A mobilidade elétrica na América Latina
Mesmo com o crescimento da mobilidade elétrica, o preço de varejo dos veículos elétricos permanece substancialmente superior aos veículos a combustão interna na América Latina
A América Latina testemunha um crescimento significativo na mobilidade elétrica, com o Brasil desempenhando um papel central nesse cenário em expansão. Esse movimento é impulsionado pela matriz elétrica renovável e custos acessíveis de eletricidade, embora os altos custos de aquisição de veículos elétricos continuem a ser o maior desafio. Mesmo com a redução de taxas, o preço de varejo de veículos elétricos permanece consideravelmente maior que o de veículos a combustão interna na América Latina, como apontam as pesquisas (Vilchiz et al., 2019).
O Chile, com sua população urbana de 88%, destaca-se internacionalmente na mobilidade elétrica, impulsionado por reservas minerais como cobre e lítio no país. Embora importe todos os veículos, medidas como a Ruta Energética 2018-2022 e a Estrategia Nacional de Movilidad Eléctrica têm impulsionado a adoção. Já a Colômbia, com 84% de sua população em áreas urbanas, também tem avançado na mobilidade elétrica, consequência dos incentivos financeiros e metas ambiciosas que visam 30% de frotas públicas elétricas, até 2025, e 100% de ônibus elétricos em cidades com Sistemas de Transporte Massivo, até 2035. A Estratégia Nacional de Mobilidade Elétrica reforça o compromisso, visando incorporar 600.000 veículos elétricos até 2030.
A Costa Rica, com matriz elétrica quase totalmente renovável, enfrenta desafios ambientais no setor de transportes. Com aproximadamente 191 estações de recarga rápida, políticas como a Lei nº 9.518 (2018) oferecem isenções fiscais e vantagens para veículos elétricos. O Plano Nacional de Descarbonização (2018-2050) estabelece metas ambiciosas para eletrificação no transporte público e individual até 2050, com foco na substituição gradual de ônibus convencionais por elétricos.
Embora o mercado de mobilidade elétrica esteja em estágio inicial no México, o transporte público eletrificado, especialmente trólebus na Cidade do México, tem crescido. A Estratégia de Eletromobilidade de 2018 e incentivos fiscais, como a isenção do imposto federal para veículos elétricos, são parte das iniciativas mexicanas.
A Argentina, com 92% da população urbana, registrou 3.760 veículos elétricos até agosto de 2021. Embora sem um plano formal – como se pode observar na Costa Rica, Chile, Colômbia e México – iniciativas como o Programa de Transporte Inteligente Argentina e a Lei de orçamento mínimo para adaptação e mitigação das mudanças climáticas indicam ações pontuais. Cidades como Buenos Aires estão liderando a transição para veículos elétricos, estabelecendo metas agressivas para redução de emissões e a presença de carros de baixa emissão até 2050.
Incentivos financeiros para aquisição de veículos elétricos na América Latina1
Países | Incentivos financeiros |
Argentina | Redução do imposto de importação de veículos elétricos fabricados exclusivamente por empresas que produzem automóveis em solo argentino foi implementada em abril de 2021, resultando em uma diminuição expressiva de 35% para 5%, 2% ou 0% (Governo da Argentina, 2017). Este benefício tem um limite de 1.000 unidades. |
Brasil | O Brasil, em 2020, adotou uma política de isenção total de impostos de importação (35%) para veículos elétricos, além de reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 25% para 7% (Governo do Brasil, 2020). Para veículos híbridos, o imposto de importação varia entre 0% e 7%, dependendo da capacidade do motor de combustão interna. Além disso, sete estados brasileiros isentam proprietários de veículos elétricos de taxas anuais de propriedade (IPVA). |
Chile | No Chile, a Estratégia Nacional de Eletromobilidade foi desenvolvida a partir de 2016, com a meta de eletrificar 40% da frota elétrica privada até 2050. Contudo, não foram estabelecidas políticas específicas para alcançar essa meta. |
Colômbia | Na Colômbia, o governo implementou isenção da taxa de importação e redução do Imposto de Valor Agregado (IVA) de 19% para 5% para veículos elétricos (Governo da Colômbia, 2019; Quiros-Tortos et al., 2019). Adicionalmente, há isenção do imposto sobre o consumo, que varia entre 8% e 16% para veículos a combustão interna (Gómes-Gélvez et al., 2016). |
Costa Rica | O governo da Costa Rica, em 2018, implementou uma política que reduz em até 100% o imposto sobre vendas, o imposto seletivo de consumo e o imposto de valor agregado para veículos elétricos, dependendo do preço do veículo. Além disso, o imposto de importação para esses veículos foi zerado (Governo da Costa Rica, 2018; Quiros-Tortos et al., 2019). |
Mexico | No México, há isenção do Imposto sobre Automóveis Novos (ISAN) para veículos elétricos, com variação entre 2% e 17% (Mánez Gomis et al., 2019). Adicionalmente, alguns veículos elétricos e híbridos desfrutam de um desconto de 20% em pedágios em determinadas rodovias mexicanas (Mánez Gomis et al., 2019). |
Fonte: Consoni et al. (2021) and Tolmasquim et al. (2021)
Em 2023, as vendas de veículos elétricos leves no Brasil atingiram um marco recorde, aproximando-se de 94 mil unidades, um notável aumento de 91% em relação ao ano anterior (ABVE, 2024), com a ascensão dos veículos plug-in que representaram 56% das vendas no ano, superando os híbridos convencionais (ABVE, 2024). O mês de dezembro teve destaque com a comercialização de 16.279 unidades. Esse aumento nas vendas é atribuído a diversos fatores, incluindo a alta anunciada no imposto de importação de veículos elétricos e híbridos a partir de janeiro, o que gerou uma antecipação nas vendas durante o último bimestre de 2023 (ABVE, 2024). De um modo geral, embora alguns países da América Latina estejam empenhados em desenvolver políticas de subsídios e regulação para os veículos elétricos, a definição de um mercado local para os elétricos parece estar baseada na política de incentivos.
