Museus na Bélgica protestam contra a censura do nu artístico pelo Facebook
Alvo de sátiras e reclamações por parte dos artistas, a implacável censura de qualquer nudez pelo Faceboock dificulta a divulgação do turismo e de exposições artísticas. Até mesmo a imagem de Jesus Cristo na Catedral de Nossa Senhora em Antuérpia foi bloqueada pela rede social.
Um grupo de diretores e profissionais de museus da Bélgica enviaram em julho uma “carta aberta” ao fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, pedindo uma revisão da política que censura a nudez mesmo quando relacionada à arte, cultura e patrimônio histórico. Até o momento, a rede social proíbe o uso de imagens de corpos nus, “mesmo que o uso seja por razões artísticas ou educacionais”.
“Indecente. Esta é a palavra usada para descrever os seios, nádegas e querubins de Peter Paul Rubens,” denuncia a carta. “Não por nós, mas por você… Mesmo que secretamente tenhamos que rir disso, a censura cultural (do Facebook) está tornando nossa vida bastante difícil”, dizem os profissionais de Patrimônio Histórico e Artístico à Mark Zuckerberg.
A iniciativa também recebeu assinaturas de profissionais na Europa, principalmente da Áustria. Em março deste ano a rede social já tinha classificado de “perigosamente pornográfica” a figura da “Vênus de Willendorf”, presente na coleção do Museu de História Natural de Viena. A estatueta de calcário é uma das representações de nu feminino mais antigas do mundo, esculpida há cerca de 27 mil anos no período Paleolítico.
No caso de Flandres, região norte da Bélgica, a censura do Facebook tem afetado os quadros de mestres da pintura flamenga que exibem figuras humanas e querubins nus. Tratam-se de obras de artistas do século XV e XVI como Peter Paul Rubens, Pieter Bruegel e Jan van Eyck que a Secretaria de Turismo “Visit Flandres” vem tentando utilizar em campanhas para promover o turismo regional, mas são constantemente bloqueadas pela rede social.
Uma das pinturas censuradas é “A Descida da Cruz”, de Rubens, que pode ser admirada na Catedral de Nossa Senhora em Antuérpia. Nela, pode-se observar a representação de Jesus sendo retirado da cruz envolto em panos. Ele nem sequer está nu, mas o Facebook não aceita a divulgação da obra.
Além de enviar a carta, os especialistas belgas também lançaram um vídeo satírico (https://www.youtube.com/watch?v=UZq3cVgU5AI) no qual os visitantes que possuem uma conta do Facebook são retirados dos museus para não verem os “nus”.
Programados para deletar
O vídeo do Visit Flandres foi publicado no YouTube em 21 de julho deste ano. Cinco dias depois, a vice-presidente (VP) de operações do Facebook, Ellen Silver, escrevia um artigo no site “Newsroom”, com notícias sobre a própria plataforma, esclarecendo como os moderadores revisam o conteúdo da rede. “A nudez é geralmente muito fácil de ser estabelecida e pode ser analisada em segundos, enquanto algo como representação pode demorar mais tempo para ser confirmada”, afirmava.
Na dúvida, os funcionários da rede social parecem programados a optar pela rapidez da censura. É o que aconteceu em junho do ano passado com a obra-prima do século XIX, a “Liberdade Guiando o Povo”, do francês Eugène Delacroix, censurada em uma campanha de uma peça teatral em Paris. Na época o diretor Jocelyn Fiorina revelou que repetidas vezes “os moderadores se mostraram inflexíveis e asseguraram que, mesmo em um quadro do século XIX, (a nudez) não era aceitável”, lembra. Depois que o caso virou polêmica na França, o Facebook se retratou.
Para a porta-voz de Visit Flanders, Tama d’Haen, o Facebook precisa aprender a “diferenciar a nudez geral, pornográfica, que não é permitido em sua plataforma, da nudez que é parte de muitos quadros pendurados em Flandres e no mundo”.
A mesma ressalva foi feita esta semana no Canadá, pelo porta-voz do Museu de Belas Artes de Montreal, Pascale Chasse. “O algoritmo não é capaz de reconhecer a diferença entre uma peça de arte e um mau anúncio”, lamentou. O museu canadense tentou divulgar no Facebook um anúncio sobre uma nova exposição de quadros do pintor espanhol Pablo Picasso e teve a publicidade apagada devido aos traços de nudez em “Femmes à la toilette”. A mesma pintura foi usada em campanhas em jornais e canais de TV sem problemas.
Depois da repercussão da carta aberta e do vídeo na imprensa belga, o Facebook entrou em contato por e-mail com Peter De Wilde, diretor da Visit Flandres, prometendo uma reunião para discutir o tema. Desde fevereiro os profissionais da Cultura e Turismo tentavam entrar em contato com a rede social sem sucesso. Os belgas tentam agora que o encontro seja realizado em um dos museus em Bruxelas ou Antuérpia onde estão os quadros censurados. “Que melhor maneira de ter uma discussão elevada sobre nudez do que estar imerso nela?”, instigam.
Viviane Vaz é jornalista e escreve de Bruxelas