Miscelânea
<LIVROS>
O POVO CONTRA A DEMOCRACIA: POR QUE NOSSA LIBERDADE CORRE PERIGO E COMO SALVÁ-LA
Yascha Mounk, Companhia das Letras
Em O povo contra a democracia, o cientista político Yascha Mounk analisa as principais razões que sustentam a conjuntura de crise que paira sobre as democracias liberais. Para tanto, lança mão de uma escrita bastante despojada, sem abdicar do rigor científico. Todos os argumentos são sustentados em dados coletados de instituições prestigiadas, além de recorrer a um espectro de intelectuais que vai de James Madison a Thomas Piketty. São quase cem páginas dedicadas às notas e às referências.
Mounk defende a tese de que só é possível compreender os impasses contemporâneos da política por meio de uma visão que reconheça a não organicidade entre a democracia (direitos políticos) e o liberalismo político (direitos civis). O argumento é que a atuação sinérgica desses dois componentes foi um fenômeno característico de um período histórico bastante específico. Atualmente, o liberalismo político e a democracia estão se separando, tal como ocorreu em tempos pretéritos.
Sendo assim, para além das democracias liberais e das ditaduras, é possível existir democracias iliberais e Estados liberais antidemocráticos. No primeiro caso, a “tirania da maioria” não respeita os direitos das minorias e das oposições nem as liberdades individuais. Nos Estados liberais antidemocráticos, as liberdades estão plenamente asseguradas, mas o povo é impotente diante das grandes decisões governamentais, sobretudo no tocante à agenda econômica. O populismo e o extremismo se projetam explorando as fragilidades estruturais da liberal-democracia, valendo-se das novas mídias sociais para disseminar discursos de ódio, fake news e um nacionalismo excludente.
Em seu livro-manifesto, Yascha Mounk é honesto com o leitor. Não esconde os valores que defende, tampouco oculta seu objetivo: lutar pela sobrevivência da democracia liberal, criticando-a quando necessário, mas também pensando em soluções para aperfeiçoá-la. Em tempos de radicalização e fanatismo, ser moderado, autocrítico e racional são posturas que exigem sobretudo coragem. Vale a leitura.
[Leandro Gavião] Doutor em História Política pela Uerj e professor da Universidade Católica de Petrópolis.
O FEMINISMO É FEMININO? A INEXISTÊNCIA DA MULHER E A SUBVERSÃO DA IDENTIDADE
Maíra Marcondes Moreira, AnnaBlume
Nosso mercado de diagnósticos está aí para comprovar que, dependendo de onde buscamos a solução para um problema, já definimos de antemão como será nomeada nossa inquietação e que tipo de resposta ela poderá encontrar. Mesmo no caso das famosas questões existenciais – por definição, sem resposta –, já aprendemos alguma coisa sobre esses mistérios quando decidimos a quem vamos endereçá-los.
Talvez o grande mérito do livro de Maíra, para além do louvável esforço de releitura da história do feminismo queer e do enquadre conceitual da psicanálise lacaniana, seja justamente promover um deslocamento no endereçamento da questão que carrega no título: o feminismo é feminino?
A psicanálise, de Freud a Lacan, ocupa um lugar paradoxal na luta contra o monopólio dos homens sobre a verdade do feminino. Da aposta freudiana na escuta da histeria à crítica do universalismo fálico, elaborada por Lacan, a psicanálise faz o movimento duplo de, por um lado, reconhecer os efeitos mistificadores e redutivos das fantasias masculinas sobre o “outro sexo” e, por outro, se propor como endereço privilegiado para tudo aquilo que diz respeito à sexualidade feminina. Não é por acaso que, se dirigida a um psicanalista, a questão que orienta o livro se reduziria a uma mera averiguação de se o feminismo atende àquilo que nós, analistas, já entendemos por “feminino”. E não importa se as “fórmulas da sexuação” lacanianas pensam o feminino como não totalizável: se um psicanalista está em condição de não ouvir as feministas em nome do que aprendeu com Lacan, então, infelizmente, somos obrigados a reconhecer que o falicismo, tão criticado dentro da psicanálise, continua operante em seus pontos de interseção com outros campos.
É por isso que cabe chamar a atenção dos leitores para a maneira como, ao evitar essa armadilha, a autora subverte inclusive o alcance do conceito lacaniano: nem toda ao lado da psicanálise de Lacan, nem toda com o feminismo queer de Butler, Maíra demonstra em ato a inventividade que decorre de se remeter a um endereço indistinto.
[Gabriel Tupinambá] Psicanalista e doutor em Filosofia pela European Graduate School, na Suíça.
<INTERNET>
Novas narrativas da web
Sites e projetos que merecem seu tempo
Transforma
A Fundação Banco do Brasil criou um banco de dados para tecnologias sociais. Lá, reúne informações sobre o problema que foi solucionado, como isso foi feito envolvendo a comunidade, quais municípios do país são atendidos e quais recursos são necessários para replicar a solução. Quase seiscentos casos estão analisados no banco de ideias. Alguns exemplos: Sistema Miyawaki de Restauração de Ecossistemas na Amazônia, Metodologia de Iniciação Musical da Orquestra de Cordas da Grota e Mulheres Protagonistas da Cooperativa Agropecuária de Alagoas.
<transforma.fbb.org.br>
Syllabus
Por seis anos, o pesquisador da cibercultura Evgeny Morozov desenvolveu um método que mistura algoritmos e capacidade humana para encontrar os melhores e mais originais artigos acadêmicos, livros, reportagens, palestras e podcasts sobre temas relevantes da tecnologia e sociedade. O projeto, chamado The Syllabus, agora está on-line e pode ser assinado, como uma newsletter altamente qualificada. Como eles explicam: “Selecionamos os melhores, mais profundos e importantes bits de conhecimento dessa pilha crescente de informações”.
<the-syllabus.com>
Aconteceu comigo
A quadrinista Laura Tuma de Athayde recolheu histórias reais de mulheres e transformou-as em HQs de uma página. Gordofobia, discriminação, violência, superação, racismo, maternidade e pressão estética, entre várias outras, enviadas por suas leitoras para suas páginas nas redes sociais, foram a base para o material, que foi exposto em 2019 em São Paulo no Itaú Cultural – o projeto foi vencedor do edital Rumos – e também tem sido divulgado on-line. Ainda está prevista a publicação de um livro com setenta casos. O formulário anônimo para enviar histórias segue aberto – link no Instagram dela.
<www.instagram.com/ltdathayde/>
[Andre Deak] Diretor do Liquid Media Lab, professor de Jornalismo e Cinema na ESPM, mestre em Teoria da Comunicação pela ECA-USP e doutorando em Design na FAU-USP.