Apesar desse crescimento, persistem desafios consideráveis para a adoção em massa de veículos elétricos no Brasil. O preço, especialmente de modelos importados, continua sendo uma barreira significativa, o que indica a necessidade de políticas que tornem esses veículos mais acessíveis ao consumidor brasileiro. Como é o caso da Alemanha, com o programa de apoio para compra direta de carros elétricos. Embora o programa esteja em fase de encerramento, em 2023, os compradores de carros elétricos com preço inferior a 40.000€ receberam um incentivo de 4.500€. Em 2024, este incentivo foi reduzido para 3.000€. Além disso, é crucial fortalecer as políticas de incentivo do governo, alinhando-as às iniciativas globais que visam reduzir as emissões de gases de efeito estufa e promover a sustentabilidade no setor automotivo.
Para impulsionar ainda mais a transição para veículos elétricos, o Brasil precisa adotar abordagens mais abrangentes. O Projeto de Lei nº 6.020/2019, recentemente aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, cria uma política de incentivo tributário à pesquisa e desenvolvimento da mobilidade elétrica. No entanto, é fundamental um comprometimento contínuo, abrangendo não apenas incentivos fiscais, mas também investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias, especialmente relacionadas às baterias, que são um ponto crítico para a eletrificação. Dados e fontes como Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) são essenciais para embasar e monitorar essas transformações no cenário automotivo brasileiro.
Desafios Econômicos e Oportunidades Futuras
Mesmo com o crescimento da mobilidade elétrica, o preço de varejo dos veículos elétricos permanece substancialmente superior aos veículos a combustão interna na América Latina. Em 2019, a diferença era notável, com veículos elétricos custando cerca de 40.990 dólares, quase o dobro do preço médio de 21.960 dólares para veículos a combustão interna (QUIROS-TORTOS et al., 2019).
Além disso, estudos sobre o Custo Total de Propriedade (TCO) revelam que, ao longo de 8 anos, os veículos elétricos teriam um TCO cerca de 88.000 dólares (172%) superior ao de veículos a combustão interna na Argentina, registrando a maior diferença (GÓMES-GÉLVEZ et al., 2016). Essa disparidade econômica é ainda mais evidente no Brasil, onde a diferença chegaria a 45.000 dólares (75%). Apesar dos desafios econômicos, o estudo também destaca que a Costa Rica é uma exceção, sendo o único país onde o TCO de veículos elétricos se equipara aos veículos a combustão interna.
Em outro estudo (QUIROS-TORTOS et al., 2019), a Argentina continuaria a apresentar a maior diferença do TCO entre veículos elétricos e a combustão interna, chegando aproximadamente a 25.000 dólares. No entanto, é perceptível uma redução na disparidade em comparação com estudos anteriores, indicando uma possível tendência positiva para a viabilidade econômica dos veículos elétricos na região.
É importante ressaltar que, ao contrário de diversas nações europeias, a América Latina não dispõe de incentivos financeiros ou subsídios governamentais significativos para a compra direta de veículos elétricos (como se viu no caso da Alemanha). A ausência desses incentivos pode impactar diretamente a competitividade dos veículos elétricos em relação aos veículos a combustão interna na região. Ao mesmo tempo, a Alemanha e a França estão diminuindo essa política gradativamente. Portanto, para impulsionar ainda mais a mobilidade elétrica, seria crucial que os países latino-americanos considerassem estratégias que tornassem os veículos elétricos mais acessíveis e competitivos economicamente, estimulando assim uma transição mais rápida e eficiente para um futuro sustentável na região LATAM.
Não existe uma metodologia específica para aferir como um país está operando sua transição enérgica para a mobilidade. Algumas pesquisas priorizam a análise das políticas públicas e das regulamentações, outras, de venda, emplacamento e importação. Neste contexto, podemos nos perguntar: como anda a instalação de Plug-ins na Rodovia Panamericana (a via de transporte terrestre mais importante das américas)? Desconsiderando os Estados Unidos, que faz parte do percurso, ao que tudo indica, atualmente, o Brasil é o país mais preparado para a estruturação de sua parte do roteiro.
Lucas do Amaral Afonso é Sociólogo e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (PPGS-UFF). Membro do Brazilian Research in Auto Industry (BRAIN) e pesquisador sobre o setor automotivo. Acesse o Painel do Setor Automotivo.