Não existe justiça climática sem eliminação da discriminação racial
A verdadeira sustentabilidade só será possível quando todas as pessoas tiverem as mesmas condições de viver com dignidade em um planeta saudável
O dia 21 de março marca o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, criado pela ONU em memória ao Massacre de Sharpeville, na África do Sul, em 1960, quando 69 pessoas negras foram mortas em um protesto pacífico contra o apartheid. Essa data é um lembrete global para refletirmos e agirmos contra todas as formas de racismo e discriminação racial – e, no Brasil, essa luta se conecta diretamente à crise climática.
A emergência climática, embora global, não afeta todas as pessoas da mesma maneira. No Brasil, comunidades negras, indígenas, quilombolas e pessoas que vivem em periferias urbanas estão entre os grupos mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, como enchentes, deslizamentos de terra e ondas de calor. Essas populações, historicamente excluídas do acesso a direitos básicos, enfrentam agora os impactos de uma crise que aprofunda ainda mais as desigualdades estruturais do país.

De costas, à bancada, deputada Dandara (PT-MG).
Crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Justiça climática antirracista: um caminho necessário
A justiça climática antirracista reconhece que a crise climática é também uma crise social e racial. O racismo estrutural e as desigualdades econômicas intensificam os impactos ambientais, afetando principalmente aqueles que menos contribuíram para a degradação ambiental. O racismo ambiental expõe grupos racializados a maiores riscos e os impede de acessar proteção, participação política e recursos para adaptação.
No Brasil, cerca de 70% das pessoas afetadas por eventos climáticos extremos em áreas urbanas são negras ou pardas, que já enfrentam dificuldades no acesso à moradia digna, saneamento e infraestrutura resiliente. Além disso, são pouco ou nada representadas em espaços de decisão sobre políticas socioambientais. A justiça climática antirracista busca inverter essa dinâmica, propondo que esses grupos sejam protagonistas nas políticas climáticas, respeitando saberes tradicionais, garantindo direitos territoriais e criando espaços reais de participação nas decisões que impactam suas vidas, seus territórios e modos de vida.
Financiamento climático e inclusão social
A transição para uma economia de baixo carbono requer recursos – e o financiamento climático tem um papel fundamental nesse processo. Porém, no Brasil, o acesso a esses fundos ainda é marcado por desigualdades. A maior parte dos investimentos vai para grandes projetos de infraestrutura ou energias renováveis que, muitas vezes, não chegam às comunidades mais afetadas ou não dialogam com suas necessidades específicas. É urgente democratizar o acesso aos recursos climáticos. Isso significa criar mecanismos que permitam o financiamento direto de iniciativas locais voltadas à adaptação e mitigação climática, como:
- Reflorestamento comunitário e regeneração ambiental;
- Segurança hídrica em territórios vulneráveis;
- Agricultura regenerativa e produção sustentável;
- Construção de habitações resilientes;
- Fortalecimento de lideranças locais e suas organizações.
Caminhos para uma transição justa e antirracista
Para que a justiça climática se concretize de forma interseccional, é necessário adotar medidas que priorizem equidade e reparação histórica:
- Inclusão de critérios sociais no financiamento climático, priorizando projetos com impacto positivo nas comunidades mais negligenciadas;
- Descentralização dos recursos, com menos burocracia e mais acesso direto para iniciativas de base;
- Participação popular efetiva, garantindo a presença ativa de lideranças negras, indígenas e periféricas na governança climática;
- Valorização dos conhecimentos tradicionais, com apoio a práticas ancestrais e soluções locais que já demonstram eficiência na convivência com o ambiente.
Um compromisso com o futuro
Neste 21 de março, refletir sobre a eliminação da discriminação racial também é reconhecer que não há justiça climática sem justiça racial. Enfrentar a emergência climática sem enfrentar o racismo é perpetuar desigualdades. A verdadeira sustentabilidade só será possível quando todas as pessoas tiverem as mesmas condições de viver com dignidade em um planeta saudável. Que a transição ecológica brasileira seja, acima de tudo, justa, inclusiva e reparadora.
Porque enfrentar a emergência climática sem enfrentar o racismo é perpetuar desigualdades. E a verdadeira sustentabilidade só será possível quando todos e todas tiverem as mesmas condições de viver com dignidade em um planeta saudável.
Viviana Santiago é diretora-executiva da Oxfam Brasil.
Efeitos climáticos em áreas urbanas: migração em massa para reformas trabalhistas, políticas e principalmente étnicas, todas as cidades favoráveis a tal política foram destruídas.