Nada de novo no Front: as contradições da COP 30
A Amazônia permanece como um paraíso para os desmatadores, para o agronegócio, para o narcotráfico e para os setores ligados ao garimpo
A COP 30, a ser realizada no mês de novembro em Belém, transparece os interesses econômicos que determinam as decisões e acordos, como também deixa claro o racismo cultural que esses encontros bilaterais dispensam aos povos tradicionais. Os líderes das nações estão muito mais interessados em ganhar softpower ao promover pautas ambientais, estipular metas para diminuição de emissões que eles não terão interesse em cumprir e atender aos fluxos globais de capital — cujos horizontes em sua grande maioria são sempre voltados para o curto prazo.
A organização do evento, além de não ter a participação de nenhuma instituição ou universidade regional, a Universidade de São Paulo e a FGV ficaram encarregadas, conforme apontou Violeta Loureiro em palestra no Teatro Valer em janeiro deste ano, em Manaus/AM. A organização da COP 30 também dificulta a participação de lideranças dos povos tradicionais, como quilombolas, extrativistas e indígenas, como aponta a Revista Cenarium. Infelizmente, nada de novo sob o sol nos processos históricos regionais. Quando observamos a história da região notamos que as decisões que impactam a vida dos povos regionais sempre foram tomadas por bases ideológicas que ignoram as demandas populares ou por pessoas que não conhecem as particularidades regionais.
Desde que a Amazônia foi submetida à influência das civilizações ocidentais ela passou por um processo de transformação dos seus espaços e do seu povo. No século XX a tendência permanece, apenas se reatualizando em novo contexto: a modernização conservadora da ditadura causou devastação ambiental, concentração de renda, etnocídio e crescimento urbano desenfreado. No século XXI, embora a pauta ambiental sobre sustentabilidade aponte para um novo paradigma macro-histórico na forma como os Estados Nacionais devem se relacionar com populações não ocidentalizadas, vemos que a Amazônia permanece como um paraíso para os desmatadores, para o agronegócio, para o narcotráfico e para os setores ligados ao garimpo.
Violeta Loureiro no livro Amazônia: Colônia do Brasil aponta que não superamos nossa condição de colônia. Somos vistos como espaço ermo que deve ser explorado à revelia das consequências sociais e ambientais que isso possa ocorrer. A mentalidade das nossas elites dirigentes nacionais e internacionais herdou o mesmo pensamento predatório que as elites metropolitanas tinham em relação ao Brasil na época da colônia. Um espaço pronto para ser dominado e explorado, e habitado por povos sem cultura, que precisavam ser dominados pela força da religião ou das armas. Sofremos de colonialismo interno e isso se desdobra nas decisões que tomam sobre nossas vidas.

Boa parte da população regional também adotou essa forma de pensar. Há uma baixa estima em nós, Amazônidas. Acreditamos que não somos capazes de decidir sobre o nosso próprio destino. Preferimos acreditar nas mistificações criadas sobre nós. Recusamos nossa própria cultura e história para abraçar tudo o que é produzido no Sudeste como exemplo de alta cultura. Nascemos de costas para o igarapé e de frente para o concreto.
Mas nem sempre foi assim. Antes da chegada dos bárbaros do leste a região abrigava cerca de seis milhões de pessoas e centenas de diferentes povos com as mais variadas matrizes civilizacionais, conforme aponta Marilene Corrêa, na obra No Paíz do Amazonas. Tais povos e civilizações viviam em relações variadas de paz, aliança, guerra e vassalagem. Habitavam a região a pelo menos doze mil anos, como prova Eduardo Góes dos Santos no livro Sob os Tempos do Equinócio. Além disso, seus modos de vida tinham uma relação com a floresta que hoje seria chamada de sustentável ao praticarem a replantação das florestas e o rodízio de terrenos que ficavam cansados com a agricultura (leia mais aqui). Tal relação ainda é mantida pelos povos tradicionais atuais. As áreas florestais mais preservadas do Brasil são aquelas onde há a existência de tais populações. Enquanto, as áreas mais degradas são as chamadas terras da união ou florestas privadas. Some-se a isso a questão dos rios brasileiros estarem em sua maioria perdendo água. O problema é maior onde há presença do agronegócio, segundo pesquisadores da USP (leia mais aqui).
Não há futuro para a Amazônia e para o mundo sem a reforma completa do nosso sistema produtivo. Sem isso, eventos como a COP não passam de letra morta diante das mudanças que estão ocorrendo. As populações tradicionais estão aqui na Amazônia há, pelo menos, doze mil anos. Conhecem a região melhor que qualquer um. Devemos ouvi-los, aprender com eles e seguir seus conselhos. Sem isso só haverá a aridez de um mundo morto. Ailton Krenak está certo: O Futuro é Ancestral.
Ricardo Kaate Lima é Doutor em Ciências Sociais (UNESP), autor de A Lança de Anhangá (Cachalote, 2024) e vencedor do Prêmio Literário Cidade de Manaus (2022).