Miscelânea
O EDUCADOR: UM PERFIL DE PAULO FREIRE
Sérgio Haddad, Todavia
É no texto-subtexto dessa biografia de Paulo Freire que seus valores vão se desvelando. Sérgio Haddad conta que o educador era um estudioso. Teve oportunidades importantes em sua vida escolar e soube manejá-las com dedicação e afinco. Conta da paixão pela educação e pelo ofício de professor que o acompanhou sempre. Fala do amor por Elza, companheira de vida que esteve ao seu lado por 42 anos e, depois, do amor por Nita, com quem viveu até sua morte, em 1997.
Revela que Freire era um escutador. E um educador que tinha na comunicação um fundamento, na medida em que acreditava que “a palavra é a expressão da existência e não apenas um veículo de comunicação”.
Mostra que, para Freire, o ato de compreender o outro passava por conhecer o universo do outro. E a educação só seria possível por meio desse reconhecimento e de um vínculo de ressonância entre educadores(as) e educando(as). A escuta. O diálogo. O reconhecimento.
Conta da importância da ação coletiva e comunitária para o sentido do trabalho de Freire, desde os tempos dos círculos de pais e professores no Sesi de Recife, passando pelas experiências no interior do país e pelas incursões internacionais. O coletivo. O comum.
Em um dos trechos mais bonitos do livro, dá vida a um pensamento circulante de Freire, mas que, quando fundamentado neste episódio, ganha mais densidade. Conta de quando Paulo ficou mexido e promoveu mudanças em sua ação ao ouvir de um operário que suas palavras eram bonitas, mas que ele não conhecia a realidade das pessoas com quem ali falava, e que essa realidade era causa e efeito da compreensão que essas pessoas tinham do mundo. A humildade. A troca. O vínculo.
Nos capítulos finais, Haddad narra a história do Paulo que – ao retornar ao país – desfruta de reputação e reconhecimento, mas é desafiado a assumir tarefas políticas em universidades, como a PUC e a Unicamp, e no poder público, como secretário de Educação da cidade de São Paulo. No Brasil, ele amplia sua atuação junto a organizações da sociedade civil e publica obras em diálogos com outros pensadores. Filia-se ao PT. Recebe prêmios, condecorações e títulos em pelo menos cinco universidades. A educação. A política.
Uma aula freireana sobre Paulo.
Michelle Prazeres é jornalista e educadora.
SERTÃO, SERTÕES: REPENSANDO CONTRADIÇÕES, RECONSTRUINDO VEREDAS
Joana Barros, Gustavo Prieto e Caio Marinho (orgs.), Elefante
Uma viagem aos sertões nos propõem Joana Barros, Gustavo Prieto e Caio Marinho; a esses espaços míticos, da luz de Deus e o Diabo na Terra do Sol e da poesia de Patativa, da luta ancestral e encruzilhadas do que chamamos de Brasil. Os três deglutem Euclides da Cunha e o fotógrafo Flávio de Barros, trazem joias dos monstros Antonio Candido, Aziz Ab’Saber e Pierre Verger, e convidam pesquisadores contemporâneos.
O maldito, diabólico e irracional arraial que mobiliza metade do contingente do Exército, cinco generais e o ministro da Guerra na recém-proclamada República. Um massacre de fundação. Canudos é queimada, 25 mil perecem na segunda maior cidade da Bahia; muitos são degolados em nome da civilização, e outros, destruídos pela ponta tecnológica da máquina de guerra dos canhões Krupp (cuja empresa será ativa no âmbito do nazismo, mais tarde).
Uma obra do progresso (assim como a inundação da segunda Canudos para dar lugar ao Açude Cocorobó, em meados do século passado), pois, afinal, era uma loucura coletiva, esse Belo Monte dos rios de leite e montes de cuscuz, onde tudo era compartilhado. Diante do partido dos proprietários, a posse das coletividades na terra habitada do messianismo coletivo onde confluíam camponeses, foragidos, escravos libertos, indígenas kiriri.
Jean Tible é professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo e autor de Marx selvagem (Autonomia Literária, 2017).