Na Tunísia, as brasas persistentes do espírito de revolta
O jogo político competitivo consagrado pela nova Constituição, adotada em 2014, foi pervertido pelas intrigas dos partidos majoritários e pela onipresença do dinheiro privado – por vezes oculto, ou de origem estrangeira – no financiamento das organizações políticas e nas campanhas eleitorais
Novembro de 2020. A um mês do décimo aniversário do início da revolução tunisiana, que provocou a queda do regime de Zine al-Abidine ben Ali, em 14 de janeiro de 2011, a cólera popular que se exprimia já há diversos meses se amplificou. Em Kasserine, Gafsa, Sidi Bouzid, Jendouba, Gabes e em outros lugares dessas regiões esquecidas pelo poder e duramente atingidas pela recessão econômica inédita provocada pela pandemia de Covid-19, as mobilizações se estendem. Pessoas vivendo em condições precárias e deixadas ao léu se manifestam, bloqueiam estradas, se articulam. Em todos os lugares, reclamam por emprego e desenvolvimento e exigem a abertura de negociações com representantes do governo central para apresentar seus problemas e propostas. Ao final de uma década, a constatação não deixa dúvidas: aqueles que substituíram o ditador caído traíram a promessa de dignidade que a revolução levantou. Esta última foi inclusive rebatizada pelas autoridades de “transição democrática”, uma maneira sutil de negar qualquer legitimidade…