Miscelânea
COMO SE REVOLTAR?
Patrick Boucheron, Editora 34
A Idade Média tem sido imaginada como tempo de reis, castelos e igrejas, mas também foi período de grande opressão sem aparente resistência, com turbulências, agitações e insurreições. Quem fala sobre isso é Patrick Boucheron, especialista nesse período, em livro com uma estrutura de palestra e perguntas, derivado das “pequenas conferências” dirigidas a jovens na França. Aí o autor constata que as juventudes já se revoltavam contra as estruturas sociais. Nessa história das revoltas medievais é apresentada uma série de manifestações, populares ou não, em linguagem simples, com base em documentos e “lendas”.
É possível revoltar-se num período conhecido pelo senso comum como “idade das trevas”, mas no qual estudos já mostraram o quanto a vida econômica e cultural era dinâmica.
Um dos argumentos do autor se refere ao tipo de revolta – por exemplo, aquelas da pequena nobreza contra a grande nobreza, o que ele chama de “revolta fiscal”, que tem a ver com cobrança de taxas e impostos cobrados pelos reis e senhores da nobreza, donos de terra e castelos, em geral abusivos.
O cavaleiro solitário Robin Hood não poderia ficar de fora dessa história. Alguns historiadores colaram a imagem do “herói” popular nas revoltas de camponeses. Boucheron mostra, ao contrário, que esse personagem não era um “bandido comum” que pretendia distribuir renda, como se acreditou durante algum tempo (Hobsbawm, por exemplo). Na perspectiva do autor, o salteador pertencia à pequena nobreza (gentry) da Inglaterra. Mas também houve várias contestações populares da ordem social vigente, e Boucheron arrisca interpretar com outros que “a cruzada das crianças” poderia ser um desses protestos.
Ao abordar a Idade Média, o livro remete às insurgências e manifestações globais e locais com sentidos econômicos, mas também culturais e sociais. Recentemente houve revoltas globais contra impostos (movimentos antiglobalização e anticapitalista em Seattle), manifestações contra o preço do ônibus (jornadas do MPL em junho de 2013), protesto exitoso contra a privatização das águas (a “guerra pelas águas” em Cochabamba).
Enfim, esse livrinho nos lembra que não faltam motivos para revoltas.
[Valmir de Souza] Professor, pesquisador e ensaísta, associado ao Instituto Pólis e ao Sinpro/Guarulhos.
IMPERIALISMO, ESTADO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Luiz Felipe Osório, Editora Ideias & Letras
As contribuições marxistas são fundamentalmente internacionalistas, mas relegadas nos estudos das relações internacionais. A relação entre saber e poder não é irrelevante. O livro de Luiz Felipe Osório traz à tona as contribuições teóricas marxistas para o campo das Relações Internacionais, principalmente em torno da teoria do Estado e do imperialismo, desde suas origens até as discussões mais recentes.
Osório propõe uma divisão dos autores em torno de três grandes debates. O primeiro, que se estende de 1870 a 1945, reúne os intérpretes pioneiros de Marx: Rudolf Hilferding, Rosa Luxemburgo, Karl Kautsky, Nikolai Bukharin e Vladimir Lenin. O segundo debate ocorre durante a Guerra Fria e apresenta um grupo amplo de escolas chamadas neomarxistas: a corrente do capital monopolista (Paul Baran e Paul Sweezy), os teóricos da dependência (Andre Gunder Frank, Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra), e os pensadores do sistema-mundo e das trocas desiguais (Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e Samir Amin). Por fim, o debate contemporâneo, que foi dividido em três campos. Na vertente politicista, apresentam-se os autores Michael Hardt, Antonio Negri, Leo Panitch, Sam Gindin e Ellen Wood; na parcial politicista, David Harvey e Alex Callinicos; e na plena crítica, Evgeni Pachukanis, Christel Neusüss, Klaus Busch, Claudia von Braunmühl, Joachim Hirsch, Alysson Mascaro e China Miéville.
Para muito além de uma luxuosa e instigante revisão bibliográfica, deve ser destacada a impressionante apresentação do atual estado da arte das reflexões marxistas. A leitura de Imperialismo, Estado e relações internacionais é essencial a todo internacionalista, seja qual for sua matriz de pensamento teórico.
[Henrique Paiva] Professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (Irid), da UFRJ.
INTERNET
Novas narrativas da web
Sites e projetos que merecem seu tempo
O documentário interativo faz um traçado imaginário pelas vilas operárias de São Paulo. Conflitos urbanos, memórias, seus moradores e modos de vida foram registrados e podem ser acessados sem começo, meio ou fim da narrativa. Foi produzido durante três meses, coordenado pelo Estúdio Crua, durante uma oficina com catorze pessoas no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc em São Paulo.
Durante três anos, os produtores e cineastas Priscilla Telmon, Vincent Moon e Fernanda Abreu saíram para explorar as várias formas ritualísticas do Brasil, sua musicalidade, seu movimento, com vontade de criar um “corpo digital” que permitisse uma melhor compreensão dessas pessoas e suas práticas. Não havia ideia inicial do formato, que terminou numa coleção de mais de cem filmes em viagens por toda a América Latina. A maior procissão católica do mundo, ou um ritual desconhecido indígena de Mato Grosso. Um longa-metragem, instalações imersivas e outras formas de apresentação do projeto estão em andamento. Não há entrevistas ou narrações, apenas uma experiência plástica e sensorial protagonizada por corpos de fiéis em transe religioso. Sem dúvida, dos mais completos projetos de narrativas multimídia ou, digamos, híbridas.
A retórica das cidades inteligentes corporativas fala sobre eficiência, segurança, previsibilidade: chegar rápido ao trabalho, câmeras, sem filas no shopping. Basicamente, uma cidade para trabalhar e consumir, não necessariamente para viver bem. Os pesquisadores do Good City Life buscam entender o que faz de uma cidade um lugar especialmente bom para morar, um lugar feliz. “Recentemente, usamos, por exemplo, dados de mídias sociais para mapear camadas de emoções e sensações pela cidade”, explicam. Daniele Quercia, cientista britânico da computação, já falou sobre seus happy maps no TED, conferência mundialmente famosa em que falam personalidades de destaque nas áreas de tecnologia, entretenimento e design.
[Andre Deak] Diretor do Liquid Media Lab, professor de Jornalismo na ESPM, mestre em Teoria da Comunicação pela ECA-USP e doutorando em Design na FAU-USP.