a contar como eram, em detalhes, as práticas da repressão durante a ditadura.
<http://bit.ly/rastro-torturador>
Pussypedia
Um raro local na web com material de qualidade especializado no corpo feminino. Produzido de maneira colaborativa por pessoas no mundo todo, é uma plataforma para facilitar o acesso à informação. Um dos destaques do site é o modelo em 3D interno e externo de diversas áreas do corpo da mulher, “para entender onde as coisas estão e o que são”. Artigos, todos rigorosamente checados, também fazem parte do acervo. Educativo, bem produzido, multimídia.
<http://pussypedia.net>