Miscelânea
O COLAPSO DA DEMOCRACIA NO BRASIL: DA CONSTITUIÇÃO AO GOLPE DE 2016
Luis Felipe Miguel, Expressão Popular e Fundação Rosa Luxemburgo
São diversos os méritos do pequeno livro lançado pelo professor Luis Felipe Miguel. Entre eles, deve-se destacar que esse primeiro volume da Coleção Emergências (parceria entre a Editora Expressão Popular e a Fundação Rosa Luxemburgo) é um livro de combate escrito por um acadêmico que, como poucos, consegue acompanhar as torções da conjuntura política brasileira em que estamos imersos. E o faz com coragem, cuidado e clareza exemplares.
O leitor que acompanha o percurso de Luis Felipe Miguel, tanto em seus outros livros – como os recentes Consenso e conflito na democracia contemporânea (Unesp, 2017) e Dominação e resistência (Boitempo, 2018) – quanto nas redes sociais e na imprensa, sabe que se trata de autor-militante que não evita o desafio de, a um só tempo, entender os conflitos e neles intervir, posicionando-se num momento em que “o campo democrático e popular permanece em situação de atordoamento”.
É contra esse atordoamento que ele escreve, declarando ser “um dos derrotados de 2016 e de 2018”. E a potência desse livro, a meu ver, vem justamente daí, do reconhecimento de sua posição “derrotada”, com base na qual se dispõe a revisitar (ou melhor: revirar) nossa história recente, refletindo sobre diversos marcos e fracassos institucionais, bem como sobre as múltiplas tensões políticas nacionais – a começar pela Constituição de 1988, suas conquistas e promessas, até o golpe contra Dilma Rousseff, passando pelas contradições dos governos petistas, a recomposição da direita e o papel dos meios de comunicação, para apontar rumos e desafios da resistência democrática sob um governo que se distingue pela “insanidade autoritária”.
Tentando pensar os próximos passos da esquerda levando em conta os tropeços recentes, o autor afirmou numa entrevista: “Todo processo histórico é reversível. Não acredito que estejamos condenados. Agora, para reverter isso, é importante entender que é necessária a mobilização popular. Não vai ser depositando as nossas energias completamente nas instituições políticas formais, porque essas instituições já mostraram que estão a serviço da classe dominante. Essas instituições só vão responder às demandas do campo democrático popular se houver pressão do lado de fora delas”. Sem dúvida, O colapso da democracia no Brasil é uma excelente arma da crítica para as lutas que temos pela frente.
[Tarso de Melo] Escritor e advogado, doutor em Filosofia do Direito pela USP.
PASSE LIVRE: AS POSSIBILIDADES DA TARIFA ZERO CONTRA A DISTOPIA DA UBERIZAÇÃO
Daniel Santini, Autonomia Literária
Jornadas de Junho no Brasil em 2013, coletes amarelos na França em 2018, as manifestações no Equador, os atos que ainda inflamam o Chile e os protestos que estouraram no Irã em 2019… Os conflitos globais de mobilidade emergem como a expressão condensada das contradições do capital no século XXI. Rebeliões por transporte barato não são novidade no Brasil nem no mundo. Hoje, porém, sua fusão com outras questões sociais e políticas sugere que estamos diante de um fenômeno inédito. O que está em jogo não é só o ir e vir das pessoas. É a reprodução do capital e do trabalho num quadro mundial de concentração de renda e precarização de direitos. Trata-se de um tema sensível que o mais que oportuno Passe livre, de Daniel Santini, ajuda a iluminar.
O livro é uma defesa bem fundamentada do transporte público livre. Com uma escrita leve e propositiva, Santini apresenta dois modelos de cidade. De um lado, analisa a experiência da tarifa zero, o transporte público coletivo gratuito, e sugere sua universalização como o motor de uma grande transformação – produzindo um cenário de cidades harmoniosas, onde as pessoas se reconhecem umas nas outras e formam laços solidários. De outro, descreve a cidade infernal dominada pelo transporte público caro e pelos aplicativos corporativos de mobilidade urbana (Uber, 99, Cabify), um espaço poluído e barulhento ou, ainda pior, um não espaço despersonalizado, como a tela alvacenta do Waze, onde as pessoas se dissolvem na coletividade dos carros.
Certa vez, o historiador Nicolau Sevcenko (1952-2014) disse que, “quando chega a era do carro, acaba a era da cidade”. “Nem sempre as cidades foram dos automóveis”, emendaria Santini, numa conversa imaginada. Os conflitos globais de mobilidade que espocaram entre 2013 e 2019 mostram que das cinzas das cidades pode renascer um novo tipo de política, capaz de resgatar o espaço urbano da distopia dos serviços caros e da uberização. A mobilidade talvez não seja a solução para as contradições do século XXI, mas é, hoje, o caminho mais curto para a contestação das superelites na era do capital rentista.
[Elisa Dourado, Karen Souza e Tâmis Parron] Integrantes do Centro de Desigualdades Globais da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O Guilhotina, podcast do Le Monde Diplomatique Brasil, recebeu Daniel Santini para uma conversa sobre o livro em seu episódio #51. Confira em <https://diplomatique.org.br/guilhotina/>.
Novas narrativas da web
Sites e projetos que merecem seu tempo
Memória gráfica da política
O Calendário Dissidente é um projeto que discute a memória gráfica dos principais acontecimentos sociopolíticos do Brasil desde a posse do presidente Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019. A discussão é feita pelo mapeamento das imagens publicadas no Instagram, com base em determinadas hashtags. O site é a apresentação de resultado parcial da pesquisa de doutorado da designer gráfica Didiana Prata e desenvolvida na residência no Centro de Inteligência Artificial do Inova USP.
<https://calendariodissidente.fau.usp.br>
Seja meus olhos
Be My Eyes foi criado para ajudar pessoas cegas ou com visão limitada. O aplicativo é composto por uma comunidade global de pessoas cegas ou com visão limitada, em conjunto com voluntários sem deficiência visual. O app conecta ambos em situações como combinar cores, checar se as luzes estão acesas, preparar o jantar, entre milhares de outras.
<www.bemyeyes.com>
Limbo
Vários projetos de realidade virtual e documentário têm surgido nos últimos anos. Limbo é uma experiência que tenta reproduzir a espera de quem aguarda por asilo no Reino Unido. Foi feito com base em entrevistas com advogados, imigrantes e oficiais de justiça de doze países, cujas vozes estão presentes na narração do vídeo. Medo, saudade, preocupações e uma nova vida pela frente, isolada de tudo o que se conhece, é normalmente o que acomete aqueles que buscam asilo em outros países. O projeto está no YouTube e funciona no celular.
<http://bit.ly/limbouk>
[Andre Deak] Sócio do Liquid Media Lab, professor de Jornalismo e Cinema da ESPM, mestre em Teoria da Comunicação pela ECA-USP e doutorando em Design na FAU-USP.