Miscelânea
DEMOCRACIA E LUTA DE CLASSES
Vladímir Ilitch Lênin, Boitempo
Organizado por Antonio Carlo Mazzeo, o livro traz uma excelente e atual compilação de textos de Lenin. A gama de temas tratados nos escritos é grande, mas tem uma unidade e uma linha vermelha. Passando pela questão da organização da classe trabalhadora, pela atividade dos revolucionários e pelos grandes debates que perpassam os meandros da revolução e da contrarrevolução, a coletânea aborda elementos essenciais para o entendimento da grande Revolução Russa. Esse grande acontecimento dá a tônica dos embates que permeiam o livro e a época do autor.
É patente nos posicionamentos leninianos, ao mesmo tempo, vigor revolucionário e rigor analítico. Isso aparece de modo claro, por exemplo, quando o autor russo entra em um firme embate com Karl Kautsky, principal expoente da II Internacional. Por muito tempo considerado um grande marxista ortodoxo e um legítimo herdeiro teórico de Marx e de Engels, Kautsky é criticado em A revolução proletária e o renegado Kautsky. O autor de Democracia e luta de classes ataca a concepção jurídica, formalista e reducionista de democracia e de ditadura do líder da II Internacional.
Lenin mostra que os anseios por uma “democracia pura” por parte do autor austríaco seriam não só profundamente idealistas (deixariam de considerar o elemento classista da própria democracia burguesa), mas também marcados por um viés manipulador: a aura de intelectual respeitável colocaria Kautsky, aparentemente, acima das classes; porém, a posição desse renegado autor seria aquela de alguém que busca uma revolução sem revolução, uma luta que permanece pura ao mesmo tempo que, objetivamente, só pode se dar na imaginação.
Lenin caracteriza-se por um ímpeto concreto. Critica as soluções imaginárias e traz a apreensão da realidade como critério para a práxis. Analisa a Comuna de Paris com cuidado e, ao mesmo tempo, tem em mente e à sua frente as tarefas da Revolução Russa. Trata da liberdade e da igualdade mostrando como esses ideais nada têm de simplesmente abstratos, mas possuem um conteúdo concreto e, em verdade, classista. Assim, o revolucionário russo traz as ideologias ao seu devido lugar e solo social: em meio aos embates sobre a Revolução Russa e seus rumos, tem-se uma real demonstração sobre o que significa uma verdadeira batalha das ideias, que, claro, remete aos embates de uma época e às classes sociais que a caracterizam de modo mais marcante.
[Vitor Bartoletti Sartori] Doutor em Filosofia do Direito pela USP e professor da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG. Trata de temas relacionados à filosofia marxista e à crítica marxista ao Direito.
O PÊNDULO DA DEMOCRACIA
Leonardo Avritzer, Todavia
Esse livro supera as habituais intepretações causais, criticadas pelo filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), nas quais as relações de consequência são comumente explicadas por justificativas escolhidas e fáceis em que se excluem como causa o estranho, o novo e o não experimentado. Em contraposição, Leonardo Avritzer circunscreve a eleição de Jair Bolsonaro em um espectro maior de tempo e, a partir daí, coloca-o num movimento histórico de pêndulo democrático em que ora há forte otimismo e períodos democratizantes (1946-1954 e 1985-2014), ora oscilação na direção da contrademocracia (2014-2018).
Ao buscar compreender as regressões da democracia brasileira a partir de 2013 – questionando como entender as mudanças que abalaram os elementos centrais do Estado de direito e fragilizaram a democracia no país, bem como a transição de uma situação na qual os brasileiros estavam relativamente satisfeitos com nossa democracia e em pouco tempo se viram em uma situação de crise institucional generalizada –, o autor lança mão de conceitualizações desenvolvidas por autores clássicos das Ciências Humanas, como Hannah Arendt, Jürgen Habermas, Pierre Bourdieu, Max Weber e Sérgio Buarque de Holanda. Mas também recorre criticamente a autores que se debruçam sobre questões políticas mais recentes, como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, André Singer e Jessé Souza, de quem há discordância quanto ao papel estrutural da classe média no apoio a pautas conservadoras.
Apesar de o livro ter sido publicado no calor do momento e sua análise ir até maio de 2019, é notável a profundidade da discussão, reflexo de anos de estudos sobre a conjuntura brasileira. Impressiona, por outro lado, a identificação do interesse circunstancial de parte da sociedade brasileira em Bolsonaro, que, no fim das contas, torna-se pequeno diante de um problema maior para nós, brasileiros: o fortalecimento da democracia por uma longa duração.
[João Lorandi Demarchi] Historiador e mestrando em Geografia pela FFLCH-USP.
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Novas narrativas da web
Sites e projetos que merecem seu tempo
Mapa do coronavírus
Nos servidores da Universidade Johns Hopkins (EUA), uma tela com dados automaticamente atualizados sobre o coronavírus no mundo todo, por países, com detalhes inclusive de regiões em alguns casos, é o melhor mapa da evolução do Covid-19 produzido até então. Os pesquisadores abriram o código para que qualquer um possa replicar ou melhorar a ferramenta. Brasil está lá também, com números atualizados quase em tempo real – uma vez que a plataforma está conectada a fontes oficiais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras.
https://coronamap.org
Primeiras impressões
Uma experiência de realidade virtual feita pela equipe do jornal inglês Guardian, que tenta reproduzir o ponto de vista de um bebê recém-nascido. É uma narrativa imersiva para mostrar o desenvolvimento da visão, da audição e motor. Lentamente, quem assiste percebe mais cores, mais tons, objetos, percepção de profundidade, sempre com o olhar na altura onde estaria o bebê – chão, colo, cadeirão. A “viagem” é narrada pelo professor Charles Nelson, doutor em Pediatria em Harvard. O projeto também inclui um podcast sobre a visão na infância e a relação desse desenvolvimento com nossa cognição, e um artigo sobre o Sussex Baby Lab, escola de psicologia que estuda o desenvolvimento da visão em bebês e crianças.
https://bit.ly/visaoebebes
Sapatos desamarrados
Aparentemente é apenas um site que vende sapatos para homens e mulheres. O design de site de vendas, no entanto, é uma reportagem sobre a história de Evie Ruddy e suas questões pessoais sobre gênero. Adultx agora, passou a usar pronomes e formas desconectadas do masculino ou do feminino para se referir a si mesmx (e aqui uso o “x” em lugar de “o” ou “a”, outra forma que se popularizou no Brasil quando se trata de não determinar o gênero das palavras). A indústria de sapatos (e da moda, em geral) é altamente separada em caixas de masculino e feminino. O site é uma proposta para entender a vida de Ruddy, ao mesmo tempo que questionamos esses limites da moda.
www.untied.shoes
[Andre Deak] Sócio do Liquid Media Lab, professor de Jornalismo e Cinema da ESPM, mestre em Teoria da Comunicação pela ECA-USP e doutorando em Design na FAU-USP.